centro comercial, década de 1940 |
"Conheci Onildo Nepomuceno em Santana do Ipanema quando era eu ainda quase um adolescente e ele um moço de tradicional família da cidade, no final da década de 1940, descreveu o escritor Amaro Guedes(1925-). Estatura acima de mediana, magrelo, desfigurado e, acima de tudo, desordenado, mas de uma inteligência fértil e possuidor de cultura admirável. Levava vida irregular, pois se entregara ao vício da embriaguez logo que terminara o ginásio. Vivia numa boemia desregrada, sem método, transformando assim a sua existência numa nau sem leme em dia tempestuoso.
O seu "modus vivendi" se assemelhava ao dos parnasianos que brilharam no fim do século passado e princípio deste: Bilac, Emílio de Menezes, Paula Nery, Pardal Mallet, o nosso Guimarães Passos e outros. A literatura era o húmus que alimentava o seu espírito. Não largava um pacote de revistas e jornais que trazia, quase que permanentemente, debaixo do braço. Mesmo nos momentos de pouca lucidez, dado o seu estado etílico, o cérebro não lhe ficava estéril.
Cronista primoroso escrevia com sublimidade, clareza, os vocábulos fáceis, acessível a qualquer nível intelectual. A sua meca era o bar do Siloé, local onde nos reuníamos para bebericar, ouvir música e jogar sinuca. Cito os mais assíduos: Jaime Costa, Adejasme, José Constantino, Jonas Pacífico, João Clímaco, Ávio Damasceno Mesquita e o bonachão Chico Mendes. Proseávamos demais e o Júlio Pé-Cortado, gerente, nos servia amavelmente.
O Onildo sempre estava à nossa mesa, "alto" como de costume, mas lúcido, cheio de verve, espirituoso, com o talento que Deus lhe deu, declamando os versos que imortalizaram Francisco Otaviano: "Quem passou pela vida em branca nuvem/ E em plácido repouso adormeceu/ Quem não sentiu o frio da desgraça/ Quem passou pela vida e não sofreu Foi espectro de homem, não foi homem/ Só passou pela vida, não viveu".
Eciano, no mármore da mesa escrevia períodos inteiros do "Primo Basílio"(Eça de Queiroz,1845-1900); versos de Castro Alves(1847-1871), "Navio Negreiro"; de Fagundes Varela(1841-1875), "Cântico do Calvário", seus poemas preferidos. Lia muito Olavo Bilac(1865-1918), e sabia de cor alguns sonetos da "Via Láctea". Nos momentos de euforia, às vezes, se transformava e caía numa melancolia profunda. Conhecia o drama que atormentava o seu espírito. E ele deglutindo mais uma dose, muito solene, rememorava o seu grande amor.
Após minha saída de Santana, passados três ou quatro anos, encontrei o Onildo em Maceió. Quase não o reconheço. Havia deixado de beber. Contou-me tudo. Achava-se em minha frente um atleta de bíceps enormes, com muito sangue nas veias. Pouco tempo depois surpreendeu-me a notícia da sua morte. Ironia do destino. Foi-se uma inteligência, um amigo, um literato. Será que Santana do Ipanema cultua e homenageia a sua memória?
Ele era filho de Manoel Nepomuceno, seu Nezinho, primeiro empresário da “Casa O Ferrageiro” e dona Miúda. Irmão de Aurélia. Não sei onde estudou, se no Recife, Maceió ou Aracaju. O Soneto foi dedicado a uma jovem, sua paixão, que estivera em Santana, hóspede do padre Bulhões. Diziam que ela tocara piano na casa do padre.
Ilusão do amor
Sou cativo do teu agrado, meu amor.
Feliz quando em teus braços adormeço.
Sofro resignadamente, pois reconheço
Impossível ser, amenizar a minha dor
Desde tua partida, sinto-me tão só
Amargurado com essa separação
Que aos poucos se esvai do meu coração
A chama da vida, Esperança Jó.
Tivesse asa a ti transportaria
Pelo além dos céus, oh que alegria!
A humana fraca matéria do meu ser.
Depois, então, eu talvez até morresse
Para que repente em ti nascesse
O amor que em vida não pude ter.
Faleceu em decorrência de câncer na garganta. Frequentava o Bar do Tonho já doente. Era viciado no cafezinho do bar. O Bar do Tonho ou “Café Atraente”, situado logo abaixo da escadaria do sobrado de Maria Sabão, no centro da cidade, era ponto de encontro da sociedade. Local onde de tudo se tratava; política, literatura, xadrez, dama, palavras cruzadas, futebol e, claro, da vida alheia."
Em 1959, por ocasião da programação inaugural da “Festa da Mocidade”, atual “Festa da Juventude”, fundada pelos jovens idealistas Emílio Silva, estudante secundarista do Colégio Diocesano de Garanhuns, Geraldo Bulhões (1938-2019), acadêmico de direito na UFAL-Universidade Federal de Alagoas e Nestor Peixoto Noya(1940-2016), secundarista do Colégio Batista Alagoano de Maceió, foi fundado o grêmio lítero recreativo “Onildo Nepomuceno” em homenagem ao jovem poeta e ex-professor de matemática, que tanto fez em prol da juventude santanense quando fazia parte do corpo docente do Ginásio Santana.
O texto contém trechos de crônicas de Amaro da Rocha Guedes e Djalma Carvalho.
Novembro, 2022
Você e suas joias biográficas cada vez mais surpreendente..Dessa vez foi Onildo Nepomuceno, um professor e intelectual filho de Manoel Nepomuceno..Confesso que ouvi falar quando na minha juventude, mas sem essa riqueza de detalhes.
ResponderExcluirParabens Xará por mais esse resgate..
Boa noite Xará!
ResponderExcluirNão o conheci mas, depois de descrição...kkk...É mesmo que tivesse conhecido...
Parabéns, mais uma vez.
Um abraço
João Neto Oliveira