Primeiro eu os desconhecia, depois passei a conhecê-los, a ter uma certa antipatia, porque as histórias que aqui chegavam eram sobre tragédias, e com a continuação eu aprendi a conhecer profundamente o amor de um pai e de uma mãe” Foto: Portal Maltanet, por ocasião de lançamento do livro "Memórias e reflexões de um filho dos cangaceiros Corisco e Dadá em Santana do Ipanema no dia 11.02.2022.
SÍLVIO BULHÕES - FILHO DE CORISCO E DADÁ
Em junho de 1970 os alunos do 2º ano de Geografia, do Instituto de Geociências da UFAL-Universidade Federal de Alagoas, sob a coordenação da Professora Maria Teônia de Barros, realizaram um estudo “in loco” na cidade de “Santana do Ipanema, um município do sertão alagoano”, de 13 a 30.06.1970 que resultou na publicação impressa dos resultados. Da delegação excursionista participaram 21 alunos, 06 professores e 01 motorista. Consta do final do exemplar, entrevista realizada pelos professores com o filho de Corisco e Dadá, que foi enviado pelos pais para adoção pelo Padre José Bulhões, o economista e professor Sílvio Hermano de Bulhões, que reproduzimos abaixo. Exemplar do resultado do estudo foi doado a Darras Noya em 19.03.1971.
Os estudos foram assim estruturados:
Capítulo 1 - Complexo Natural e seu Aproveitamento
Equipe:
Maria Hilde de Barros Góes
Antônio Tenório de Melo
Alvacy Lopes do Nascimento
Orientação e coordenação: Professora Miran Marroquim de Quintella Cavalcanti
Capítulo II - Aspectos Gerais de: agricultura, pecuária e outras atividades primárias
Equipe:
Marisa de Carvalho Souza
Péricles Bertolino Café
Maria Lúcia Alves Leite
Maria Marly Barbosa Cavalcante
Orientação e coordenação: Professora Maria Teônia de Barros
Capítulo III - Desenvolvimento econômico: comércio, indústria e artesanato, comunicações e meios de transporte, energia
Equipe:
Walmar Coelho Breda
Edna Saraiva de Moura
Gracíola de Miranda Laranjeira
Maria Cristina Rodrigues Câmara
Orientação:
Professor Elias Passos Tenório
Professora Vera Lúcia Calheiros
Coordenação: Professora Maria Teônia de Barros
Capítulo IV - Estudo Sociocultural: a cidade, a população
aspectos gerais sobre: educação, recursos assistenciais e cultura
Equipe:
Cleide de Mendonça Cerqueira
Dione Maria Buarque Jucá
Estácio Luiz Correia Valente
Joana D’arc França Mata
Sebastiana Glaciete de Lima
Rosália Gonçalves Ferreira
Orientação e coordenação: Maria Teônia de Barros
Entrevista com o filho do cangaceiro Corisco
Sílvio Bulhões, foto atual reproduzida do
portal Maltanet
Quero apresentar a vocês um jovem que é a prova de que é válida a capacidade do Homem em modificar o seu ambiente, conforme o grau de cultura que possui. Aqui está o Sílvio, o filho de Corisco, um dos Capitães do Bando de Lampião. É um jovem que conseguiu impor-se ao meio não só pela educação que o formou, como também por alguns traços positivos de sua hereditariedade, conforme veremos no decorrer desta entrevista que ele teve a gentileza de nos conceder. E hoje, Sílvio Hermano de Bulhões, é uma pessoa realizada na vida: é economista e professor.
Bem, por estas coisas é que eu fiz questão de apresentá-lo a vocês.
SÍLVIO:
Muito obrigado...Eu posso abrir aquele envelope que contém os retratos?
PROFA. MARIA TEÔNIA:
Pode!... Pois não:...
SÍLVIO:
Eu tive a oportunidade de mostrar a algumas das alunas aqui presentes uma série de fotografias.
PROFA. MARIA TEÔNIA:
Aliás, passou aquele filme " CORISCO O DIABO LOURO"...
SÍLVIO:
Foi...
PROFA. GEORGETTE CASTRO:
Ele era loiro, era?
SÍLVIO:
Um pouco aloirado. Aqui está a fotografia do papai. Estas aqui são outras.
