O Circo e Teatro Zé Bezerra

 



Nas décadas de 1960 e 1970, as cidades interioranas vibravam quando chegavam os circos. Era sinônimo de entretenimento e emoção. A companhia circense familiar, o famoso Circo e Teatro Zé Bezerra, o palácio da lona verde, encantava pela diversidade e qualidade artística. Nos palcos da vida, a arte mambembe nas suas andanças pelos rincões nordestinos e parte das Minas Gerais, ia até o povo. Em Santana do Ipanema se instalava num vasto terreno baldio por trás da cadeia pública, anexo à rua Marinita Peixoto Noya. Os espetáculos inesquecíveis foram fonte de inspiração para novos discípulos. Quem foi José Bezerra ?




Hoje tem espetáculo, perguntava o palhaço... Tem sim senhor, respondia a molecada que ia atrás, no meio da rua... Cansei de correr atrás do palhaço, para ser marcado com uma tinta, e poder entrar de graça no grande circo. Era o Circo de Zé Bezerra.





Após o terceiro sinal sonoro, falava uma voz grave: o Circo e Teatro José Bezerra, o palácio de lona verde, anuncia e apresenta... (entrava o som do fundo musical). Esse era um sonho para a minha geração. O único espetáculo que conhecíamos era o circo. E o Circo de Zé Bezerra era especial.

Zé Bezerra, filho de Tibério Bezerra e Antonieta Bezerra (Antonieta da Pensão), casado com Dona Lourdes, filha de João Giba. Gente de Itabaiana. Não tenho como provar, mas se sabe que Zé Bezerra foi aluno de Procópio Ferreira. Zé Bezerra era um grande artista: ator, cantor, mágico e palhaço (Biriba). Como palhaço, ele contracenava com Brocoió e Tita.

O dia de maior suspense, a cidade parava, o circo revestia-se de negro, era quando o mágico José Bezerra colocava a sua mulher no espaço. Isso mesmo, solta, podia-as passar um aro em torno da mulher, como prova que não existia nenhum fio invisível. Se dizia que Zé Bezerra hipnotizava a plateia. Eu cheguei a ir com o bolso cheio de limão, pois acreditava que chupando limão quebrava o encanto, e só assim eu poderia saber a artimanha do artista. Por causa do risco, a mulher que ele colocava no espaço era Dona Lourdes, a própria esposa.

Além de circo, com palco e picadeiro, era também teatro. Cada dia com uma peça diferente. A louca do Jardim era casa cheia. A peça era uma adaptação para o teatro de um cordel, que começava em versos: “Vinde musa mensageira, do reino de Eloim, traz a pena de Apolo e escreva aqui por mim, o "Assassino da Honra" ou a "Louca do Jardim.” Ouça

Instalado num alçapão no centro do palco do circo ficava o “Ponto”, profissional do teatro responsável por “assoprar”, em voz baixa, as falas que deviam ser repetidas, em voz alta, pelos atores. Eu conheci o teatro no Circo de Zé Bezerra, e fiquei com boa impressão.


A grandeza do Circo era Zé Bezerra e a família. A morena Iracema (filha), melhor rumbeira do Brasil. Era o segundo ato do espetáculo. Iracema com um pequeno saiote, rebolando as cadeiras, quando levantava um babado e podia-se ver a calçola da dançarina, quase um short para os padrões de hoje, aquilo levava a plateia ao delírio. Tudo beirava a inocência, comparando-se com as atuais danças da Rede Globo.

Iracema era casada com Vivaldo, músico do circo. Em Itabaiana, todos desconfiavam de Vivaldo. Só podia... Eita tempos atrasados. Circulando o poleiro do circo, passava um menino vendendo um "binóculo de foto”, gritando: o retrato de mãe, o retrato de mãe; era o retrato de Iracema, e não dava para quem queria.

