Visual do topo da serra. Foto Osvaldo Amorim |
A serra da Camonga é um dos lugares mais incríveis de Santana do Ipanema. Do alto do monte se tem um cartão-postal deslumbrante da cidade adornada por colinas, açude do bode, leito seco do rio Ipanema se despedindo, estradas e caminhos, além do horizonte aberto de beleza estonteante.
Seu nome, provavelmente de origem indígena, até hoje não se sabe o que realmente significa. Localizado a cerca de 2 km da sede, o monte tem um dorso comprido com destaque centralizado de uma cabeça rochosa que tem seu olhar voltado à cidade se debruçando à margem da estrada vicinal em direção ao povoado São Félix. O afloramento rochoso que veio das profundezas da terra levantou-se abruptamente deixando para trás um pedaço de si, formando um imenso rochedo vertical que faz medo olhar de cima pra baixo. Quando aprecio de longe vejo nitidamente ser a coroa de uma joia preciosa de estimação.
Meu primeiro encontro com o imponente serrote foi há muito tempo. Como a infância é um terreno que pisamos a vida inteira, é para lá que vamos buscar as primeiras impressões nos anos 1970.
Quando a vida era mais doce e os domingos uma festa, recordo-me juntando-me aos amigos filhos do saudoso casal Breno e Celina: Marquinhos(in memoriam), Marise, Ana e outros meninos, partindo a pé para um dia de lazer no sítio Gravatá a uns 3 km da nossa rua. No caminho, a passagem pelo sopé da montanha era obrigatória. E foi assim que a misteriosa face rochosa me prendeu até os dias de hoje. Outras excursões foram feitas exclusivamente para explorar o monte sempre acompanhado por amigos.
Foto: acervo do autor
Com cerca de 520 metros de altitude (medição por GPS), a montanha tem subida gradativa até chegar à cabeça rochosa com perigoso precipício de 30 metros de altura, onde se tem um cruzeiro e uma capela. Dizem que a cruz primitiva foi fincada entre as rochas para homenagear um vaqueiro que caiu no abismo enquanto procurava uma rês desgarrada.
No caminho da subida, inúmeras árvores da caatinga foram preservadas, formando uma densa mata sombreada em terreno pedregoso em aclive, fazendo com que as árvores crescessem mais do que o normal numa disputa acirrada pela luz solar.
Essa anomalia fez com que fosse identificado o maior mandacaru do estado com 16 metros (medido por drone com registro fotográfico) e que se transformou na grande atração no passeio guiado da trilha da serra. Infelizmente, o mandacaru não se sustentou no raso e irregular solo pedregoso, vergou sob o próprio peso e tombou em 2022.
Foi nesse ambiente que o santanense apaixonado por aventuras Ederlan Santos - leia-se Freed Adventure - acreditou no potencial da região e criou empresa voltada ao turismo rural e de aventuras. Segundo seu depoimento, no início as andanças pelos arredores se iniciaram como hobby, juntamente com outros amantes da natureza. Lá pelo ano 2000, foi convidado para guiar os estudantes do curso de Economia da Ufal-Universidade Federal de Alagoas, pólo local, na pesquisa de campo buscando identificar as potencialidades econômicas para implementar o turismo rural. Não parou mais, diversificou e profissionalizou as atividades.
Desde 2019 o município faz parte no novo mapa do turismo de Alagoas e foi escolhido como sede da governança da caatinga, validado pelo Ministério do Turismo e reconhecido pelo governo do Estado. Desde então já são visíveis os avanços do turismo na cidade e região. Estão disponíveis diversas atividades de ecoturismo com trilhas pela caatinga, esportes radicais e muita história visto que pelo lugar passou o grupo de cangaceiros liderados por Lampião.
O acidente geográfico vem ganhando notoriedade também pela pesquisa científica. Foi lançado em abril deste ano o projeto de pesquisa e educação ambiental “Desbravando a Camonga”, desenvolvido pelos pesquisadores em biodiversidade e interações da caatinga, com apoio da Prefeitura Municipal e da Uneal-Universidade Estadual de Alagoas.
