Ciço Lopreu: O inquieto artista

 



Cícero de França Campos (1957-1992), santanense, era artista de muitas habilidades, filho de Abdon Soares Campos e Maria Francisca Campos. Seu pai possuía um bar com sinuca na rua da feira das frutas, próximo ao extinto supermercado Ouro Branco. Sua mãe, dona Francisca, era uma pequena comerciante de tecidos e agricultora em Olho D’Água das Flores.


Washington Viana Alves (Dotinha), disse-me que o conheceu em 1972 quando retornava do colégio. No trajeto o encontrou colorindo desenhos no oitão do prédio da rua Tertuliano Nepomuceno. Sentindo-se atraído pelas artes, iniciou ali conversa que se transformou em parceria e amizade.

Cícero França fez parte da minha turma do Colégio Estadual Professor Mileno Ferreira a partir de 1972. Embora a gente não tivesse convivência próxima, eu o admirava pelo seu dinamismo artístico.

Segundo Dotinha, que também gostava de desenhar e pintar temas diversos, confessou que a afinidade entre ambos foi instantânea e, dali em diante, passaram a dividir trabalhos comercialmente, dentre os quais se destacaram:

- Rosto do presidente Médici para o Colégio Estadual Professor Deraldo Campos a pedido do diretor Mileno Ferreira;

- Pintura das bandeiras de todos os estados do Brasil para o Ginásio Santana em comemoração à Semana da Pátria;

- No Bar de Luiz Ceguinho pintaram um painel dos Beatles e Rocky Lane;

- Na sala de projeções do Cine Alvorada, no lado direito, inseriram desenhos menores entre as figuras maiores que já existiam para preencher os espaços vazios, seguindo o padrão que já havia sido pintado pelo afamado pintor caruaruense Reginaldo Luís de França. Eram pinturas retratando o cotidiano do semiárido nordestino: vegetação, trabalho, lazer, feira, trovadores, utensílios, lavadeiras, donas de casa, vaquejada, artesanato, caça, zabumbeiros, rio, pesca, água, homens, mulheres e costumes da roça. Infelizmente o prédio do cinema foi totalmente descaracterizado em 2019.


Pinturas no lado direito da sala do Cine Alvorada
Foto: Fernando Fotografias

O senhor Reginaldo Luís é autor de inúmeras obras tombadas pelo Patrimônio Cultural de Pernambuco, dentre as quais citamos painel em exposição na “Casa de Cultura José Condé”, o popular museu da feira de Caruaru. Há outras obras espalhadas pelo Brasil e até no exterior.


Sou testemunha de que os desenhos e as pinturas aplicadas por Cícero e Dotinha na parede do lado direito do extinto cinema guardavam as mesmas características das pinturas do renomado artista Reginaldo Luís.

Esportistas, participaram da Academia de Karatê, no Clube dos Artistas, sob a liderança do professor Zé de Alvino. Depois, Cícero tornou-se mestre em artes marciais, inclusive já tinha alcançado grau avançado. Como muitos jovens da época foi influenciado decisivamente pelos filmes de Bruce Lee exibidos no Cine Alvorada, recordo-me muito bem. Lee Jun-Fan, conhecido mundialmente como Bruce Lee, foi um artista marcial, ator, diretor de cinema, produtor cinematográfico, roteirista, instrutor de artes marciais, filósofo e autor sino-americano. Não temos dúvidas de que uma das suas maiores inspirações foi Bruce Lee. Tanto é que adotou a arte marcial como profissão e um dos seus filhos recebeu o nome de Lee Jun-Fan. Caetano Veloso em sua canção “Um índio”, descreve-o muito bem: “(...) Tranquilo e infalível como Bruce Lee (…)”. (clique para escutar)

Lee e o primo José Antônio


Nessa época, mudou-se temporariamente para São Paulo, exercendo o ofício de professor de defesa pessoal. Depois de uma temporada na terra da garoa, retornou à terra.

