Marta, o início !

 



Mais uma vez a jogadora Marta foi destaque mundial. Levou o 1º “Prêmio Marta” de Gol Mais Bonito do Ano no “FIFA the best 2024”. A brasileira brilhou com uma pintura no amistoso contra a Jamaica, superando 10 candidatas e conquistando o prêmio que leva seu nome. Uma homenagem mais que merecida à Rainha do Futebol. Da carreira espetacular da atleta, todo o mundo já conhece, porém do seu início, não podemos dizer o mesmo…

Nos longínquos rincões do Sertão Alagoano o futebol feminino mundial iria escrever parte importante da sua história, assim sem querer querendo, forjado no fogo diário das paixões das coisas simples da vida. Ali brilhou uma estrela que ainda reluz…

Nos anos 1990, um grupo de amigos bancários decidiu assumir os destinos da AABB-Associação Atlética Banco do Brasil de Santana do Ipanema, sob a liderança do presidente Luiz Euclides. Gestão de clube pequeno, com recursos limitados era tarefa árdua. Muitas vezes, tinha que dar nó em pingo d’água para manter as contas em dia. Restava investir com criatividade nos esportes. Aliás, o sertão desde tempos antigos tem fama de se destacar no futebol de campo e salão.

Depois de muitos anos expostos ao sol de todo dia no sertão alagoano fomos contemplados com projeto de cobertura metálica da única quadra poliesportiva, fruto de um convênio - naquele tempo ainda possível - com a FBB-Fundação Banco do Brasil. Mas a conquista não foi mansa e pacífica, herdamos também um litígio que nos atormentou por muitos anos. No final da década de 1980 e início dos anos 1990 muitas mudanças ocorreram e, dentre elas, se extinguiram todos os subsídios e investimentos da parte do Banco e FBB às associações de funcionários.

A associação que quisesse sobreviver teria de produzir suas próprias receitas. De repente, vimo-nos entregues à sorte, apoiados na esperança, contando com a boa vontade e o talento dessa brava gente guerreira. Para fortalecer os clubes foi criada a FENABB-Federação Nacional de AABB, que até hoje atua em defesa das associações de todo o país.

Tendo a escassez como constante, somente a criatividade e união dos seus diretores poderia levar adiante o projeto de um clube integrativo que se abria à comunidade e dependia dela para sobreviver. Para manter vivo o legado, uma das saídas foi priorizar os esportes, principalmente futebol de salão, nas três categorias: Infantil, juvenil e adulto. Assim foi feito.

Com apoio da FENABB-Federação Nacional de AABB, realizamos a 1ª Copa AABB de Futsal Infantil, no período de outubro a dezembro de 1995. Dentre os inscritos, deparamo-nos com a equipe da vizinha cidade de Dois Riachos que constava do rol dos atletas uma menina chamada Marta.

Equipe Dois Riachos. Marta, no destaque
Foi impactante a exibição da hábil canhota de dribles desconcertantes e chute poderoso que logo na partida de estreia já encantou o público, fez gol e foi destaque. Dos adversários, além dos aplausos, conquistou também o ciúme com a sua flecha preta. Os times concorrentes, inconformados com o talento da estreante, entraram com recurso junto à comissão organizadora para inabilitar a presença da atleta no campeonato, simplesmente por discriminação de gênero.

Reunida a comissão formada pelos clubes interessados, árbitros e diretoria do clube, do qual eu fazia parte como vice-presidente esportivo, decidimos pela sua permanência. Representando a equipe visitante estava o senhor Júlio, conhecido como Tota, que era treinador da jogadora e do time. Argumentamos que, enquanto não tivéssemos um campeonato similar na categoria “futebol feminino”, a AABB não vetaria a participação de qualquer jogadora até como incentivo. Tanto a menina, quanto os meninos, tinham as mesmas possibilidades e estavam sujeitos às mesmas regras disciplinares, portanto não havia fundamento para retirá-la do torneio.

