Há mais de uma década vivi, num único dia, uma das mais introspectivas experiências. Como as aparências enganam, só eu sei dos ganhos e perdas no balanço das horas.
Desde ontem, as tristezas transbordam e as alegrias, contidas. A morte nunca foi, nem nunca será um tema de fácil explicação, principalmente quando nos parece trágica e intempestiva. Diariamente, independente da dolorosa experiência, a morte continuará acontecendo em algum lugar, ignorando quaisquer dúvidas ou lamentações de quem quer que seja.
Por outro lado, a vida não teria o valor que tem se não fosse a morte. A natureza humana rapidamente acostuma-se a banalizar todas as coisas. A dialética nos faz refletir sobre a união incessante dos contrários em tudo na vida.
Daqui a pouco irei a dois funerais, no mesmo local e horário. Como se não bastasse, logo mais à noite participarei de uma cerimônia de casamento agendada há meses em Maceió.
O primeiro funeral era de um jovem e promissor empresário local, cliente do Banco do Brasil na agência onde eu trabalhava. Numa discussão dentro de casa com a esposa, sacou uma arma para ameaçá-la e, acidentalmente, a arma disparou contra si. Uma família arruinada e uma criança ferida na alma para sempre.
O segundo funeral era do esposo de uma competente e querida colega de trabalho. Durante uma viagem de férias na Chapada Diamantina, lamentavelmente sofreu um infarto fulminante, vindo a óbito durante a visita a uma das atrações do Parque Nacional. É possível imaginar, somente imaginar o desespero da esposa e filhos, distantes dos familiares e amigos. É solitária e única a experiência de morte de entes queridos e só sabe quem vive.
Eu fiquei desnorteado nos funerais porque tentava em vão estar presente às cerimônias simultaneamente e por isso mesmo, agoniado. Experiência excruciante que me exigiu tenacidade quando menos eu tive, essa é a verdade!
Recordo que a mais dolorosa vivência de morte foi no falecimento de meu pai. Era tarde da noite e quando minha mãe tomou conhecimento, precisou ser medicada e foi necessário eu sair de casa na madrugada à procura de uma farmácia aberta para comprar os medicamentos. Como era de se esperar, não havia nenhuma e algo aparentemente simples, se transformou numa longa, solitária e angustiante prova num momento crucial. Certamente, cada um de nós teria algo a contar sobre os seus lamentos.
No fim da tarde, seguimos viagem para a cerimônia de casamento. A igreja de São Pedro estava delicadamente ornamentada com muitas luzes sobre galhos secos, castiçais no chão, imitando o sol iluminando a estrada da vida por onde passaria o casal. Cenário deslumbrante. Os noivos estavam ansiosos e radiantes, transbordando alegria.
E eu, influenciado duramente pelas tristezas do dia, estava inquieto e pensativo, numa luta interior insana, tentando dissimular minha fragilidade em razão do conflito de sentimentos antagônicos. Dizem os especialistas que a tristeza é um dos sentimentos mais duradouros, muito mais do que a alegria ou felicidade porque costumamos guardar para nós essa sensação por mais tempo. Não há como eliminar as tristezas da vida, mas “é melhor ser alegre que ser triste, a alegria é a melhor coisa que existe. É assim como uma luz no coração”.
No fundo, no fundo, para mim havia Tristesse (clique para ouvir) na circunstância em que A Marcha Nupcial (clique para ouvir) foi executada e eu ainda não havia conseguido me desvencilhar daquelas angústias, por mais que tivesse tentado.
No fim das contas, ficaram famílias desconcertadas e filhos órfãos. O casamento também se desfez anos depois, infelizmente. Ninguém tem controle absolutamente de nada e a vida segue sua dinâmica soberana, independente das vontades e das misérias humanas. O passado é nosso patrimônio e biblioteca, fonte inesgotável de aprendizados e experiências. “No meu entender o ser humano tem duas saídas para enfrentar o trágico da existência: O sonho e o riso.” Que os nossos afetos nos guiem na jornada.
“A água se ensina pela sede.
A terra, pelos oceanos navegados.
O êxtase, pelas agonias sofridas.
A paz, pelos combates narrados.
O amor, pelas cinzas da memória”.
Emily Dickinson
Agosto, 2023
Citações:
Samba da Benção, de Baden Powel e Vinícius Moraes.
O Estudo Opus 10, nº 3 em mi maior, apelidada de "Tristesse" (Tristeza), é um estudo para piano solo, composto por Frédéric Chopin(1810-1849) em 1832.
A Marcha Nupcial na cultura popular está associada à ideia de casamento. A famosa Marcha Nupcial de Mendelssohn tem cumprido bem o seu papel desde 1858, com o casamento da princesa Victoria Adelaide com Frederico III. O arranjo original de Felix Mendelssohn(1809-1847) foi composto no ano de 1842.
Ariano Suassuna
Realmente, a vida só tem valor por causa da morte... muito bem escrito, João Neto. Parabéns
ResponderExcluirMuito boa, João, sua comovente abordagem ao embrulho de sentimentos.
ResponderExcluirCostumo dizer: A vida Dói! Mas, Jesus Cristo diz: "Neste mundo tereis aflições; tende bom ânimo. Eu venci e vós vencereus". O Céu, lugar onde não haverá sofrimentos. Cristo, só ele é o caminho. E nos fortalece aqui na terra: "Estarei convosco todos os dias, até a consumação dos Séculos ".
ResponderExcluirBom dia Xará!
ResponderExcluirParabéns pelo registro e, quando os personagens citados, em parte, eram pessoas conhecidas, fica mais viva a reflexão sobre a vida, a morte, a alegria e a tristeza.
Um abraço.
Muito boa sua crônica nobre escritor João Neto Felix, um turbilhão de sentimentos antagônicos. São as surpresas que a vida nos ensina e nos impõem. Fabio Campos
ResponderExcluirTema sempre difícil de conviver, difícil de comentar, difícil de aceitar. E na vida cheia de incertezas, a única certeza é o tema retratado nessa crônica muito bem escrita.
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