A música sempre esteve fortemente presente na família, principalmente pelo trabalho de Leuzinger da Rocha Mendes, Liô (1918-1985). Com o tio Antônio Mendes do Nascimento(1920-2001), habilidoso violonista, formaram grupo de seresteiros no distrito de Sertãozinho, na década de 1950, que mais tarde viria a ser a cidade de Major Izidoro. No grupo, ele tocava cavaquinho e na igreja, harmônio que é um pequeno órgão.
Liô era ouvinte assíduo das emissoras de rádio de seu tempo. Era hobby e necessidade de atualização por conta do seu ofício de locador de grupo gerador de energia a diesel que incluia serviço de alto-falante destinado aos distritos rurais nas festas religiosas. Como músico, tinha as suas limitações técnicas, mas tocava vários instrumentos e embora tivesse os seus artistas prediletos, mantinha-se informado do panorama musical.
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Capa do long-play |
Na primeira viagem de férias ao Rio de Janeiro do casal Maria Leônia e Zé Neto(1943-2015), para visitar parentes do esposo na década de 1970, Liô fez uma encomenda especial a filha: comprar um elepê do cantor Carlos Galhardo (1913-1985) que contivesse a canção “Mãezinha Querida” (Clique para ouvir) (Getúlio Macedo/Lourival Faissal). Galhardo foi o primeiro artista a cantar a canção na Rádio Nacional em 1952. Foi um estrondoso sucesso. A música, contando tudo, o elepê de 78 rotações, em 50 anos já vendeu cerca de 10 milhões de discos. Só a última gravação, com Agnaldo Timóteo e Ângela Maria, vendeu dois milhões e seiscentos mil cedês, segundo seu autor Getúlio Macedo(1928-2011) em entrevista de 2005.
Carlos Galhardo, nascido Catello Carlos Guagliardi, filho de pais italianos que nasceu em Buenos Aires, Argentina. Depois a família mudou-se para o Rio de Janeiro. foi um dos principais cantores da Era do Rádio. No total, Carlos gravou 303 discos de 78 rpm entre 1933 e 1963, totalizando 606 músicas. É, portanto, o segundo cantor mais gravado do Brasil, atrás apenas de Francisco Alves(1898-1952) segundo a Wikipédia.
Liô, que era deficiente visual, perdeu sua mãe ainda muito jovem, obrigando-o a viver muito tempo com uma tia. Embora ele não falasse no assunto, a convivência não foi boa, deixando-lhe lembranças amargas e uma saudade infinita de sua mãe. Tinha verdadeira devoção por essa canção.
Quando o casal retornou da viagem trazendo a encomenda que virou presente, por um bom tempo não se ouviu outra coisa lá em casa. Era inevitável que eu aprendesse a gostar do artista também. Nunca mais esqueci.
Certo dia, nas minhas andanças habituais na loja “Cardoso Discos” encontrei um long-play de Carlos Galhardo, Fascinação (1976) com um repertório maravilhoso.(Clique para ouvir)De cara, comprei-o para dar de presente ao meu pai. Ele adorou e eu muito mais. Ainda o tenho comigo. Destaque para a canção “Fascinação”. Em 1943, Armando Louzada traduziu a canção para o português, sendo interpretada por Carlos Galhardo, em gravação feita no mesmo ano.
Escrita em 1905 foi traduzida para a língua inglesa por Dick Manning em 1932. É uma valsa composta pelo francês Dante Pilade "Fermo" Marchetti (1876-1940) e a letra original por Maurice de Féraudy (1859-1932).
Em 1976, no aclamado álbum "Falso Brilhante", Elis Regina fez o seu registro da canção. "Fascinação" tornou-se, desde então, uma das suas interpretações mais conhecidas.
Através da simbologia do simples ato de presentear alguém especial eu aprendi muito mais sobre músicas, pessoas e saudades, guardadas numa ternura antiga que repousa na magia do encantamento. Ciclos se encerram e outros recomeçam. Vida que segue.
Março, 2024
Que bela história!E que memorial marcante acompanhamento surreal.
ResponderExcluirA música é a criação mais sublime e enigmática do ser humano. Como com apenas uma quantidade limitada de notas se produzem pérolas que encantam tantos, atravessando gerações, enquanto outras feitas das mesmas notas doem nossos ouvidos?
ResponderExcluirA crônica muito bem registrada é um exemplo concreto da primeira situação. O mundo sem música seria tragicamente pobre. Tal qual falou Ferreira Gullar, "A arte existe porque a vida não basta" e a música é uma dessas artes por excelência.
Bravo, João, pela socialização desses momentos pessoais significativos.
João de Liô, você é um arquivo vivo das memórias de Seu Liô. Um homem admirável! Exemplo de superação e todos sentidos..
ResponderExcluirParabéns!!
Que artigo massa João. Sr.liô sr. era fã do Galhardo.
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