Casarão Fotos: Com estátua, Jaelson Lima e sem estátua, Luiz Euclides |
Semana passada uma simples foto desencadeou dúvidas, questionamentos, história, preservação de patrimônio, aprendizados, buscas e quebra de paradigmas.
Tudo começou quando Luiz Euclides dos Santos, santanense, enviou-nos foto de prédio secular até então pertencente aos herdeiros do casal Benedito e Virgínia Nepomuceno. Construído no final do século XIX, no período de Vila para ser residência, no primeiro andar e ponto comercial no térreo da família do Coronel Manoel Rodrigues da Rocha e dona Sinhá Rodrigues, avós do escritor Breno Accioly. Após construir outro casarão ainda maior no mesmo lado do comércio e com o mesmo objetivo, mudaram-se e ali permaneceram até a morte.
O casarão se sobressai pela sua beleza e importância cultural. Localizado no centro comercial é um dos poucos prédios que destaca a influência da arquitetura colonial e do pujante crescimento econômico da região no final do século XIX e início do século XX. Na conclusão da obra recebeu um presente especial do amigo Delmiro Gouveia: uma estátua de porcelana (só agora soubemos) da deusa Minerva (até então era Mercúrio) de quase um metro de altura que foi instalada no ponto mais alto no frontispício.
A escultura fez parte de um lote de três peças importadas da França. Uma ficou em Santana, outra foi instalada no Derby Centro Comercial, em Recife. Construído e Inaugurado em 1899 pelo industrial é tido como o 1º shopping center do Brasil. Em 1900, a polícia do governador Sigismundo Gonçalves, inimigo político de Delmiro ateou fogo deliberadamente e destruiu completamente o empreendimento. Atualmente abriga o Quartel do Derby, sede da Polícia Militar de Pernambuco. O ato criminoso foi previamente anunciado tanto por jornais situacionistas como oposicionistas. Sobre a 3ª estátua, desconhecemos seu destino.
Doutor Hélio Rocha Cabral de Vasconcelos(1926-2010), neto do Coronel Manoel Rodrigues da Rocha(1857-1920), em seu livro “Coronéis do Sertão e Sertão do São Francisco alagoano (2005)” afirma:
“Seus negócios prosperaram e o levaram a estabelecer um entreposto em Santana do Ipanema e, quando notou que os seus negócios ali não estavam bem administrados, deliberou-se a ir para aquela Vila, em definitivo (1901), tendo construído o sobrado que ainda existe no centro comercial da hoje cidade que, graças à elevação de espírito daqueles que passaram a ser seus proprietários, depois de muitos anos do falecimento do coronel - Manoel Nepomuceno (Nezinho) e Benedito Nepomuceno, ainda guarda em seu frontispício o manograma MRR encimado de uma estátua da Deusa do Comércio - Mercúrio. Ali, no andar superior nasci, sendo o segundo neto do coronel já falecido na ocasião.”
O escritor, na citação, afirma que o ser era uma “deusa”. Assim, não poderia denominá-la “Mercúrio”, pois o deus era filho de Júpiter e de Maia. Há um claro erro de gênero e não foi por acaso. Trata-se de reprodução de conceitos orais, sem averiguação minuciosa. A definição apropriada seria “Minerva”. Ambos os deuses representam a Indústria e o Comércio, dentre outras funções.
Na primeira década do século XX funcionou no térreo do sobrado a loja “Casa o Ferrageiro” cujo fundador era o senhor Manoel Nepomuceno (Seu Nezinho). Filho do comerciante Tertuliano Nepomuceno, o empreendedor vendeu-a aos promissores empresários Bartolomeu Barros(1930-2022) e Jugurta Nepomuceno Agra. Depois, a loja mudou-se para o local onde atualmente funciona.
Esse sobrado, o Coronel Manoel Rodrigues da Rocha(1857-1920), vendeu-o ao senhor Manoel Nepomuceno, casado com Francisca de Melo Queiroz, dona Miúda. A casa foi vendida pela herdeira, dona Miúda para Bernardo, João Pedro, Lucélia e Afonso, filhos mais novos do senhor Benedito Nepomuceno(1896-1994).
Breve resumo das famílias proprietárias do imóvel:
Tertuliano Nepomuceno, avô de Alberto Nepomuceno Agra, pai de Dona Jovita (esposa de Pedro Agra), Dona Mariquinha (esposa de Joel Marques) e Manoel Nepomuceno (Manoel da “”Casa O Ferrageiro”, fundador).
Manoel Nepomuceno(Seu Nezinho), pai de Fernando, Onildo e Marcos.
Benedito Nepomuceno(1896-1994) era filho único do casal João Euzébio Vieira Nepomuceno e Francelina Adélia de Queiroz.
Tertuliano e João Euzébio Vieira Nepomuceno eram irmãos. João Euzébio faleceu em dezembro de 1896, o filho único, Benedito Vieira Nepomuceno, com seis meses de idade foi criado pelo tio, que ficou com a sua tutela, administrando sua herança. Em 1921, quando Benedito se casou com dona Pureza, o seu tio transferiu os bens deixados por seu pai.
Do primeiro casamento de seu Benedito Nepomuceno(1896-1994) e dona Pureza Viera Nepomuceno, seus filhos foram: Alice (Pedro Bulhões), Corália (Josias Carnaúba), Maria do Carmo, Zuleide (Dennison), Lurdinha, Maria do Carmo e Hamilton. Enviuvou em 1939.