Gostava de escrever poemas e compor canções. Tinha um lado artístico efervescente, inquieto. Além das criações poéticas e musicais, também gostava de percussão. Tinha uma bateria em casa para os seus treinamentos. Fez parte da Banda Marcial do Colégio Estadual como músico e professor, tocando trompete e instrumentos de percussão.

Cícero era artista multifacetado. Em terreno anexo à residência do pai na rua professor Enéas Araújo -popularmente conhecida como rua Zé Quirino- nos períodos de entressafra de lavouras para consumo da família, montou circo em que ele era o bilheteiro, artista e apresentador, mas não demorou muito tempo porque dar conta de tantas atribuições, arrefece o ânimo de qualquer artista.

Participou ativamente dos programas de auditório do Cine Alvorada como calouro. Chico Soares que era o apresentador no período, reconhecendo seu talento o convidou para conduzir algumas edições.

Em 1980, enfrentando alcoolismo e dificuldades financeiras, programou uma luta com o professor de judô, Irazildo, no Tênis Clube Santanense como alternativa para ganhar destaque, publicidade e, consequentemente, melhorar sua renda, mas a luta foi um fiasco.

Em 1981, casou-se com Marta Jacob da Silva. Com o nascimento dos filhos, tornaram-se compadres, confessou Dotinha.

Faleceu em decorrência de complicações de queda de uma escada no momento em que estava trabalhando numa pintura na fachada de uma loja no largo do Maracanã.

Em abril de 1995, por ocasião da II Feira de Arte e Cultura realizada na Associação Atlética Banco do Brasil-AABB, incluímos sua canção no musical “Santana do Ipanema em canções”, cuja letra está transcrita a seguir. Infelizmente ainda não temos gravação da música de boa qualidade para divulgação. Está em curso projeto com essa finalidade.

Viver é uma dádiva divina e grande mistério entregue a cada um de nós numa caixa muito bem embrulhada com prazo de validade em contagem regressiva. Desamarrar os laços, abrir e defrontar o conteúdo é a principal missão antes que o tempo se esgote. É tarefa pessoal e intransferível. Vida real e fantasia se misturam.



Santana (samba)


( Ciço Lopreu)

Santana de ontem era aquela

Santana de hoje está melhor

Santana de amanhã será mais bela

Garotas desfilando na passarela



Antigamente foi Ribeira do Panema

Você não lembra mas eu posso lhe lembrar

Ela nasceu de humilde fazenda

com sonhava com a revolução

Hoje eu vejo essa Santana

sendo a terra do feijão, do feijão.




Abril, 2023







Comentários

  1. Eita João, que boas lembranças... lembro muito pouco do Cícero Lopreu, mas lembro sim. Acho que até fui ao circo dele... ótimas lembranças

    ResponderExcluir
  2. Meu Bom e generoso Amigo de tantas aventuras... tomando todas saudades do meu Bom "Amigo" loupra

    ResponderExcluir
  3. Grande lopreu, discípulo de Zé de alvino.

    ResponderExcluir
  4. Parabéns , João de Liô, por mais esse resgate desse Santanense, Cícero Lopreu. Que partiu cedo dessa vida..

    Um grande abraço.

    ResponderExcluir
  5. Gratidão por saber que meu Pai era muito querido isso não tem preço.

    ResponderExcluir
  6. Pois é João, Cícero fez parte da nossa infância. Tudo que você escreveu retrata exatamente como foi a trajetória dele. Parabéns pelo resgate das memórias.

    ResponderExcluir
  7. O conheci como artista em pinturas de letreiros , fachadas de lojas, jogador de rachas no estudual e era vítima do apelido LOPREU , CAJU era o mais que o apelidada.

    ResponderExcluir
  8. DEUS O TENHA , PINTANDO A ABÓBADA CELESTIAL, HUMILDE CÍCERO LOPREU😇

    ResponderExcluir
  9. Parabéns! Cícero também faz parte da História dos artistas santanenses! Parabéns pelo resgate histórico da vida dele! 👏👏👏👏👏👏👏

    ResponderExcluir

Postar um comentário