Prédio do Banco do Brasil à esquerda, 1966. Foto: Capiá |
Naqueles anos, o quadro funcional da agência bancária interiorana tinha quase 40 pessoas, incluindo menores aprendizes, vigilância e pessoal da limpeza. Organograma impensável nos dias de hoje. O vai e vem de funcionários era intenso em todos os pavimentos, incluindo subsolo, primeiro andar e mezanino anexo à CREAI-Carteira de Crédito Agrícola e Industrial. O banco estava liberando recursos para quase dois mil agricultores da região, produtores de feijão, milho e algodão em sua grande maioria.
Após a grande seca de 1970, o clima e a produção agrícola se estabilizou, elevando Santana do Ipanema ao posto de segundo maior produtor de feijão do Nordeste, ficando atrás de Irecê, Bahia.
O destaque impulsionou o Rotary a criar e organizar a Festa Nacional do Feijão com o intuito de angariar recursos para a construção da Escola Rotary, que ainda permanece em atividade. A festa alcançou várias edições e foi encerrada porque cresceu demais e a entidade não pode mais dar conta. Um dos eventos teve a cobertura da revista nacional “O Cruzeiro”, nº 45, de 15.11.1972, cuja reportagem teve a assinatura do jornalista alagoano Tobias Granja(1945-1982) que, por coincidência, foi funcionário do Banco do Brasil.
A mobilização diária para dar conta do serviço e atender tanta gente era bem articulada. Os contratos pré-impressos reproduzidos no mimeógrafo a óleo já estavam disponíveis para agilizar a demanda. Os documentos de crédito eram complementados um a um com máquina datilográfica para inclusão dos dados pessoais dos mutuários, imóveis, áreas de plantio, garantias e valores.
Posteriormente os mimeógrafos foram substituídos por fotocopiadoras. Os ventiladores barulhentos sopravam o vento quente sem cessar e não raro, provocava a ira dos sertanejos espalhando os papéis das mesas de trabalho. O ar refrigerado ainda era um sonho distante. O mormaço já prenunciava a mudança da estação e as águas de março anunciavam o fim do verão.
Naqueles anos era comum no meio bancário sujeitar os novatos aos trotes. Não faltavam opções no repertório. Alguns faziam juramentos à CIC (Codificação de Instruções Circulares) que equivale aos manuais de serviço. Tinha até colega apelidado de Carlos CIC por ser leitor contumaz das instruções. Até no banheiro, diziam. Outros, ao assinarem documentos de posse, assinavam folha ofício em branco que eram convertidas em autorizações de compra na lanchonete de seu João Salgado, a mais tradicional e mais chique da cidade. Foi o meu caso. Eu ainda era um menor aprendiz e, por isso mesmo, o batismo foi mais brando.
Calculadora mecânica de manivela. Foto Redes Sociais |
Teve uma situação em que um colega foi obrigado a peregrinar entre os diversos setores levando uma calculadora mecânica de manivela para conserto que foi dito pra ele que era uma “máquina de calcular diferenças”. Em cada local que chegava era uma gozação. A turma não aliviava não!
Pensadas pelos veteranos, “as pegadinhas” evoluíram e algumas vezes ultrapassaram o limite de bom senso embora sobrasse criatividade. Visavam e conseguiam a descontração e o maior entrosamento, funcional e individual, entre os antigos e os recém-contratados. Nesse episódio, um veterano criou um nome fictício de agricultor cuja pronúncia produzia cacofonia, que é um vício de linguagem que ocorre quando a junção de duas ou mais palavras próximas gera um som desagradável, ambíguo ou engraçado.
Naqueles dias os ruralistas se aglomeravam no hall de atendimento da Creai, no primeiro andar, aguardando ansiosamente que seus nomes fossem chamados para recebimento da papelada de liberação da grana. Lembrando que naquela época cada caixa tinha a sua própria fila. A fila única somente foi implementada anos mais tarde.