Superado o impasse, ali se iniciou a carreira de uma das mais brilhantes e bem sucedidas jogadoras de futebol feminino de todos os tempos. Fomos testemunhas. Naquela edição Marta foi revelação, artilheira e sua equipe campeã. Performance incontestável!

AABB Santana do Ipanema 
Os contemporâneos não tinham ideia da revolução que estava acontecendo. Cada exibição do seu clube aumentava a legião de fãs. O talento inato ganhava autonomia e significado, porém ainda era preciso muita dedicação, trabalho e um longo caminho à frente. Como nem tudo são flores, era inevitável que a atleta fosse em busca do seu sonho na região Sudeste onde já havia investimentos dos clubes cariocas para profissionalização da categoria.

Alguns anos depois, no início dos anos 2000, sob a liderança do bancário Luiz Euclides e dos voluntários conterrâneos, foi feita uma campanha para custear as passagens da novel jogadora. 

Inicialmente a atleta ficou hospedada na casa do carioca Marcos Roberto, amante do futebol, que havia trabalhado na AABB na época dos torneios infantis e trabalhava em um projeto social de escolinha de futebol da prefeitura do Rio de Janeiro. O coordenador da escolinha conhecia as coordenadoras do futebol feminino do Clube de Regatas Vasco da Gama, Marta Helena e Megg, que foi goleira da seleção feminina. Assim foi feita a mediação para recepcionar a jovem atleta na concentração do clube carioca. Bastou um empurrão! Bom, daqui pra frente todos já sabem…



Dezembro, 2024

Comentários

  1. É a Marta e o Pelé... são inigualáveis

    ResponderExcluir
  2. Texto espetacular. Resgate maravilhoso de um momento marcante da interação da rede de AABBs com as comunidades, que se traduziu no surgimento de uma estrela de primeira grandeza mundialmente reconhecida (Hayton Rocha)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Valeu Hayton! Grato pela leitura assídua e divulgação!

      Excluir
  3. As AABBs já revelaram inúmeros talentos esportivos brasileiros. Dentre eles: Alex e Ricardinho no futebol; Leila e Tande no vôlei; Oscar no basquete. E agora tem esse depoimento importante sobre a maior jogadora de futebol de todos os tempos, Marta!! Parabéns pelo relato ! (Sergio Riede)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É isso mesmo! Apoiar sempre, é o caminho das possibilidades!

      Excluir
  4. Parabéns, abnegados AABBEANOS, que como tantos nesse Brasil, ajudaram e ajudam, o esporte amador .
    Tenho orgulho de fazer parte desse time, campeão em todos os rincões desse nosso país continente.
    Roberto Meira

    ResponderExcluir
  5. Parabéns pelo relato, espetacular, sobre o início da carreira da Marta, notadamente, no que se refere à contribuição de nossa querida e inesquecível AABB de Santana do Ipanema, cidade onde tomei posse como Menor Estagiário de Serviços Gerais, em junho de 1982, no Banco do Brasil. Show de bola, João Neto!!!

    ResponderExcluir
  6. Excelente resgate, para conhecermos as origens daquela que se tornou referência de excelência do esporte para o qual se dedicou e levou o nome de Dois Riachos para além das fronteiras mais longínquas.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado Fernando pela leitura frequente e comentários.

      Excluir
  7. Perfeita e merecida homenagem à nossa alagoana rainha Marta. Parabéns João Neto
    Emidio Morais

    ResponderExcluir
  8. Parabéns Xará, pelo registro e a homenagem!
    É uma verdadeira Guerreira.
    João Neto Oliveira

    ResponderExcluir
  9. Que história maravilhosa João Neto!! Como não soubemos disso antes! A AABB gerou uma rainha do futebol mundial. Uau! Sensacional!
    As AABBs transformou e transforma a vida de muita gente! Proporcionando lazer e diversão pra a família BB e ainda incentivando a prática de esporte é uma vida saudável! Saudade de você AABB!
    Beto Barretto

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muitas vezes, nem temos a clara dimensão do que estava acontecendo. Valeu!

