Pequena Suíte Alagoana, música e poesia de uma saga sertaneja

 






Na semana passada recebi um presente do amigo jornalista e sociólogo Fernando Valões. Ele, sabedor da minha paixão pelas coisas de Santana e de Alagoas, enviou-me um vídeo do Youtube de uma canção que até então eu desconhecia: Pequena Suíte Alagoana, de autoria de Robson Amaral e Marcos Costa. A peça, lindíssima, versa sobre a saga de um sertanejo que deixa sua terra em busca de melhores condições de vida na cidade grande, citando Santana do Ipanema, dentre outros lugares.

Eu já tinha algum conhecimento do trabalho do Marcos na poesia e na música, mas desconhecia essa composição. Inclusive, o Marcos é irmão de Marcondes Costa, autor da famosa canção “Acordo às Quatro” que também cita Santana em seus versos. Busquei informações prévias com o professor Edson Bezerra, profundo conhecedor das coisas alagoanas, que me orientou a contatar o próprio autor. E assim foi. Eis o resumo: Marcos de Farias Costa nasceu em Maceió, Alagoas, no dia 21.09.1952. Formado em Psicologia, nunca exerceu a carreira. Preferiu optar pela poesia e música. Fez cursos extracurriculares de tradução e língua alemã. Compositor bissexto, com prêmios e reconhecimentos.

Marcos Costa
De uma família de oito irmãos, três dos quais já falecidos. Seus pais eram primos entre si. Segundo o Marcos, sua mãe cantarolava baixinho, mas era muito desentoada. Seu pai gostava de cantar. Admirador de Carlos Galhardo, Emilinha Borba e Dick Farney. Onde nasceu, na antiga Rua do Hospital, atual Rua Barão de Maceió, centro da capital, fervilhavam músicas e canções. Foi influenciado por irmãos que gostavam de cantar, sobretudo o mais velho, José Haroldo da Costa, que tocava cavaquinho, violão e o realejo (gaita).

Em frente à sua casa, morava o Coronel Grozela, diretor artístico da Rádio Difusora de Alagoas, que diariamente punha na vitrola discos de vinil de Francisco Alves e Orlando Silva, com volume extravagante. Um vizinho, Oscar Medeiros, montou uma emissora de rádio em sua casa, a PRK-30, favorecido pelo vasto acervo de discos de vinil que possuía e incrementou o ambiente com programa de calouros que incluía dança.

Morando nas proximidades, era audível a música executada no Teatro Deodoro, bem como os sons produzidos pelos vizinhos pianistas, como Dona Selma Medeiros e do Francisco Pugliesi, tocando a canção “Branca”, de autoria de Zequinha de Abreu(1880-1935). Mas sofreu influência maior, e por toda vida, de seu irmão Marcondes Costa, compositor, que circulava com Luiz Wanderley, Roberto Becker, Zailton, Brandão, Juvenal Lopes, Tânio Barreto, Guido Uchôa e outros nomes. Assim, começou compondo, participando de Festivais Universitários, na época do regime militar.

Participou de festivais de música nos anos 1980 e outros que se seguiram. Tem 5 cedês gravados, gosta de compor choro, samba, xote e tango. Tem parceria com inúmeros compositores. Escreveu uma biografia sobre Juvenal Lopes e muitos artigos na imprensa local, tratando de música popular brasileira. Costuma dizer que a vida segue e ele segue com ela, sem saber o que verá adiante, mas sempre preparado para o que vier.

Obra poética: O amador de sonhos (1982), Ócios do ofício (1984), A quadratura do círculo (1991), A comédia de Eros (1997) e Doce Estilo Novo (2000).

Consegui o contato do poeta e deixei uma mensagem via WhatsApp, indagando sobre o processo criativo da música que foi prontamente respondida:

Olha, eu fiz essa música, “Pequena Suíte Alagoana”, há alguns anos. O autor da melodia foi um querido amigo que faleceu de Covid em 2021. Era o Robson Amorim Amaral(1948-2021), a família dele era daqui, mas ele nasceu em Recife, morou 45 anos em São Paulo. Tinha uma loja de discos, além de bom violonista solista. Ele me deu a melodia que eu achei belíssima. A música me lembrava Heitor Villa-Lobos(1887-1959). Harmonia complexa e profunda. Não era uma música fácil, embora inspiradora e ricamente melódica. Ele me deu confiança, com medo, pois dizia que não queria qualquer letra na sua melodia. A minha identificação foi instantânea e rapidamente foram chegando as primeiras células verbais: Eu vim pra Maceió… O resto eu fui trabalhar. Nessa época, eu estava lendo um livro do Ledo Ivo sobre Alagoas, um livro interessante que aborda Alagoas de todos os aspectos e me inspirou: tirei algumas coisas. Continuei lendo e fazendo outras coisas que foram se incorporando a minha experiência musical. Como retrata o sertão, o nome da cidade “Santana do Ipanema” se encaixou poeticamente, sem falar da simpatia que eu tenho pela terra também. E isso deve ser levado em consideração. Então a letra foi saindo, foi brotando, até ficar pronta. (Marcos Costa, 2024)