PROFA. MARIA TEÔNIA:
Interessante. Eles usavam cabeleiras compridas como os jovens de hoje…
SÍLVIO:
Esta aqui quando eu era garotinho. Isso aqui é um aspecto um tanto interessante, um aspecto do carinho materno. 0 papel e o cordão são originais, entendem. Eu os conservo. Eu tinha 3 anos quando minha mãe mandou uma carta. Aliás, papai mandou uma carta e nesta carta vinha outra carta, por sinal, tenho aqui o original. A letra é do papai. É uma carta que a gente vê, que a gente sente o misticismo. O interessante é que o português dele era um português mais baseado na fonética do que mesmo no próprio português. Agora, a gente sente o espírito religioso, um místico, quer dizer uma religião destino do homem da seca atual. Eu poderia até traduzir aqui. Aqui tem: "Ilustríssimo, Excelentíssimo e Reverendíssimo compadre Bulhões".
PROFA. MARIA TEÔNIA:
Eu quero que você explique aos presentes quem era compadre Bulhões.
SÍLVIO:
O Padre Bulhões foi a pessoa mais fantástica que houve aqui nesta região. Não querendo menosprezar os demais. Padre Bulhões era uma pessoa que fazia questão, mais questão mesmo; basta dizer que dia de sábado, que é o dia da feira tradicional de Santana do Ipanema, nós tínhamos lá a primeira mesa ( mesa tradicional da casa do Padre Bulhões era uma mesa assim de uns 15 metros de comprimento. Parecia a "Ceia Larga" ). Nós tínhamos todos os sábados a primeira mesa, a segunda mesa e na terceira mesa era que o Padre Bulhões ia comer com os compadres dele. Eram os chamados hóspedes permanentes. Então, era um homem fabuloso! Aliás, tem toda a população daqui da região para afirmar estas minhas palavras a respeito do meu pai de criação. Então, aqui papai escreve para ele uma das cartas: "Ilustríssimo, Excelentíssimo e Reverendíssimo Padre Bulhões" Saúde Paz de Deus vos guarde. ( Há um detalhe muito interessante. Todas as cartas de papai ele sempre frisava "saúde, paz de Deus ou paz de espírito."
Aqui ele então diz: "Saúde, paz de Deus vos guarde. Será para mim um grande prazer se esta carta for lhe encontrar com saúde juntamente com o filhinho e todos que lhe forem caros.
Compadre Bulhões, o fim desta carta é para o senhor me mandar uma BÍBLIA SAGRADA ( aí vai o espírito religioso ) do Velho Testamento e Novo. Pois, já pedi a dois padres e eles só me deram foi promessa e por promessa ficou. Mas, agora eu confio em Deus primeiro e também confio em vós mandar uma Bíblia a como também o Santo de Nossa Senhora e o oferecimento do Credo. Mande o retrato de meu filhinho pois eu tenho, mas é dele pequeno. Bote uma bênção em meu filhinho que eu e Dadá manda. Acompanha lembrança e este retrato.
PROFA.GEORGETTE CASTRO:
Quem era Dadá?
SÍLVIO:
É a minha mãe…
"Nada mais Cristino Gomes da Silva Cleto - CORISCO".
Inclusive, na carta que ele mandou para o padre foi um tanto desaforada. E por isso que gosto dele , entendem? Gosto de papai por esse desaforo bem intencionado. A primeira eu não tenho aqui o modelo porque Melquíades da Rocha, irmão do médico Ezechias da Rocha a tem no Rio de Janeiro.
Papai, quando me mandou para o Padre, enviou uma carta. "Ilustríssimo e Reverendíssimo Padre José Bulhões. Vai esta criança para o Senhor criar. Olhe ( esse olhe é uma imposição ), crie da melhor forma possível como se fosse o mesmo Capitão Corisco, Chefe de Grupo dos Grandes Cangaceiros ( ele se orgulhava de ser chefe de grupo dos Grandes Cangaceiros; mas queria que o filho fosse educado de outro modo).
Então foi um pai fabuloso. Não é? E junto com este retrato veio essa relíquia que foi inspiração de mamãe. Ela cortou alguns cachos do cabelo de papai e mandou para o filho. Eu tenho isto aqui como relíquia. Quer dizer - que um pai desse é um pai fabuloso. Aqui é o carinho materno.
Eu tinha 3 anos, ia completar 4, quando ela me mandou isso o corte do cabelo de papai.
