O carnaval do dilúvio por Washington V. Alves (Dotinha)

 




Os melhores carnavais de Alagoas aconteciam em Santana do Ipanema, sob a “batuta” de Papafigo que tomava a frente e falava com prefeito, vereador e até deputado, com o intuito de algum fundo carnavalesco. Durante o reinado de Momo, a organização papafiguense diversificava os temas e fantasias nas prévias carnavalescas, as conhecidas; maratonas. Iniciava-se todos os dias a partir das 19 horas e se encerrava depois da meia-noite.

Os blocos desfilavam por toda cidade. Os memoráveis carnavais deixaram saudades! A riqueza cultural resplandecia na festa mundana, misturando blocos das diversas classes sociais, aumentando a alegria, e a festa só acabava na quarta-feira de cinzas.

Formamos um bloco só de casais, eu e Carmem, Papa Figo e esposa, Toinho Barbeiro e esposa, Wanger e namorada e mais pessoas, dentre elas, Nadinho do Banco do Brasil. E saímos pelas ruas a pé, alguns batendo tambor e eu batendo nas cordas do violão.

Na minha opinião, os melhores carnavais aconteceram na década de 1970. Era grande a riqueza cultural dessa arte que, nas avenidas desfilando em carros alegóricos, contagiava a todos. Dezenas e dezenas de blocos se diversificavam em temas e alegorias, além das famosas escolas de samba, Unidos do Monumento e Juventude no Ritmo, haviam mais duas, cujos nomes não lembro! Uma ensaiava no beco da CEIA e alguns integrantes se destacavam, como Cuíca, Neném de Abdon, Zé Mariá, Gringo, Pangaré e os irmãos, Tinha, Du e Tór.

No nosso bloco, em função do calor abrasador, ironicamente escolhemos como hino a música Tomara que Chova (Romeu Gentio/Paquito). Provocando a natureza, saímos pelas ruas a cantar:

"Tomara que chova,

Um dia sem para

A minha grande mágoa

É que lá em casa não tem água

E eu preciso me lavar..." e reiniciávamos numa crescente,

"Tomara que chova

Dois dias sem parar..."

(Grande sucesso com a cantora Emilinha Borba(1923-2005) em 1951. (Clique para assistir)

Fizemos um trocadilho na letra e a cada cantata mais um dia era acrescentado. Lá pelas 16 horas, o grupo passando pelo beco da CEIA (Companhia Exportadora e Importadora de Alimentos) - espécie de atacarejo da época - já estava cantando repetidamente o número próximo de mil. Inusitadamente o tempo mudou, começou a relampejar, acompanhados de trovões medonhos. Em seguida, desferiu-se sobre a cidade uma chuvarada, como uma queda d’água. O turbilhão não parava; uma hora de chuva, duas horas, três horas, seis horas de trovoadas ininterruptas. Começamos a nos preocupar, pois no Panema a água já lavava a ponte do padre e nada de parar de chover.

Inesperadamente, alguém amedrontado e feliz adiantou-se na frente do bloco e esbravejou um sorriso zombeteiro, como se tivesse descoberto a problema, gritando com a força dos pulmões:

– Isso é feitiço brabo, é coisa do Maligno!

E apresentou a contra-mandinga:

– A única solução é descantar tudo o que cantamos!




Fevereiro, 2024




Washington Viana Alves (Dotinha) é santanense, professor emérito da UNEAL, escritor, violonista, cantor e compositor. Crônica faz parte do seu livro de estreia “Santana em chiste” que se encontra no prelo.

Comentários

  1. Muito legal a crônica do nosso amigo Dotinha. Professor Washington (UNEAL). Torcemos que seja um grande sucesso seu primeiro livro "Santana em Chistes"

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  2. Grande Dotinha ( pra os amigos ) poeta santanense que tem o meu respeito , companheiro bom de farra e carnavalesco, estou orgulhoso põe você. Meu abraço.

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