Cotidiano

 



A estrada tudo faz pensar. A curta viagem de ida e volta ao trabalho era uma terapia. Os serrotes e as planícies verdejantes eram um alento ao olhar. Eu contemplava correndo parado. Os riachos que se apresentavam, aproximavam-me ainda mais da terra. Terra que desejava pisar de pés no chão e me conectar à energia rejuvenescedora que emana da mãe terra. De certo mesmo eu só tinha as micoses dos dedos dos pés amordaçados por décadas do uso de sapatos.

No caminho, perdido nos meus pensamentos, eu me via trabalhando no lugar perfeito onde tudo se encaixava sem atropelos. Mera invenção. Tinha que se virar nos trinta. O dia a dia de bancário no interior era imprevisível, desafiante e cômico.

Foto: Redes Sociais
Na chegada, as inconveniências desfilavam, ora faltando energia, ora o sistema off line ou ainda, o colega imprescindível tinha faltado porque adoeceu. Missões de última hora, então nem se fala! E nesse amontoado de imprevisibilidades dar conta de tudo era a ordem do dia e, depois de tudo, ainda ser feliz. Quando menos esperava, o dia já era tarde e o sol já se despedia.


No início do mês, tudo se elevava ao grau de potência vezes dois, três… Os beneficiários do INSS, uma das prioridades, madrugavam na porta do banco. Gente simples das redondezas distantes do município que saia de casa no raiar do dia, aproveitando o único transporte para resolver tudo e retornar.

Para facilitar o fluxo diário de atendimento das salas de autoatendimento, principalmente nas últimas e primeiras semanas de cada mês, a gente abria a sala mais cedo para facilitar a organização. O ritual era sempre o mesmo:

- Pessoal, vamos abrir mais cedo especialmente para atendê-los. Não precisa correria, entrem com calma! Estaremos aqui para ajudar. Quem precisar renovar as senhas, poderá entrar antes da abertura ao público. As respostas também eram as de sempre:

- Sim, senhor ! Tá certo! Ótimo! Olhe logo a minha….

- Calma, deixe a gente chegar…

Quando a porta era aberta, o tumulto se iniciava. De nada adiantava a orientação! E o que eles diziam:

- Calma que nada home, eu quero logo é o meu dinheiro!

Nesse ínterim, entrando às pressas, fui esbarrado pela multidão que corria em direção às máquinas!

- Minha gente vocês me derrubam!

Alguém gritou no meio da multidão:

- Segure o gerente !!!

Retruquei, sorrindo:

- Valei-me minha Nossa Senhora!!!!

Era assim, tudo junto e misturado. Todos os meses era sempre igual. Ansioso e agitado nas primeiras horas da manhã. Todo dia eu só pensava em poder parar, mas me calava com a boca de pavor. Contentando-me com uma xícara de café, embalava nas topadas do cotidiano.

Já faz alguns anos que parei. Agora só penso na vida pra levar. Sei lá, sei não, eu só sei que ela está com a razão!



Novembro, 2023


Comentários

  1. O cotidiano do serviço bancário em um agência no interior do estado de Alagoas bem relatado por um fiel e abnegado funcionário..
    Parabéns, Xará, pela dedicação enquanto estava na ativa..
    Um grande abraço.

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  2. Tive o gostinho de ser Estagiário por 4 Meses Agência Banco do Brasil, Santana do Ipanema-Al. Onde trabalhei em Canapi-Al, indo e vindo todos os dias. Fui Caixa Bradesco. Em Santana do Ipanema-Al, também. Sei o que fala E digo, essas lembranças fazem bem. Pois. A gente lembra e dá risadas. E a vida é tão ligeira que tudo isso já passou. Dá até saudades. Hoje seguimos rumo aos 70 daqui uns par de anos. Se Deus quiser. Abraços bom Amigo. Ailton Magalhães. Cantor de Jesus Cristo.

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  3. Boa tarde Xará!
    Reprodução fiel do cotidiano de um bancário...kkkkk
    Parabéns!
    João Neto Oliveira-também aposentado

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  4. Parabéns caro confrade João Neto, pela sua fidelidade nesta crônica ao serviço público que um dia prestou. Fico aqui nas mesmas incertezas quanto O querer parar. É cansativo mas como já dizia o luzitano Fernando Pessoa "tudo vale a pena quando a alma não é pequena, do confrade Fabio Campos

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