PROFA. GEORGETTE CASTRO:
Tem irmãos?
SÍLVIO:
Tenho duas irmãs...Este carta aqui não é original.0 original até hoje eu não sei onde anda. De uma coisa estou certo que a carta é dele.
"Reverendíssimo Padre José Bulhões. Saúde, paz - de Espírito ( vem sempre a paz de espírito ele sentia isso) do senhor e com os que forem caro. A presente tem por fim avisá-lo que agora no dia 16.02.1940, foi celebrado o meu enlace matrimonial e, peço ao bom compadre avisar ao meu bom compadre Medeiros (pai de Fernando Medeiros )bem como lançar uma bênção nos bebês não só minha como da inesquecível Dadá."
Nesse bilhete foi enxertado uma espécie de mensagem para os filhos.
"Silvio, meu filhinho, peço-lhe como mãe que seja amigo de suas irmãzinhas pelo amor de sua mamãe"...Continua papai: "Compadre tendo alguma coisa para escrever pode mandar pelo próprio portador que é competente amigo.
Nada mais oferecendo para o momento, assina seu compadre amigo com o abraço de Cristino Gomes da Silva Cleto vulgo Corisco e Dadá. Lembranças gerais".
Havia assim essas originalidades fabulosas (professora Maria Teônia nessas mensagens) mas, que sempre tem aquele carinho paterno e sempre desejando que o filho fosse alguém. É um detalhe muito interessante e é isso que faz levar papai na conta do maior pai do mundo.
Depois desse casamento que foi feito pelo padre Bruno que mora na cidade sergipana de Gararu, nas margens do rio São Francisco. Ele conversando com mamãe - mamãe depois me contou.
Quando mamãe veio aqui tinha concluído Economia. Mamãe me disse: Meu filho você se formou em quê? Eu respondi: eu me formei em Ciências Econômicas. Notei que mamãe ficou triste... Isso me estranhou...e perguntei!
Mamãe, por que a senhora ficou triste? E o seguinte, meu filho ...depois do nosso casamento seu pai falando comigo disse: - Dadá... tá vendo aquele menino que está sendo criado pelo Padre Bulhões...Ele vai ser um Doutor para tirar a gente dessa vida desgraçada! Esse Doutor subtende-se que eu seria um advogado para advogar a causa deles...E eu segui uma carreira diferente...A carreira de economista. Foi por isso que notei a tristeza dela quando soube que o Doutor não era aquele Doutor que ela esperava. Foi Economia, mas ela queria que eu fosse Bacharel em Direito, para advogar a causa deles. Mas isso me deiха com a consciência tranquila porque se eu não consegui tirá-los daquela vida irregular porém tirei de uma exposição macabra...e eu acho que, de certo modo, paguei aquela dívida.
Quanto às cabeças, o caso é o seguinte: Lampião quando foi morto em 1938, o Dr. José Lages doou-as para o Instituto Lívio Rodrigues. Então as cabeças de Lampião e do grupo foram para lá. Papai morreu em 1940. Foi sepultado e cinco dias depois alguém teve a inspiração de levar sua cabeça para Salvador, vez que lá estavam as de Lampião e do grupo. Desenterraram o papai cinco (5) dias depois de ter sido sepultado e mandaram a cabeça e o braço direito...0 braço direito dele era paralítico. Paralítico há mais de um (1) ano...Estava todo seco em consequência de um projétil de fuzil.
Em 1964 encetei movimento no sentido de serem sepultadas todas as cabeças do grupo. De um lado estava eu e do outro o filho do Dr. Estácio de Lima. Conseguimos vencer esta batalha, não venci ainda completamente. Em fevereiro do próximo ano (1971) eu vou solicitar a transladação dos restos mortais de papai aqui para Santana do Ipanema. Vou cremar a cabeça e o braço. A cabeça está embalsamada. Quer dizer, deixando-a sepultada em qualquer época que a tire, ela estará prontinha para voltar para o Museu, podemos assim dizer...Então, para evitar isso, eu vou cremá-la e colocar numa urna juntamente com a outra parte dos restos mortais que se encontram em Djalma Dutra, Estado da Bahia... Concluindo tudo isso minha vitória está ganha de todo.
PROFA. MARIA TEÔNIA:
Você sabe alguma coisa por que seu pai se tornou um bandido?