O outro filho de Zé Bezerra, Iranildo, era o malabarista. Lourdes, a esposa, atriz nas peças encenadas. Tinha mais um filho, o mais novo, que eu não lembro o nome. O Circo de Zé Bezerra quando chegava numa cidade, pelo povo, não sairia mais. Não esqueci de Antonieta, uma portuguesa que cantava com sotaque lusitano. Uma velhinha saliente. Sempre a casa cheia. Em Aracaju, o Circo de Zé Bezerra armava perto da Rodoviária Velha, e a temporada durava mais de três meses.

Dona Breguedela, dona do rendez-vous de Itabaiana, deixava o espetáculo começar, apagarem-se as luzes, para ela entrar com as suas meninas. Só iam para as cadeiras. A discrição de Dona Breguedela no circo chamava a atenção. Pois, até mulher-dama se dava ao respeito. Elas também acompanhavam a procissão de Santo Antônio. Era tradição.

O circo acabou, faz tempo. Zé Bezerra foi assassinado em Queimadas, na Bahia. O seu corpo foi sepultado numa cova rasa. Sergipe, e Itabaiana em especial, não pode apagar da memória histórica desse grande artista. Tá na hora das autoridades procurarem a família, para transladar o corpo de Zé Bezerra para um cemitério em Itabaiana, e no local, erigir um monumento em sua homenagem. Enquanto ele não caia no completo esquecimento.


Reprodução do Blog, de Antônio Samarone, maio, 2023


Nossa homenagem à memória do grande artista José Bezerra

“Luzes da Ribalta”, de Charles Chaplin clique para assistir




Fonte de referência:
https://blogdesamarone.blogspot.com/2019/03/o-circo-de-ze-bezerra.html


P.S - Zé Bezerra, por Antônio Samarone. Sexta-feira, 30 de maio de 2015, a Academia Itabaianense de Letras deu posse a Antonio Amorosa, na cadeira que tem como patrono o ator, mágico, cantor e palhaço José Bezerra. Aluno de Procópio Ferreira, montou um circo, e saiu pelo interior levando a arte circense e a novidade do teatro. O famoso Circo e Teatro José Bezerra, o Palácio de lona verde.

Depois do espetáculo, vinha o DRAMA, nome de uma pequena peça teatral comandada por José Bezerra. Itabaiana parava esperando a hora do drama, num tempo sem televisão e sem novelas.

Nunca esqueci a apresentação do monólogo, escrito por Pedro Bloch, "As Mãos de Eurídice", dificílimo, tarefa para os grandes atores, brilhantemente representado por José Bezerra.

O monólogo narra as desventuras do escritor Gumercindo, que decide abandonar a família e fugir com Eurídice, uma jovem bela e ambiciosa. Os dois vão para Mar del Plata, na Argentina. Ele a cobre de joias e presentes caros, e ela, por sua vez, torra a fortuna do amante em cassinos, acabando por levá-lo à ruína financeira.

Como mágico, a maior façanha de José Bezerra era a colocação de uma mulher no espaço, solta, sem nenhum fio escondido. Eu enchia os bolsos de limões, na crença que chupando limão, eu poderia desvendar os segredos da mágica. O limão cortava os poderes do feiticeiro.


Reprodução do Grupo Itabaiana Cultural, maio 2023


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Comentários

  1. Sensacional... sensacional

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  2. Boa tarde Xará!
    Não sei se aconteceu contigo mas, comigo uma das mais marcantes lembranças, além dos palhaços e trapezistas, o drama que era,
    reconhecidamente, o ápice do espetáculo, não tem como esquecer a hora que poderíamos "maiar", no circo, entrar sem pagar...kkkkkk

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  3. Que tempo bom João!! Poucos Circos se igualaram ao Zé Bezerra.

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  4. Quanta emoção ao ler essa publicação descritiva sobre um artista circense, nordestino e tão talentoso.Frequentei -o sempre que estava em minha cidade e um dos pontos mais altos foi à apresentação da grande acordeonista ALDA LIMA , para o nosso deleite. Tempos áureos de qualidade artista. Saudade!!!

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