      Excluir
  10. Em geral, conhecemos e valorizamos grandes nomes do mundo artístico e desportivo, mas nem sempre sabemos onde essas histórias começaram e quais caminhos foram trilhados.

    Nesse belo texto, o autor nos proporciona uma viagem no tempo e nos oferece a oportunidade de vivenciar momentos que foram alicerces da inabalável construção que é hoje a carreira dessa excepcional figura, mundialmente reconhecida, que é nossa querida Marta.

    Luiz Andreola

    ResponderExcluir
  11. Excelente depoimento, resgate da história de vida da criança Marta, da AABB (dos colegas que vestiram a camisa do Banco do Brasil).

    O Brasil é muito grande e não sabemos onde há talentos em todas as áreas escondidos neste interiorzão!

    Tem razão aquele velho ditado: onde o BB vai o progresso chega. E eu acrescento: revela talentos!

    Parabéns aos envolvidos na revelação da Marta!!

    Emílio Hiroshi Moriya

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pontes se constroem o tempo todo por esse Brasil afora... Valeu!

      Excluir
  12. Muito emocionante ler sobre a participação da AABB no inicio da carreira da estrela Marta. Fico me perguntando se essa estrela teria brilhado se não tivesse tido essa oportunidade de mostrar seu talento. Não dá pra saber, mas certamente deve dar muito orgulho aos colegas que enxergaram o brilho da Marta. Heloisa Oliveira.

    ResponderExcluir
  13. "Hay una AABB, aquí? Soy miembro!" Quando um funcionário do Banco do Brasil chegava em uma nova localidade, onde existia uma AABB, uma de suas primeiras providências era associar-se ao Clube. Não que isso fosse obrigatório, mas era natural. A AABB era uma espécie de extensão, tanto da casa, quanto do próprio Banco. Lá, tudo era discutido e resolvido. Era onde os "chefes" podiam ser "trolados" sem que houvesse punições. Nos jogos de futebol (salão, sete e campo), os Chefes, mais velhos e mais "pesadões" geralmente jogavam na defesa, e os menores e funcionários mais jovens e mais "rápidos", jogavam no ataque. Não era raro um jovem atacante dar um drible desconcertante em um "chefe" e nada acontecer, em termos de punição aos "abusados". Éramos felizes e não sabíamos.

    Que bom saber que foi neste contexto que Marta pode demonstrar seu talento, vencendo resistências e recebendo apoio. Como a dela, provavelmente existam outras histórias de talentos revelados em nossas AABB's. Que suas histórias venham ao nosso conhecimento, para nos encherem de orgulho, assim como a de Marta!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Xará, as AABBs são parte de nós. Espaço de congraçamento e de exercício de cidadania.

      Excluir
  14. A crônica me foi repassada por HAYTON ROCHA, de quem tenho a honra de ser amigo e leitor assíduo, - ele também em consagrado cronista - além de forte admirador, tão belas e marcantes são suas crônicas.
    Então não tive dúvida, ceetamente se trataria de um texto brilhante, como realmente constatei.
    Também singular a história, tocante e marcante, afinal conta um episôdio da maior importância pra o esporte brasileiro.
    Finalmente, tentando evitar a prolixidade - se é que ainda não a cometi -, resta-me parabenizar o cronista e a AABB de Santana do Ipanema(AL), pela marcante e inesquecível participação na história que elevou mundialmente o futebol brasileiro.

    Sou CARLOS VOLNEY, aposentado do BB, baiano e morador de SALVADOR-BAHIA.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Carlos, obrigado! Assim como você, sou leitor assíduo do grande cronista Hayton. Valeu!

      Excluir
    2. Salve a Bahia de São Salvador!!!

      Excluir

Postar um comentário