Luzídio, era um agricultor que residia na zona rural de Serrinha, distrito de Riacho Grande. O sustento da família vinha da plantação de algodão que mantinha com a ajuda da esposa e filhos. Casado com dona Lia e pai de oito filhos, levava vida desregrada e de excessos. Bebidas e mulheres eram as companhias constantes, além de passar dias longe de casa em farras e orgias. Sua ausência era sentida, mas ele parecia alheio às consequências de seus atos.
Dona Lia era uma mulher forte e resiliente. Enquanto seu marido se entregava aos bacanais, ela cuidava da casa, da roça e dos filhos. Seus olhos, antes brilhantes, agora carregavam um cansaço profundo. A ausência do marido era uma ferida aberta em seu coração, mas o sonho de que um dia ele mudasse era a sua esperança.
Certa noite, após mais um dia de excessos, ele teve um sonho que mudaria sua vida para sempre. Ele se viu chegando ao inferno, um lugar de tormento e desespero. As chamas ardentes lambiam e tostavam sua pele sem comiseração. Dentre os aflitos, reconheceu várias pessoas com quem dividia seus festins licenciosos.
O horror de suas ações passadas o envolveu levando à beira de precipício de fogo onde ele caiu. Enquanto as chamas ardiam e consumiam seu ser, seus gritos de dor eram ignorados. De repente, acordou esbaforido e assombrado. Os instantes de suplício que Luzídio vivenciou em seu sonho era tão real quanto a dor que sentia em seu corpo. As chamas o queimaram por dentro e por fora e as vozes dos infaustos ecoavam em seus ouvidos. O horror das cenas eram um prenúncio cruel e a queda no abismo de fogo foi como um despertar brutal.
Ele não acreditou no que viu. Em várias partes do corpo sua pele estava em carne viva. As dores físicas eram intensas, mas a aflição maior era a culpa que o consumia. Dona Lia, com sua paciência infinita, cuidou de seus ferimentos e, em cada toque, transmitia-lhe um amor incondicional. Aos poucos, Luzídio foi se recuperando, não apenas fisicamente, mas também espiritualmente. A cataplasma de babosa que dona Lia aplicava em suas queimaduras pareciam extirpar a escuridão de sua alma, deixando espaço para a luz da esperança.
Durante esse tempo, sua experiência o fez refletir sobre sua vida e suas escolhas. A cura física, após meses de tratamento, veio acompanhada de transformação espiritual. Luzídio decidiu mudar de vida, corrigindo seus desvios de conduta. Afastou-se das bebidas e das mulheres que o levaram à perdição. Aos poucos, reconstruiu os laços familiares, encontrando novo propósito à existência.
O sonho que o levou ao inferno foi, na verdade, sua salvação. Luzídio aprendeu que, às vezes, é preciso enfrentar os piores medos para encontrar o caminho da redenção.
A banalidade do mal não é um ato grandioso, violento ou espetacular. É, como descreveu Hannah Arendt, a manifestação de algo inquietante e corriqueiro: a incapacidade de pensar, de refletir sobre as consequências de nossas ações e a responsabilidade que carregamos no mundo. O mal, na sua forma mais assustadora, não grita, não exige atenção — ele se esconde no cumprimento automático de ordens, na repetição de rotinas sem questionamento e na apatia diante da injustiça.
É o mal que se disfarça na burocracia, nos carimbos de papel que selam destinos sem que se levante a cabeça para olhar nos olhos dos afetados. É o mal que emerge quando abrimos mão de nossa humanidade em nome da conveniência, da conformidade e da “normalidade". Não é a figura do vilão maquiavélico que protagoniza essa tragédia, mas o cidadão comum que, por medo, desinteresse ou acomodação, prefere não pensar, não sentir e não agir.
Arendt nos alerta que o verdadeiro perigo não está apenas nos líderes autoritários ou nas estruturas opressoras, mas na nossa própria indiferença. Quando aceitamos passivamente o que é imposto, quando escolhemos não pensar criticamente, nos tornamos cúmplices. A banalidade do mal não depende de grandes gestos; ela sobrevive e prospera no silêncio e na omissão de cada um de nós. Pensar é um ato de coragem. E resistir, em sua forma mais profunda, é nunca abrir mão dessa coragem.
Nota: Baseado em fatos reais, mas os nomes são fictícios.
Março, 2025
O Sonho de Luzídio , uma história verdadeira, tão real que algo que estava no campo do abstracionismo acabou se materializando. Interessante como o pensar, o julgar coletivo pode transformar algo que um dia pode acontecer em aqui, em agora. Parabéns confrade João Neto Felix pela sua crônica real, o fato narrado e a reflexão. Uma abençoada quaresma para todos nós! Ass Fabio Campos
ResponderExcluirUm conto realidade sobre o comportamento humano.. Precisamos de queimaduras profundas para reavaliar nosso posicionamento.
ResponderExcluirParabéns,Xará , pelo conto filosófico !!