O domador

 

O atual Colégio Estadual Professor Mileno Ferreira foi fundado em 1964 em local onde fora instalado o quartel do exército que havia encerrado as atividades. Outrora fora ali uma fazenda de Frederico Rodrigues da Rocha (1895-1982), que fora o primeiro intendente (prefeito) interventor em 1930.

O educandário fortaleceu o ensino e foi um marco importante para a mocidade, visto que oferecia cursos a partir da 5ª série ginasial e científico, além de curso preparatório para o magistério. O atual nome da instituição presta homenagem ao primeiro diretor, Mileno Ferreira da Silva(1925-1988), que o dirigiu por quase duas décadas.

A área do colégio era imensa. Naqueles anos tinha uma quadra descoberta de futebol de salão de piso de barro e um campo de futebol de chão batido. No formato retangular, o enorme pátio interno servia as inúmeras salas de aula. Fui aluno de 1972 a 1978, desde as séries ginasiais, no horário vespertino e o curso científico, no horário noturno.

Da minha casa ao colégio eu andava uns 2 km. No percurso, incluia passagem molhada pelo riacho camoxinga, desde que estivesse correndo pouca água. Nas cheias era inevitável fazer um arrodeio por outro caminho.

Em área contígua ao colégio, pelo lado da rua da Baraúna, havia um campo de futebol de várzea que a molecada dos arredores jogava e quando chegava algum circo utilizava a área para se instalar.

No quadro funcional de agentes administrativos atuavam como vigilantes os servidores Cícero Melo (Ciço Mouco), Cícero Alves (Pepita), João e Luiz Burú. Funcionários competentes e zelosos com a infraestrutura e segurança de todos do educandário.

Certo dia, instalou-se o Circo Maximus que foi a grande novidade artística naquele período. Dentre os quadros da estreia, o circo tinha até uma onça-parda que se apresentava sob o comando do chicote do domador fazendo algumas evoluções, piruetas e saltos que deixava o público em polvorosa. Havia o receio de que o felino se rebelasse e avançasse sobre a plateia. Os espectadores ficavam num pé e noutro prontos para correrem se preciso fosse. Porém, o imprevisto aconteceu nos bastidores.

Por algum descuido do cuidador, o animal escapou da jaula e começou a andar nas imediações. Rapidamente a notícia se espalhou e chegou ao conhecimento de Ciço Mouco que estava de plantão. Homem simples, destemido, que além de mouco, tinha algum tipo de transtorno mental, mas não comprometia seu trabalho. Era meio alvoroçado, como se dizia. Antevendo que o bicho feroz viesse para o colégio, rapidamente resolveu vigiar os passos do felino. No seu pensamento nada poderia perturbar a ordem do lugar, sua prioridade era impedi-lo de chegar ao colégio.

De repente, pressentindo a iminência do perigo, avançou e se atracou com a suçuarana, travando uma peleja insana! Foi um deus nos acuda! E vai pra lá, vem pra cá e o Ciço continuava atracado com o animal. No embate, pega pra lá e pega pra cá o domador aloprado já havia sofrido várias arranhões nos braços e nas costas. Entre gritos e pedidos de ajuda, o auxílio chegou a tempo de se evitar uma tragédia. O domador circense conseguiu arrefecer os ânimos do combate. Ele explicou que a onça estava apenas brincando com o Ciço! No final, salvaram-se todos! Contudo, ferido e orgulhoso estava o Ciço Mouco pelo sucesso da sua missão hercúlea.

Depois dos cuidados médicos e a saúde estabilizada, começaram a surgir as gozações, sem falar da bronca de Mileno Ferreira pelo risco de vida a que se submeteu desnecessariamente. Ainda assim, Ciço estava convicto de que havia tomado a melhor decisão por ter honrado o trabalho que lhe foi confiado.

Como era deficiente auditivo, as conversações eram hilárias e os gaiatos não deixavam de provocá-lo. Outro dia, viram-no com apetrechos de pescaria e perguntaram: - Ciço, vamos pegar uma onça? Ele respondeu: - Não, vou pescar!

Abril, 2023