As estradas de ferro no interior de Alagoas, no médio e alto sertão fazem parte das memórias afetivas de muitos alagoanos, dentre os quais me incluo. As lembranças das poucas viagens que fiz permanecem vivas como legado nostálgico. Palmeira dos Índios era o ponto de partida e chegada mais próximo dos sertanejos.
Da Estrada de Ferro Paulo Afonso eu só ouvia falar, principalmente casos de gozação que meu pai contava lá em casa que ele ouvia na rua e que para mim, até há alguns anos, tomava como verdade. O fascínio por esta estrada era tão grande, que quando morei em Delmiro Gouveia procurei conhecer o que ainda existia no percurso; estações preservadas e abandonadas, trilhos e pontes, incluindo todo o complexo da mágica Piranhas, ponto de partida.
“A Estrada de Ferro Paulo Afonso (Piranhas-Jatobá), construída por ordem do Imperador D. Pedro II, tinha por objetivo ligar o baixo ao submédio São Francisco, já que o trecho a partir de Piranhas a Jatobá não era navegável em razão da cachoeira de Paulo Afonso. Para isso, autorizou a realização de estudos com o objetivo de fazer reconhecimento geral do rio desde o porto de Piranhas até a cachoeira do Sobradinho.
Coube ao engenheiro Carlos Krauss apresentar relatórios, baseados em mapas da região, além de estatísticas comerciais justificando a viabilidade e os custos do projeto. Com 115 quilômetros de extensão, a estrada de ferro deveria contribuir com o desenvolvimento do comércio regional e o tráfego de viajantes. Porém, o volume de mercadorias e de pessoas que circulavam na região não era suficiente para sustentar a via férrea.
Com custos das obras da estrada estimados em 3.735:000$000 (Três mil, setecentos e trinta e cinco contos de réis), conforme consta do relatório de Krauss e previsão de execução em dois anos, o Imperador D. Pedro II, autoriza através de Decreto nº 6.941 de 19.06.1878, os estudos definitivos e construção da estrada de ferro do porto de Piranhas (Alagoas) a Jatobá (Pernambuco). A inauguração da estrada de ferro Paulo Afonso se deu no dia 25.02.1881.
Ao descrever a linha a partir de Piranhas a Jatobá (atual Petrolândia), destaca que a pobreza e a escassez da população na região não tornavam rentável o funcionamento da via, justificando-se a sua construção apenas pela expansão comercial, à medida que encurtava distâncias. Com o funcionamento da linha, em 1881, Piranhas consolidou sua posição de principal entreposto comercial, ligando-se o baixo ao submédio São Francisco.
Quando foi inaugurada a linha férrea Paulo Afonso (Piranhas -Jatobá) fazia uma viagem semanal de ida, sentido Piranhas – Jatobá com saída às quintas-feiras, às 7h e chegada às 13h20min e retorno às terças-feiras no mesmo horário. Aos sábados o trem tinha uma viagem de Piranhas à estação da Pedra pela manhã com retorno no fim da tarde.”
Para vencer o desnível topográfico a partir de Piranhas, o início da estrada de ferro contornava os obstáculos que margeavam o São Francisco descortinando deslumbrante espetáculo recheado de contrastes: rio caudaloso, vegetação de caatinga, serrotes atravessados, terra esturricada, pedras, muitas pedras e morros a perder de vista…
Corria à boca miúda o boato de fato pitoresco sobre as categorias dos vagões de passageiros puxados pela pequena locomotiva. Dizia-se que no momento da compra das passagens, embora todos viajassem nos mesmos vagões, havia diferenciação nos preços dos bilhetes para 1ª e 2ª categorias. Quando o fiscal passava marcando os bilhetes ao ser indagado sobre a diferenciação dos preços, a resposta era sempre a mesma:
- Quando chegar mais à frente você saberá a diferença!
Passado algum tempo e chegando em pontos de aclive acentuado, chegava o fiscal exigindo a compensação braçal daqueles que pagaram por bilhetes mais baratos:
- Quem comprou bilhete de segunda categoria desce para empurrar o trem…
Era pouco provável que as fofocas tivessem algum fundamento levando em conta a segurança dos passageiros, mas que existiam, existiam…
Assim, com a navegação a vapor e a ferrovia, Piranhas passou por um período de prosperidade econômica, elevando-se político-administrativamente à condição de freguesia, em 1885, de comarca, em 1910, e de cidade, em 1930, isto é, cumpre um ciclo urbanizador. O tempo transcorrido entre a concessão da freguesia e a elevação à cidade mostrou que as alterações em Piranhas, como na maioria das cidades do sertão, ocorrem num ritmo diferenciado das cidades litorâneas nordestinas.
Portanto, pode-se dizer que, a partir de 1930, não ocorreu nenhum fato motivador de crescimento econômico e social. Essa apatia torna-se estagnação com a desativação da via férrea pela Rede Ferroviária Federal, em 1964, por inviabilidade econômica e a consequente expansão das estradas de rodagem.
Já houve inúmeras tentativas de reativação de trecho da estrada de ferro com a finalidade turística, sem êxito. Com a ascensão turística do alto sertão, mais uma vez, o governo estadual incluiu no seu plano de trabalho revitalização de trecho entre Piranhas, Olho D'água do Casado e Delmiro Gouveia.
Fevereiro, 2023
Fontes de referência:
Bonfim, Luiz Rubem F. de Alcântara, Estrada de Ferro Paulo Afonso, sua origem, 2007, Graftech
Nascimento, Edvaldo Francisco, Apresentação do Livro “Estrada de Ferro Paulo Afonso.
website:http://www.ceci-br.org/piranhasWeb1/tombamento/valorhistorico.html
A História da Ferrovia Piranhas /Jatobá traz saudosismo e a visão do meio de transporte como forma de desenvolvimento.
ResponderExcluirParabéns, Xará, pelo resgate histórico daquela Ferrovia.
Um marco no desenvolvimento do alto sertão.
ExcluirA História da Ferrovia Piranhas / Jatobá traz a visão da época do Império do meio de transporte como ferramenta de desenvolvimento.
ResponderExcluirParabéns, Xará, pelo resgate histórico dessa ferrovia.
Valeu.
ExcluirA Ferrovia Piranhas/Jatobá teve grande importância para os sertanejos da época. Hoje, a lembrança é passado. O presente nos brinda com um belíssimo passeio pela estrada da antiga linha férrea, descendo a serra. Uma caminhada de aproximadamente 4 Km em declive suave e paisagem exuberante. Parabén João por resgatar a história e nos deleitar com belíssimas peças de arquitetura literária!
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