Segundo Geraldo de Majella, Robson mesmo com a influência musical na família, o verdadeiro interesse pelo violão surgiu por meio dos festivais de músicas da TV Record e da TV Tupi nos anos de 1960, período de efervescência da música popular brasileira. Foram aproximadamente 130 composições musicais, compostas desde o tempo em que trabalhou na loja de discos em São Paulo, onde começou a compor e encontrou o seu primeiro parceiro, o músico Paulo Viana. A maioria das composições com letras foi feita com Paulo Viana. A outra parte são músicas instrumentais. Até o ano de 2010 foram gravadas 10 composições deste tipo.

Robson A Amaral(1948-2021)
Robson Amorim teve como influência musical o músico Baden Powell (1937-2000), definido como seu “mestre auditivo”. Enquanto viveu ouvia, incansavelmente, as composições de Baden. Seja dia ou seja noite, na varanda ou no quarto, com ou sem o acompanhamento do inseparável violão.

Radicou-se em Maceió em 2004, onde encontrou um ambiente musical ricamente favorável, bem como a receptividade dos músicos e compositores locais. 

Integrado à vida cultural, reaproximou-se do choro, gênero musical pelo qual, desde muito jovem, nutriu grande paixão. Durante os últimos seis anos (2004-2010), produziu como nunca havia feito e com vários e diversificados parceiros, como os irmãos Marcos e Marcondes de Farias Costa, Stanley Carvalho, Ubirajara Almeida, Ricardo Cabús e Gustavo Gomes.

A maturidade musical e o crescimento da produção musical o fizeram apresentar seu trabalho em festivais e mostras, tanto em Alagoas como fora do Estado. Participou, em 2006, com a música autoral “Marisol”, da 3ª edição do Palco Aberto, projeto da Secretaria de Estado da Cultura (Secult).

Outro evento em que também conseguiu classificar músicas autorais foi na Mostra do SESC, nos anos de 2006, 2007 e 2008. Em 2006, a música classificada foi “Pequena Suíte Alagoana”, composta com Marcos de Farias Costa e interpretada pelo cantor alagoano César Rodrigues*, com participação de Robson Amorim no violão, Ricardo Lopes na guitarra, Van Silva no baixo, Herbeth Vieira na bateria, Luizito no pandeiro, Ronalso na percussão e Uruba na flauta. Faleceu em 2021 de complicacões decorrentes da Covid.


*César Rodrigues em 1981 foi o vencedor do III Festival de Música Universitária com o épico “Canto do Chão” de autoria de Edson Bezerra, César Rodrigues e Francisco Elpídio, organizado pelo DCE/UFAL.

Pequena Suíte Alagoana Clique para ouvir
 (Robson Amorim Amaral/Marcos de Farias Costa)

Intérprete: César Rodrigues

Eu vim pra Maceió, da seca eu fugi
Trabalho de sol a sol, esmola nunca pedi
Meu pai foi peão de engenho, minha mãe nunca estudou
De pobre família eu venho, e o que tenho é o que eu sou

Travei muitas lutas nesta vida,
Viajei na garupa da ilusão
E foi tão triste a despedida
Deixei meu mundo lá no sertão

Eu só penso em vir e em voltar
Sou vaqueiro, sei aboiar
Canto aboio, não esquento lugar
Não tenho medo, rezo a São Pedro
Acordo cedo pra sonhar

Ganho aqui, perco acolá
Boiadeiro, sei vaquejar
Vim do sertão, presto atenção
Sou sanfoneiro, sei trabalhar

Nunca matei, nem roubei
Sou um rei, sei governar
O coração de uma mulher
Se ela quiser amar

Santana do Ipanema, Batalha e Traipu
Minha terra tem Palmeira dos Índios de sangue azul
Sou dono das Lagoas Manguaba e Mundaú
E do Rio São Francisco que corre de Norte a Sul

Andei muitas milhas, meu irmão
Cruzei tantas trilhas no Sertão
Faço bonito, não perco um grito
Tanjo a boiada no meu chão

Vou buscar meu pai, minha mãe
Que se assanhe meu coração
Quero ter minha casinha, minha Soninha
Minha família, se Deus quiser, meu chão

Sertanejo de Riachão
Domo o gado sem esporão
Sou sanfoneiro, toco baião
Meu padroeiro é Lampião

Sei pegar touro com as mãos
E pagar promessa minha
Não tenho linha de capitão
Sou brasileiro de coração




Setembro, 2024




Referências:

Depoimento de Marcos de Farias Costa, através de Whatsapp, em 14.09.2024;
Site Antônio Miranda/ http://www.antoniomiranda.com.br/sobreoautor/sobre_autor_index.html acesso em 14.09.2024;
Site Divulgando Compositores Alagoanos/ https://composal.zebrandao.com/ acesso em 14.09.2024

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