O projeto tem por objetivo contribuir para o conhecimento da biodiversidade existente na serra para as práticas de educação e conservação ambiental da caatinga. Professores e alunos da universidade, liderados pela coordenadora Profª Me. Camila Chagas farão uma imersão no serrote para analisar a biodiversidade existente e contribuir com a educação dos santanenses. Do trabalho serão produzidos artigos científicos, palestras, cursos, feiras, livros, cartilhas e outras ações de educação ambiental.
Enche-nos de orgulho os incontestáveis avanços, mas não podemos prescindir da defesa da perpetuação do misticismo ancestral da história do lugar vivenciados pelos antepassados e registrado pelo escritor santanense Raul Pereira Monteiro(1919-2007) na poesia “O Sino da Camonga”, constante do livro “Mosaico Poético”, em 1992.
O Sino da Camonga
(A minha tia Maria das Dores)
No meu tempo de menino
O Natal, em minha terra,
Vinha pela voz dum sino
De uma igrejinha da serra.
(Como na fase atual,
Essa igreja era ilusão
Do formato natural
Da serra no seu frontão)
Camonga! Guardo esse nome
Do monte que tem o templo,
Cujo bronze, lá se some,
Apontando algum exemplo…
No natal, à meia-noite,
Ano a ano, lá se ouvia,
Do invisível sino o açoite,
Saudando o Rei que nascia....
Nem todo mundo escutava
O bronze da solidão,
Tal como me assegurava
Um crente de vocação.
Esse mistério profundo
Aumentava a devoção
No seio de todo mundo
Daquele lado cristão.
"Ouço o sino da Camonga!"
Alguém de o ouvir se gabava.
- Pode ser uma araponga!
Outro depressa aventava.
Numa ou noutra ocasião,
No caso crente e descrente,
Emitiam opinião.
Mas em tom muito prudente.
Quanto a mim, tinha esperança,
Naquele meu cafundó,
De recolher a fiança
Da zeladora "Loló".
"Loló" a Matriz zelava
Na cidade de Santana,
E o povo lá venerava
A sua alma franciscana…
Fui a "Loló" finalmente;
Ela me deu atenção,
Depois falou seriamente
Ferindo, assim, a questão:
"Se a Camonga tem um sino,
Tem capela ou uma cruz,
Isso é obra do Divino,
Santa homenagem a Jesus.
Falar negando ou a favor,
- Não se meta nisso agora!
Antes vá tecer louvor
À virgem Nossa Senhora".
Sai lá da horta - uma área -
Em que estava a velha boa,
que morreu já centenária,
Onde o sino inda ressoa…
Poema extraído do livro de poesias “Mosaico Poético”, de Raul Pereira Monteiro. clique para conhecer o autor
Junho, 2024
Sensacional, João Neto. Muito bom
ResponderExcluirMuito bom Xará! Parabéns por mais um belo registro.
ResponderExcluirBelo registro histórico e convidativo para estimular aos que não conhecem irem contemplar a beleza narrada. Que pena que eu tenha morado 5 anos em Santana e não visto esse encanto da natureza. Quem sabe em visita à região algum dia, possa conhecer.
ResponderExcluirPARABÉNS escritor e confrade João Neto Felix. Este seu estudo sobre a serra da camonga, sem sombra de dúvidas enriquece nossa história, eleva nossa cultura e turismo. É um achado pra os professores de geografia, história, empreendedorismo e demais áreas do conhecimento. A uns onze atrás fiz um conto cujo cenário é essa imponente elevação rochosa. Acredito que seja essa serra que vemos ao trafegar pela AL que liga Batalha a Jacaré dos Homens
ResponderExcluirSucesso caro confrade.
Belo registro. Parabéns, confrade!
ResponderExcluirParabéns, João de Liô!
ResponderExcluirPor mais essa narrativa.A Serra da Comonga encanta que a visita..
Valeu, Xará!!