No mês de fevereiro passado, foi lançado meu segundo livro “Ser Tão Interior”, em Santana do Ipanema. A capa chamou a atenção dos leitores que queriam saber quem havia produzido. Para quem estava presente, falamos sobre o processo de escolha da pintura. Agora, compartilhado com os demais leitores.
No final de 1990, além dos desafios da atividade bancária, assumimos também a diretoria social da AABB-Associação Atlética Banco do Brasil com o propósito de contribuir, além dos objetivos da pasta, realizar um evento anual que pudesse reunir, no mesmo espaço, uma amostra da cultura local no formato de “Feira de Arte e Cultura”, com o intuito de difundir os valores da terra.
Dentre os confirmados do evento estava o artista plástico e caricaturista Francisco Roberval Soares Ribeiro, conceituado artista visual cujos trabalhos há muito tempo eu admirava. Naquele período fiz-lhe um pedido especial: pintar um quadro de um homem caminhando numa vereda sertaneja em direção ao infinito seguindo um caminho delimitado por cercas. No horizonte, as serras embelezavam a paisagem. Ao descrever o panorama, ele me respondeu:
- João, esse quadro já existe, exatamente como você descreveu!!!
- Surpreso, perguntei: onde?
- No Supermercado Ouro Branco, no centro, está havendo uma exposição de quadros pintados a óleo de autoria de Goretti Brandão.
- Eu perguntei: Você a conhece?
- Ele respondeu: Não!
Curioso, dias depois fui ao supermercado para visitar a exposição que para mim era novidade e tentar falar com a artista plástica. No hall de atendimento da loja vários cavaletes serviam à mostra e não só me deleitei com os belíssimos trabalhos, bem como me apresentei à pintora elogiando sua arte que era diferente do que eu já tinha visto na cidade.
Após as explicações da artista visual Goretti Brandão fui apresentado ao estilo impressionista. Ou seja, as pinceladas soltas, típicas do movimento artístico, se caracterizam pelo uso de cores vibrantes e a busca por captar a luz e o movimento. A partir daquele momento, não só a convidei para participar da “Feira de Arte e Cultura” que estava se construindo, bem como nos tornamos amigos do casal até os dias atuais. Bem, o quadro que eu procurava, comprei-o, tenho até hoje. Cabe destacar um detalhe: as cercas de Goretti não contêm arames farpados.
No início de 1991 realizamos a 1ª Feira de Arte e Cultura. Com apoio da Prefeitura foram montados estandes no salão principal da AABB onde os expositores vendiam seus produtos artísticos. O evento abrigou artesãos, escultores e pintores, incluindo amostra de fotos antigas e divulgação dos livros de escritores santanenses. Palestras e apresentações musicais complementavam a programação.
Nas edições seguintes a artista teve assídua cuja habilidade se fortaleceu com os anos, tornando-se uma artista renomada e querida por todos os santanenses. A partir da segunda edição da feira tivemos o patrocínio da FENABB-Federação Nacional de AABBs.
Com o tempo, fui descobrindo que a Goretti, além de jornalista, é uma dedicada artista multifacetada que produz com esmero tudo que se propõe realizar: poetisa, contista, cartunista, artista visual, artesã que domina a papietagem que é uma técnica artesanal e manual que se utiliza de papéis rasgados e colados sobre um molde, dando forma às belíssimas peças de arte figurativa nordestina. Seus trabalhos lhe conferiram o título de “Mestra”, honraria conferida pela FOCUARTE-Federação das Organizações da Cultura Popular e de Artesanato Alagoano em 2023.
No Blog “A Palavra é para dizer”, de sua autoria e edição, estão publicadas suas crônicas, poesias e contos que encantam os leitores com a sua poética profundamente humana e inquieta, conforme a escritora revela no fragmento a seguir:
“Diante de mim deitam-se meus sentidos quase esquecidos da palavra. Às vezes eu dispenso letras e viajo para o paraíso das formas e das cores. Se há como ter falado é através de gestuais, tritura papéis, mexe goma e cria estruturas, que falam sobre esse meu desejo de tornar em poesia palpável, o que possa traduzir o que significa estar aqui. A arte trafega sobre um momento eterno de tensão onde uma cortina quase transparente ameaça romper-se. Está a um passo de esgarçar-se e resolver o paradoxo, a luta dos opostos, a aparente falta de nexo, que induz à certeza do excesso. Aquilo que suponho ser a minha criação é como um traço que se quer em linha reta, mas uma mão que não é a minha, a conduz a cortar no papelão duro outra criação. Mais bonita, muito mais do que eu pensei. Que mistério eu sou nas mãos que me modelaram…”
Para quem escreve é inevitável que em algum momento publique um ou mais livros. Comigo não foi diferente! Meus temas de escrita se baseiam em experiências e observações do comportamento humano no cotidiano, cujos registros se iniciaram em 1997, paralelamente à minha profissão de bancário. Naquele tempo, o ritmo era mais lento por razões óbvias. Quando iniciei os procedimentos de publicação do meu livro de crônicas pensei num título que fosse amplo, cuja interpretação fosse a critério do leitor, mas que também representasse minha opção preferencial pelo interiorano que habita em mim. Então, o título escolhido se encaixou perfeitamente na minha proposta.
Faltava ainda a definição e montagem da capa. Bem, aquela pintura do quadro da Goretti, se harmonizava com o tema, sem dúvida! Ao apresentar a proposta de novo desenho para a capa, o desafio foi aceito, de pronto. Confesso que a nova pintura superou ainda mais o quadro de anos atrás. Além da capa, a artista e escritora também fez a apresentação do livro. Obrigado por tudo!
Abril, 2025
Que belo escrito, João Neto. Simplesmente, demais
ResponderExcluirJoão, eu sempre estou a um passo ou mais de atraso, mas, sempre correndo. Paradoxais esses meus momentos. O tempo é curto e tenho sentido isso, à medida que busco concretizar, materializar sentimentos e ideias. Adorei seu texto, como sempre me emociona o que você escreveu e o fato de ter sido através da Arte, a nossa conexão e amizade. Amizade das boas, genuína, leve, alegre e que tem atravessado esse tempo. Um grande abraço, meu querido amigo! Goretti Brandão
ResponderExcluirSim! E quem agradece sou eu, João. Uma honra estar fazendo parte do seu livro!!!
ResponderExcluirUNIDOS PELA ARTE é crônica com arte, e aí não precisa dizer mais nada. Não precisaria se ELA não fosse a protagonista a nossa diva: Goretti Brandão. Admiro tudo que ela faz! A luz que emana desse ser de luz enche-nos de tudo que é bom. A luz, o som, a candura/ feito a faca, facão canivete/ o que emana de ti arte pura/Goretti de ti sou Tiete!
ResponderExcluirMuito obrigada, querido Fábio! Suas palavras me deixam muito honrada!
ExcluirMuito orgulho da Goretti e tudo o que ela é em todas essas artes, em tudo o que ela é na vida. Lindas palavras desse encontro e da história da capa do livro (linda demais). Abraço, Ana Clara (nora dela S2).
ResponderExcluirClarinha, obrigada minha amada, pelas suas palavras. Um beijo com amor!!!
ResponderExcluirJoão de Liô,
ResponderExcluirGoretti dispensa comentários. Ela encerra em sí o que existe de melhor em termos de :artes plástica, poesias e contos. Sou fã de carteirinha dessa grande escritora.
Parabéns pelo texto,Xará!!