SÍLVIO:
Bem...a história não sei se alguém aqui assistiu ao filme "CORISCO O DIABO LOURO". Há uma série de deturpações na história, principalmente, a versão de como ele entrou para o Grupo de Lampião. Papai morava aqui na cidade vizinha de Delmiro Gouveia. Ele vendia na feira...Era como chamam aqui.... é um termo regional "MANGAIEIRO"...Ele vendia bugigangas...Rapazote assim dos seus 13 para 14 anos foi cobrado pelo fiscal da prefeitura sobre a taxa do terreno (da área) que o vendedor ocupa na feira...Ele pagou...Acontece que o fiscal, por um engano, voltou e cobrou de novo. Cristino você não pagou aqui a taxa do terreno. Paguei. Não pagou... Paguei...Então daí surgiu o diálogo...0 fiscal então disse: você não - pode me desmentir que você é um ladrão!...E espancou papai... Para o sertanejo a maior coisa feia do mundo é levar um tapa na cara, ser espancado diante de todo mundo...Ele então se sentiu humilhado com aquilo...Saiu de Delmiro e foi para Aracaju ( Estado de Sergipe )...Lá foi servir no Exército...E quando houve aquele movimento revolucionário de "Maynar Gomes" e o próprio exército de Aracaju ficou dividido: uma turma a favor da situação a outra prol revolucionária. E acontece que o batalhão em que ele servia ficou a favor dos revolucionários, cuja revolução foi abafada…
Quando ele viu que a derrota estava próxima, desertou do exército e veio para casa de uma madrinha dele em Laranjeiras, Estado de Sergipe. Foi lá que, quando se encontrou com Lampião, expôs ao chefe do Grupo toda sua história. Lampião o aconselhou da seguinte maneira: bem, meu amigo é o seguinte: você levou tapa de um fiscal da prefeitura; estava no exército, o resultado ficou do lado derrotado. Se você se entregar, lhe matam...Entre para o meu grupo - que é a melhor coisa que você pode fazer - pelo menos antes de você morrer você mata uns dois ou três pestes para vingar sua morte. É uma teoria bárbara não é?...E ele fez isso...Entrou...e fez uma coisa que não deixa de ser um tanto negativa...Matou o rapaz que o tinha espancado, o fiscal da feira. Vingou-se para não ser desmoralizado, vingou-se para ter nome de homem limpo - isso entre parênteses… Daí ele continuou no cangaço até quando não pôde mais seguir.
PROFA.MARIA TEÔNIA:
Então, Silvio, você tira a seguinte conclusão: que os fatores, talvez, de injustiça social e educacional tenham concorrido para o seu pai chegar ao cangaço?
SÍLVIO:
O fator socioeconômico é um deles. O educacional, por sua vez, não deixa de ser a base fundamental de tudo. Meu pai era um letrado do grupo. Quando ele escrevia "i" era um "i" com o pontinho. Meu pai apesar do ambiente em que viveu, queria que o filho fosse educado. Fosse um doutor para tirá-lo daquela vida desgraçada.
PROFA.MARIA TEÔNIA:
Ele tinha visão!..
SÍLVIO:
Tinha visão, sim! ...Há um detalhe muito importante - pessoas que, lamentavelmente, aqui eu não posso citar os nomes, mas que é do conhecimento de todos. Disseram: Sílvio,- se você quiser ir buscar a cabeça de seu pai eu tenho 5 (cinco) homens com disposição e garanto que a gente tira a cabeça na "marra".
Eu jamais poderia aceitar esse convite porque se eu fizesse isso iriam dizer que "filho de peixe e peixinho".. Eu teria que honrar o nome de meu pai a meu modo. Como graças a Deus, eu venho… com a educação que recebi, é claro.
PROFA. MARIA TEÔNIA:
Sílvio, você não deixa de ter assim, uma parte do temperamento dele? Agora você se modificou, não?
SÍLVIO:
Há uma coisa muito interessante. Consegui vencer isso, mas é uma coisa muito interessante. Qualquer cidadão que receber uma afronta moral ele pode revidar. Qualquer cidadão dos presentes, aqui, menos eu. Mesmo que, com a ofensa, eu tenha direito ao revide - se eu revidar - “ filho de peixe é peixinho” …Vem logo aquele célebre ditado. A fim de que eu possa honrar meu pai, inclusive, eu tenho que passar por covarde. Prefiro passar por covarde honrando o nome de -- meu pai do que passar por homem normal maculando o nome dele. Talvez seja até uma incoerência: macular o nome de Corisco; Corisco um cangaceiro; cheio de mágoas mas foi um pai cheio de virtudes, então eu tenho que honrar o seu nome.
