Caiçara e o Padre José Bulhões

 

Foto: Willy Blog, Redes Sociais



Havia em minha terra natal um sacristão muito conceituado, embora inveterado jogador do "bicho".

Não sei, ao certo, o seu verdadeiro nome. Era casado e pai de filhos. Dois deles foram meus alunos, na época em que dirigia o famoso Colégio Santanense, lá pelos idos de 1939.

O povo da cidade sempre era católico e depositava suas esmolas nas caixas espalhadas pela Igreja que tinha o nome da cidade.

O nosso sacristão toda semana fazia sua "fezinha" no jogo do bicho. Certa feita, vendo-se sem dinheiro, e não contando com ninguém para seu vício incorrigível, apelou para as almas.

Então lançou mão dos trocados depositados numa das referidas caixas das almas. O reverendo padre, todo sábado, em companhia do sacristão, fazia a contagem do apurado e o recolhia.

Era hábito de nossa gente mandar rezar missas por alma de seus parentes e amigos. Dessa forma, o seu vigário tinha uma base do "quantum" existia na caixa.

Justamente nessa caixa, o sacristão pediu emprestado às almas - segundo ele dizia - e, quando o padre foi fazer a contagem do numerário, notou que o sacristão tremia muito, mas nunca havia pensado que o seu auxiliar de confiança procedesse daquela forma.

Aberta a caixa em apreço, eis o espanto do padre ao verificar que ela estava vazia... O sacristão deu para tremer e, interrogado pelo reverendo, disse: "Eu precisei de dinheiro e fiz um acordo com as almas de repor a quantia tirada. Prometo, piamente, que farei..." O reverendo, indignado, chamou-o de nomes feios e autorizou que rezasse Padres-Nossos, Ave-marias e Credos dez vezes cada um e que, dentro da semana seguinte, colocasse na caixa a quantia que o sacristão havia tomado por empréstimo.

Floro de Araújo Melo, Antologia, 1990.




Neto do educador Professor Enéas Araújo, de saudosa memória, pioneiro da educação em Santana do Ipanema, ao lado de sua esposa Maria Joaquina Araújo. Floro também dedicou-se ao magistério quando dirigia o tradicional Colégio Santanense, nos idos de 1937/1940 e de 1952 a 1973, no Rio de Janeiro. Ao mudar-se para o Rio de Janeiro, dedicou-se inicialmente aos estudos contábeis, enveredando pela advocacia. Diplomado em Direito pela antiga Universidade do Brasil, atuou nos Ministérios da Justiça e do Trabalho, até fixar-se em São Paulo, onde foi Procurador Federal da Justiça do Trabalho. ( José Marques Melo)


Também exerceu o jornalismo, como repórter da Gazeta de Notícias, em 1952. Sua atividade de escritor foi cultivada a partir dos anos 1970, certamente otimizando o tempo disponível com a aposentadoria no serviço público federal. Publicou uma dezena de monografias históricas. Algumas foram dedicadas especialmente a Santana do Ipanema, marcando seu retorno à terra natal, depois de muitos anos de ausência, como bem registrou na "Oração do Exílio" ( Araújo Melo), 1976, p. 13). Compõe a trilogia santanense: Santana do Ipanema em prosa e verso (1989), Senador Enéas Augusto Rodrigues de Araújo, meu avô (1984) e Santana do Ipanema conta a sua História (1976), esta última escrita em parceria com o irmão Darci de Araújo Melo. (José Marques Melo)

A metodologia que adota nessas obras é principalmente a história oral, recorrendo a anciãos considerados legatários da memória coletiva para suprir as lacunas da historiografia oficial, ancorada em documentos nem sempre confiáveis. O valor intrínseco da obra escrita pelos dois irmãos Melo fica evidenciado no prefácio de Evaristo de Moraes Filho. " Com este ensaio dá-se a Santana do Ipanema o seu verdadeiro lugar na formação e no desenvolvimento do povo alagoano, sofrido, heroico, sempre às voltas com as maiores dificuldades econômicas, mas sempre as superando (...) ".

Pelo conjunto do seu trabalho Floro de Araújo Melo foi agraciado com a cadeira de Patrono nº 12 da Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes, ocupada pela acadêmica Lícia Cibelle Maciel Carvalho.


Comentários

  1. O Pe Bulhões e seu fiel escudeiro Caiçara..Tem muitas histórias ainda para ser contadas.
    Caiçara , pelo que sei, era pai de Dona Adelina, casada com Tibúrcio Soares , e de Zequinha Caiçara ..
    Parabéns, João de Liô!

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