Mês de julho, mês de Ana, é a festa de Sant’Ana!


 





O sertão amanheceu em júbilo. Mais um ano se passou e vamos render graças à excelsa padroeira Senhora Santana, cuja veneração nos sertões se iniciou em meados do século XVIII. Antigos registros históricos relatam que a mãe de Maria concebeu na velhice sob a graça de um milagre, cooperando com a obra salvífica da humanidade, pelas mãos do neto Jesus Cristo.

Procissão. Roninho Ribeiro
A história consagrada e documentada atribui ao casal Martinho Rodrigues Gaia e Ana Tereza, além do Padre Francisco Correia como os pioneiros da devoção. Entretanto, recentemente, tivemos a oportunidade de conversar com um santanense de 82 anos, Antônio Damasceno Fontes(1941-), “seu Tonho”, atualmente residindo na zona rural de Maravilha, nas imediações do distrito do Cedro, que nos contou um fato curioso sobre antiquíssimas histórias do lugar.

Disse-nos que ouviu relatos de antigos moradores que numa pequena elevação próxima à foz do riacho Camoxinga que servia de pastagem ao gado e que também era ponto de paragem de grupos nômades, composto de mestiços, indígenas e escravos que viveram uma tragédia. Dentre eles, havia uma negra cativa chamada Ana. Certo dia, ao amanhecer, quando se dirigiu à pastagem para ordenhar as vacas do seu senhor, foi atacada e cruelmente morta por uma onça, que também matou alguns bezerros.

O local foi marcado com uma santa-cruz-de-beira-de-estrada e depois foi construída uma capelinha, dando início ao culto à Santa Ana, como intercessora pelo descanso eterno da alma da escrava Ana pelo martírio sofrido. No ponto culminante próximo de onde foi construída a capelinha, deu lugar a primeira capela formal construída nas terras do sertanista Martinho.

Presenciou o testemunho o professor e historiador Marcello Fausto Souza. Ficamos surpresos, pois foi a primeira vez que ouvimos tal relato que foi contada espontaneamente por seu Tonho e não era o tema daquela investigação histórica. Embora a paróquia tenha sido criada em 1836, por iniciativa do padre Francisco Correia, o culto à Sant’ana se iniciou no final do século anterior com a participação do mesmo vigário.

A procissão é o último ato das festividades. Ornamentada num andor a imagem da santa é carregada pelo povo pelas ruas da cidade. Ao longo do tempo, a rota da cerimônia passou por inúmeras alterações. A mais antiga procissão de que eu participei remonta ao final da década de 1960, sob a orientação do padre Cirilo. Naqueles anos, o itinerário passava pela Maniçoba, local de nascimento de meus avós maternos João e Virgínia e dos seus filhos. O subúrbio era reduto dos Félix, família de pequenos agricultores e criadores de pequenos animais.

A cerimônia seguiu pelo final da rua São Pedro. A estrada de piçarra era deserta. Tinha apenas duas casas, antes do núcleo urbano. A primeira era uma casa de duas águas, varanda frontal, que pertenceu ao velho João Tavares e sua esposa Verônica, conforme relata o escritor Oscar Silva. Eu me lembro muito bem porque havia, ao lado da casa, um enorme pé de umbu-cajá cujo galhos repletos de umbus pendiam sobre o lar do casal. Eu só pensava no desperdício dos frutos, lamentando, com a boca cheia d'água.

Com minha mãe segurando a minha mão e entoando os hinos em uníssono com a multidão, seguíamos e eu me mantinha em silêncio e, às vezes, cantava trechos aleatórios dos cânticos. Meus pensamentos infantis se dispersaram e eu voltava a pensar nos umbus de vez, da minha preferência. O cheiro forte dos frutos caídos na estrada incensava o ar. Depois da casa de seu João, tinha um pequeno lajedo e outra casa menor do mesmo lado. Daquele ponto já se avistava a capela. Adiante, um fio d'água atravessava a estrada. Era uma minação do brejo do baixio na estação das chuvas. Fiquei pensando na passagem, equilibrando-se nas pedras que havia para não atolar os calçados, cujas águas estavam repletas de girinos. Em breve, jovens sapos fariam festa no alagadiço e no rio Ipanema que passava ali perto.

A procissão seguiu e contornou a capela do Sagrado Coração de Jesus, padroeiro do bairro, enquanto Zuza soltava mais uma dúzia de foguetes, cujos estampidos se misturavam aos cantos e orações. As procissões relembram nossa peregrinação existencial e as exigências da fé na convivência com os irmãos.

Quando a jornada de fé retornou à igreja, o sol já se escondia no horizonte. O padre Cirilo, do pátio da matriz deu a benção final e os vivas à padroeira, cantando trechos do belíssimo hino à Senhora Santana que o povo acompanhava efusivamente. É um dos momentos mais belos!

Por fim, convidou a multidão para o ato final da queima de fogos de artifício preparada por Zuza Fogueteiro, hábil mestre pirotécnico. Varas e forquilhas mantinham suspensas a sequência de rodas de madeira, onde estavam instalados vários foguetes multicoloridos que, enquanto queimavam, produziam força suficiente para fazer girar a roda de fogo e, quando terminava, acionava a seguinte e assim sucessivamente, dispersando fagulhas coloridas aos céus que pipocavam e encantavam o público, que aplaudia calorosamente. Eu e as demais crianças ficávamos boquiabertos, em êxtase e sem palavras, maravilhados!




Aquele ano foi mágico porque ficou gravado pra mim a devoção da minha mãe à padroeira Senhora Santana e a segurança que ela me transmitia segurando a minha mão durante todo o cortejo. Exemplo que jamais esquecerei e que tento seguir. Viva nossa padroeira!






Julho, 2023



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Assista ao vídeo de Banda Quinteto Violado cantando Sant'Ana, de autoria de Fernando Filizola, clique aqui

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