Em 1940, casou com Maria das Virgens Gaia Nepomuceno, dona Virgínia (1921-2001). Seus Filhos: Dalmário, Lúcia, Mário, Luciano, Arnaldo(1949-2021), Osman, Luciene, Lucélia, João Pedro, Bernardo e Afonso.
Em 1948, na gestão do prefeito José Lucena Maranhão(1883-1955), foi criada a Biblioteca Pública Municipal que passou a funcionar no primeiro andar sob os cuidados da bibliotecária Nilza Nepomuceno Marques(1918-2010).
Em 2019 tivemos palestra com analista do IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional sobre leis e orientações sobre preservação do Patrimônio Material (Cidades, prédios, sítios arqueológicos e monumentos) e Imaterial (saberes, fazeres e crenças). Desde aquela data o tema tem merecido nossa atenção especial, culminando com um trabalho de conscientização voltado aos diversos setores da sociedade, clubes de serviço, incluindo o governo municipal.
A foto de que tratamos registrou o flagrante da fachada sem a estátua no seu topo. Após rápida divulgação e investigação entre os participantes dos grupos de WhatsApp da cidade se descobriu que o prédio teria sido vendido e a estátua se encontrava em local incerto e não sabido. Foi impactante! Imediatamente se formou uma rede de cooperação mútua para elucidar o que havia acontecido.
Antes, vamos esclarecer as dúvidas quanto à confusão dos nomes dos deuses. No mundo antigo, Roma se destacava pela vocação à estratégia e à guerra; A Grécia, pelas ciências e artes. A mitologia presente nas duas sociedades sofrerá influência dessas características e os deuses, nomes diferentes para funções semelhantes.
Vários historiadores e escritores santanenses vem citando em seus trabalhos que a escultura se refere ao deus Mercúrio. Mercúrio, correspondendo a Hermes na mitologia grega, era filho de Júpiter e Bona Dea. Ele era o deus dos viajantes, ladrões e do comércio, sendo também, a personificação da inteligência.
Na mitologia romana, Minerva era a deusa da sabedoria, do conhecimento, da guerra, das artes, da estratégia militar, da música e da indústria. O brasão da Engenharia Civil é composto pela imagem da deusa romana Minerva, envolvida por uma engrenagem. O busto de Minerva no símbolo da Engenharia Civil está ligado ao conhecimento, já que a deusa romana representa a sabedoria e a aprendizagem. A deusa equivalente na mitologia grega era a deusa Atena.
De acordo com o professor Ari Riboldi, em sua publicação “A CPI das palavras”, o nome Minerva vem do latim mens, mente: pensamento. Na mitologia grega, corresponde à deusa Palas Atena, que protegeu os gregos na guerra de Tróia.
A confusão se deu porque a estátua ficava inacessível no topo do prédio a mais de 10 metros de altura e não surgiu um curioso para verificar que a imagem é feminina, tem seios e madeixas. Apenas o santanense José Ormindo defendeu o nome da deusa e o restante ficou em dúvida ou defendia o deus.
Retomando o esclarecimento da dúvida, fomos informados de que a escultura estava em poder de Bernardo Nepomuceno, um dos herdeiros, que atualmente reside em Dois Riachos. Partimos em missão a cidade para conferir “in loco”, na companhia do professor e historiador Marcello André Fausto de Souza. Chegando lá, fomos recebidos pelo anfitrião que nos confirmou a venda, com a condicionante de retirada da estátua para preservação. Fotografamos e constatamos que se trata realmente da imagem feminina da deusa “Minerva”. A estátua exibe em destaque uma engrenagem que simboliza a engenharia, representada pela deusa romana Minerva que reforça sua identidade.
Foi a primeira vez que a vi tão perto e confesso que senti a força da simbologia presente naquela escultura. Ali estavam várias gerações de pessoas importantes da sociedade que contribuíram para o desenvolvimento que vivemos atualmente. Um filme passou rapidamente nas minhas lembranças de um tempo em que sequer eu existia, mas imaginei! Somos a ponte que interliga as gerações na qual flui toda a riqueza histórica de um povo, transmitida no inconsciente coletivo. Se nós entendermos o significado das coisas, poderemos admirá-las muito mais.
Segundo Jung (1949-1991), o símbolo é a melhor expressão possível de algo relativamente desconhecido, pois ele representa por imagens, experiências e vivências que incluem aspectos conscientes e inconscientes.
Os mitos “transmitem mais do que um mero conceito intelectual, pois, pelo seu caráter interior, eles proporcionam um sentido de participação real na percepção da transcendência”.
Centro comercial, incluindo o casarão à esquerda, ao fundo. Década de 1940. Foto: autor não identificado. |
Setembro, 2023
Bom dia Xará!
ResponderExcluirNa juventude somos providos de força, velocidade (imediatismo) ,impaciência, imprecisos e poucos observadores...
Com a idade avançando, tornamo-nos mais lentos, mais sensatos, mais precisos e mais observandores...Talvez, tenha sido esse fenômeno que não me deixou observar a existência da estátua, mesmo posta em local visível e de destaque.
Parabéns pelo registro esclarecedor.
Um abraço
Joao Neto Oliveira
Valeu Xará, grato!
ExcluirParabéns, João de Liô!!
ResponderExcluirDúvida esclarecida sobre a estátua presente de Delmiro Gouveia ao Coronel Manoel Rodrigues da Rocha e colocada no frotispício de uma de suas casas, a do centro do comércio.
Excelente pesquisa.
História esclarecida! Grato.
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