ANTÔNIO PÉRICLES: Sílvio, no filme diz que ele ( seu pai ) queria se entregar à polícia. Para quê? Você sabe? E no filme diz ele que queria se entregar, realmente. Todavia na hora em que ele ia se entregar à polícia, aquele tenente, que estava a procura dele, há muitos anos, teve um intuito de vingança, para mostrar que era soldado do governo, mas não só do governo, era um homem que queria vingar-se e ter o nome do homem que matou o homem que vivia no cangaço. Isso foi verdade?
SÍLVIO:
Não, não foi; aquele caso, o filme deturpou um pouco, para efeito publicitário, naturalmente...porque o seguinte: José Rufino foi quem matou o papai - por sinal - este homem andava apavorado com medo que fosse matá-lo. É fato comprovado porque a mulher dele revelou isso em gravação e eu tive oportunidade de ouvir esta gravação de uma equipe que passou em Jeremoabo, aqui pertinho. Agora aconteceu uma coincidência gozada. José Rufino, no roteiro do filme, desde do início começa perseguindo papai, mas não houve aquilo. José Rufino teve realmente alguns combates com papai, todavia não houve aquela sequência de roteiro que o filme demonstra. O filme talvez faça aquilo para que haja uma certa analogia ou uma sequência que o público aceite. Agora aconteceu uma coincidência gozada: Eu sepultei papai nos primeiros dias de fevereiro de 1969. No dia em que eu sepultei os restos mortais de papai, que estavam na exposição, José Rufino, vítima de um colapso, morria. Eu me vinguei sem me vingar...Eu não pretendia essa vingança.
PROFA.MARIA TEÔNIA:
Sílvio, quando você era menino você não alimentava o desejo de querer vingar-se, ou não, quando você soube? Ou nunca teve?
SILVIO:
Para dizer a verdade eu tive. Mas sabe o que acontece, em primeiro lugar uma coisa interessante. Essa vontade eu tive em primeiro lugar. O caso de meu pai houve dois aspectos: em primeiro lugar um aspecto de repúdio. Eu tinha um verdadeiro repúdio por Corisco, um verdadeiro ódio. Fui criado pelo Padre Bulhões. Ao irmão de Padre Bulhões, eu chamava de pai. A irmã de Padre Bulhões, eu a chamava de mãe.
PROFA.MARIA TEÔNIA:
E você não chama mais?
SÍLVIO:
Chamo ... Estava dizendo chamava porque estava associando. Chamo e é minha mãe de coração mesmo...Eu tenho loucura por ela...
Então quando diziam: "filho de Corisco", aí, há um termo de gíria que diz bem: eu desmontava a mãe do indivíduo: o que era de nome feio que poderia chamar com com a mãe de quem me chamasse filho de Corisco, eu chamava... Porque os meus pais eram aqueles que eu conhecia...Eu vim saber quem era meu pai numa visita de uma caravana em direção a Paulo Afonso e essa caravana chegou lá e disse: Padre Bulhões como vai?!.....Um amigo de Padre Bulhões falou: esse é o filho de Corisco?... Não!!! Não e piscou o olho, de um ângulo que eu presenciei... Então o Padre mandou que eu fosse brincar e eu era assim um garoto de nove (9) anos mais ou menos...Saí da sala...Ele ficou sentado numa cadeira...eu, menino...mete-se em tudo que é buraco, consegui arrodear e cheguei atrás da cadeira dele fiquei e ele não notou...E ele disse, realmente, esse é o menino que Corisco me mandou...Aí, pela primeira vez eu vim ficar sabendo que era filho de Corisco...Ainda hoje eu admiro a minha própria reação.
Não houve assim aquele impacto moral em saber que o homem a quem tanto eu detestava quando chamavam de meu pai e de repente ficar sabendo que na verdade ele era o meu verdadeiro pai...A partir daquele dia a minha reação foi a mais simples possível.