Em meio ao vuco-vuco, um funcionário recém-empossado se juntou ao mutirão e foi posto à prova dos noves fora, prestando atendimento aos clientes ansiosos pela convocação.
De repente, o bravo estreante recebeu um documento contábil de caixa - a famosa partida 03/14 no jargão bancário - em nome de agricultor que deveria ser chamado em público e identificado. Apto, receberia a documentação e iria se dirigir ao caixa-executivo para receber a primeira parcela do financiamento, cujo nome assim constava da papelada: Jacinto Madeira Aquino Rego. O servidor, feliz da vida, com a maior boa vontade e disposição, iniciou a convocação em voz alta no balcão:
Atenção pessoal: Jacinto Madeira Aquino Rego. Repetia, repetia e ninguém se apresentava.
Nesse ínterim, as pessoas se olhavam com o semblante de espanto, estranhando aquele nome, mas ninguém ousava dizer nada! Era pessoa desconhecida e o nome falado soava de forma distorcida num misto de palavras de baixo calão impronunciáveis, que representavam declaradamente um atentado ao pudor e escancarado assédio homofóbico velado.
E os colegas riam e diziam: chame mais alto, ele está aí! É assim mesmo, ele chega já!
No início, o bancário não percebeu a ambiguidade. Desconfiou do burburinho e dos risos irônicos entre os colegas do setor que se voltavam contra ele, fazendo-o desconfiar de que estava sendo alvo de uma grande chacota. Depois, caiu em si, reconhecendo de vez o vexame. Envergonhado, retirou-se do atendimento enquanto se recuperava da situação extravagante da qual tinha sido submetido. Por fim, a turma se desculpou e esclareceu, com bom humor, que ele tinha passado com êxito pelo batismo bancário. A história rendeu boas risadas por muito tempo.
Ainda bem que ao longo dos anos todos os rituais dúbios foram abolidos e substituídos por efetivas boas-vindas, argumentação, conscientização e convencimento da celebração do ingresso com respeito à liberdade de escolha. Afinal, os tempos são outros!
Os primeiros computadores de mesa e impressoras matriciais foram instalados no sertão alagoano no final da década de 1980, processamento off-line, com os dados gravados em disquetes que eram transmitidos, via modem, no final do dia para o CESEC-Centro de Processamento de Serviços e Comunicações do Banco do Brasil, instalados nas capitais e grandes cidades.
Novembro, 2024.
Bons tempos do BB. Boas lembranças
ResponderExcluirInesquecíveis!!!!
Excluir😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂
ResponderExcluir😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂
ResponderExcluirBom dia Xará!
ResponderExcluirBoas lembranças...Bons tempos...Éramos felizes e não tínhamos noção do tanto...
Em Palmeira dos Índios, ano 1988, teve colega que peregrinou, de Banco em Banco da cidade, procurando a máquina de procurar diferença...
Eu, pessoalmente, e mais uma meia dúzia de colegas, fizemos a assinatura do BIP (Boletim Interno Pessoal), cuja circulação era gratuita, mas na verdade eram "Cheques Avulsos", com a finalidade de pagarmos a festa de posse...Mas foi bom...kkkk
Poucos escaparam das pegadinhas.
ExcluirBelo resgate histórico, com o adorno de uma passagem hilariante. Ainda bem que tem pessoas como você, João, que não deixam essas pérolas se perderam na bruma do tempo.
ResponderExcluirValeu Hayton!
ExcluirBom recordar desse tempo em que fomos partícipes, regado a uma boa dose de graça. Fez-me relembrar que na minha primeira agência o nome escolhido para ser gritado por um colega era "Jacomino Pires". Mas esse de Santana foi muito mais criativo e hilário.
ResponderExcluirEita povo criativo!!!
ExcluirMuito bem, Xará!! Recordar esses fatos faz parte da memória afetiva do ambiente de trabalho..
ResponderExcluirValeu Xará, grato !!!
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