Tardio desabrochar

 



As capoeiras de caatinga têm sofrido duros desmates e abandonos. Muitos nativos teimam na destoca predatória e não hesitam em queimar tudo o que veem pela frente na produção clandestina de carvão como meio de vida.

O mandacaru permanecia sozinho nas brenhas desmatadas e brocadas do sertão, perguntando-se por que estava fincado no meio daquela vastidão árida.

- Eu nada faço a não ser ficar aqui o dia inteiro - Suspirou ele.

- Para que sirvo? Sou a planta mais feia desse deserto. Meus espinhos são finos e pontiagudos, minhas folhas são borrachudas e duras, minha casca é grossa e cheia de saliências. Não posso oferecer sombra nem frutos suculentos a ninguém. Não vejo em mim utilidade alguma.

Tudo o que fazia era permanecer ao sol dia após dia, ficando cada vez mais alto e gordo. Seus espinhos encompridaram e suas folhas endureceram ainda mais. Inchou aqui e ali até ficar totalmente cheio de protuberâncias disformes. Era realmente estranho de ver.

- Quisera eu pudesse fazer algo útil! - Suspirou!

Dia após dia os gaviões e os urubus bailavam em círculos imaginários acima dele.

- O que posso fazer da minha vida? - Desesperado, gritou o mandacaru! Se ouviram ou não, os gaviões e urubus ignoraram e se afastaram dali desdenhando do solitário cactáceo.

À noite, a lua pairava no céu e deitava seu brilho pálido sobre as areias do sertão esturricado que depois de exaurido todos os recursos foi abandonado à própria sorte e à erosão.

- O que posso fazer de bom da minha vida? Suplicou o grande cacto. A lua olhava apenas, friamente, enquanto prosseguia em seu curso. Um teiú passou rastejando ali por perto, marcando uma pequena trilha com a cauda na areia.

- Que feito digno posso fazer? Gritou o mandacaru!

- Você? Riu-se o lagarto, parando por um momento. - Feito digno? Balançou a cabeça, zombou do cacto.

- Ora, você não pode fazer nada! Os gaviões voam em círculos lá em cima, descrevendo formas delicadas para admirarmos. A lua mostra-se qual uma lanterna pendurada no céu à noite, e assim podemos enxergar o caminho de casa junto aos nossos entes queridos. Até eu, um ínfimo lagarto, tenho algo a fazer. Decoro as areias com lindas pinceladas quando arrasto minha cauda por aí. Mas você? Você nada faz a não ser ficar mais feio a cada dia que passa.

E assim foi, ano após ano. Finalmente o cacto envelheceu e sabia que seu tempo era curto e portanto, próximo do fim.

- Oh, Deus! - Lamentou-se.

- Tanto quis e tanto tentei! Perdoai-me se falhei ao tentar encontrar algo digno para fazer. Temo que agora seja tarde demais.

Porém, nesse exato momento o cacto sentiu um estranho rebuliço e algo se desdobrando no seu tronco. Experimentou uma onda de prazer que suplantou todo o desespero. Em sua extremidade superior, qual súbita coroa, uma flor gloriosa repentinamente desabrochou.

Nunca antes o deserto conhecera tal florescer. Sua fragrância perfumou o ar das redondezas e trouxe felicidade a todos que passavam. As borboletas pousaram para admirar sua beleza e, naquela noite, até a lua sorriu quando encontrou tamanho tesouro ao levantar-se.

- O cacto ouviu uma voz.

- Você esperou tanto - Disse o Senhor.

O coração que busca coisas boas reflete minha glória, e sempre trará algo digno para o mundo, algo com o qual todos podemos nos regozijar... mesmo que por um breve instante.


Adaptação de conto mexicano.

Dezembro, 2024


Fonte de referência:
Bennett, William J. Antologias. O livro das Virtudes II.1995




Comentários

  1. Bela crônica meu amigo João de seu Liô, abraço

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  2. Linda crônica, João, para começarmos o ano refletindo sobre as virtudes que tantas vezes podemos não ver num primeiro momento, mas que estão sendo germinadas e mostrar-se-ão no tempo preciso.

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  3. Belo conto, Xará!! Uma adaptação perfeita do Mandacaru do nosso seminárido em relação a espécie de Cactaceae do deserto de Sonora no México.
    Parabéns!!

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  4. Boa noite Xará!
    Belo conto! Parabéns...
    Quantos de nós, não nos vemos como um Mandacaru? Ansiosos para darmos boas flores e bons frutos, no nosso tempo! Quando, na vida, o tempo é o de Deus.
    João Neto Oliveira

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