Hoje fico admirado...Quando diziam "filho de Corisco" no sentido pejorativo, vinha logo a minha reação, já não era condenando Corisco, mas defendendo Corisco. Quando diziam "filho de Corisco normalmente eu aceitava. E naquela primeira fase do conhecimento disso, quer dizer, nos primeiros anos eu almejei vingar...Era o meu papel dentro da filosofia sertaneja...Mas quando eu comecei a ter ensinamentos, por sinal, devo o que sou hoje, em primeiro lugar o Padre Bulhões que me orientou e em segundo lugar, que poderia dizer como primeiro, porém, lamentavelmente, por ordem cronológica não posso; ao Padre Teófanes de Barros. É um fato...Tudo que sou hoje eu devo ao Padre Teófanes...Estudei no Colégio Guido...A situação financeira do Padre Bulhões ficou um tanto difícil, então de estudante eu passei a funcionário do Colégio Guido, na época do meu amigo (Prof. Elias), era estudante e passei a funcionar como censor.
PROFA. MARIA TEÔNIA:
Foi meu aluno.
SÍLVIO:
Não queira saber o orgulho imenso que eu sinto ter sido aluno de minha comadre Teônia...É um orgulho fabuloso…
PROFA. MARIA TEÔNIA:
Aguentou, tanta exigência…
SÍLVIO:
Havia muita exigência, mas em compensação os frutos foram fabulosos; todavia eu nunca senti e nunca fui vítima dessas exigências…
ANTÔNIO PÉRICLES:
Você não sente, como muitos que são criados por outros que seus verdadeiros pais os despreza. Você sentiu, viu realmente no filme o sacrifício que sua mãe e seu pai fizeram para vir ao mundo. Então, você não nos nega quem são os verdadeiros pais como tem os outros que eu tenho conhecido que negam os seus verdadeiros pais porque são pobres, etc... Eu me orgulho em saber que você não nega quem são seus verdadeiros pais...
SÍLVIO:
Por sinal, eu tenho uma dúvida terrível. Já houve a oportunidade das minhas duas mães estarem presentes. A Dadá, minha mãe legítima, e Liquinha, minha mãe de - criação. E formularem uma pergunta: Qual das duas você gosta mais?
Eu posso responder? Não! Nunca respondi ninguém até hoje, nem jamais responderei. E um segredo que eu levo para o túmulo... Uma das duas eu gosto mais um pouquinho...
PROFA.GEORGETTE CASTRO:
É a Liquinha?...
SÍLVIO:
Não respondo… Ah! Ah! Não respondo... A outra eu adoro porque se sacrificou do convívio do filho para o bem do próprio filho...eu adoro...A de cá, também eu adoro... Agora eu jamais destaco um pouquinho.
A uma das duas que gosto mais, mas isso é super segredo de Estado…
PROF.EDUARDO ALMEIDA:
Essas foram palavras de Silvio, filho do grande Corisco, um dos capitães do Bando de Lampião, mas que hoje já formado em Ciências Econômicas, Professor, aqui em Santana do Ipanema, apresenta um "status" de vida bem - diferente, bem modificado daquele que viveu seu pai, que - teve sua vida coagida pelas pressões socioeconômicas da época…
Junho, 1970
Para saber mais:
Quem foi o Padre Bulhões? Clique para ler
Assista ao documentário "O Mar de Corisco" Clique para assistir
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Fonte de referência:
Santana do Ipanema, um município do sertão Alagoano
- Estudo "in loco" feito por alunos do 2º ano de Geografia, do Instituto de Geociências da UFAL-Universidade Federal de Alagoas, sob a coordenação da Professora Maria Teônia de Barros.
Santana do Ipanema, um município do sertão Alagoano
- Estudo "in loco" feito por alunos do 2º ano de Geografia, do Instituto de Geociências da UFAL-Universidade Federal de Alagoas, sob a coordenação da Professora Maria Teônia de Barros.
Boa tarde meu amigo Xará!
ResponderExcluirBela reprodução... Como não li os livros relacionados, pude, em resumo, ter a compreensão dos registros.
Parabéns.
João Neto Oliveira
Valeu Xará ! A história do professor Sílvio é cativante.
ExcluirQue documentário bom! Parabéns, João! Trazer isso à tona é muito importante, tanto pela representatividade dos personagens na história santanense e alagoana, quanto pela exposição que o tema tem hoje no país.
ResponderExcluirJoselito, obrigado pelas suas considerações.
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