Quando a missão holandesa aportou em Alagoas em 1968, concretizava-se parte da modernização da igreja católica, fruto das ações renovadoras do Concílio Vaticano iniciado pelo Papa João XXIII(1881-1963) e concluídos pelo Papa Paulo VI(1897-1978), chegando à recém-criada diocese de Palmeira do Índios. As Irmãs Franciscanas Missionárias de Santo Antônio de Pádua trouxeram consigo as sementes do novo tempo.
Parte da congregação ficou na sede, outra foi para Santana do Ipanema e Pão de Açúcar. O trabalho das religiosas foi fundamental para ampliar e apoiar a missão solitária dos padres nas paróquias de grandes extensões territoriais. Com o foco na educação formal de jovens e na oferta dos serviços básicos de saúde às mães pobres sertanejas. A revolução silenciosa transformou a vida de muitas sertanejas.
As monjas Laetitia Van Fulpen - irmã Letícia (1930-2019) e Leontia Berkitovt - irmã Leôncia(1928-2013) chegaram a Santana do Ipanema através de Dom Otávio Aguiar, primeiro bispo da diocese. As missionárias foram acolhidas como se da terra fossem pela sociedade santanense e pela paróquia de Senhora Santana, então dirigida pelo padre Luiz Cirilo Silva(1915-1982).
Irmã Leôncia, sisuda e objetiva, dedicou-se à saúde e à assistência social, cuidando de gestantes carentes. Em terreno contíguo foi construído, na avenida Dr. Arsênio Moreira o posto de puericultura e, no outro lado da rua, a residência. Em sua homenagem foi criado o Clube de Mães - Irmã Leôncia. Recordo-me da freira dirigindo seu acelerado fusca bege que teimosamente andava na segunda marcha.
Em 04.11.2005, em sua homenagem foi inaugurado o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Irmã Leôncia. No centro, pessoas com distúrbios mentais, ou dependentes de drogas ilícitas ou lícitas são acolhidos para tratamento e acompanhamento.
Irmã Letícia, comunicativa e mediadora, pôs-se a serviço da educação de crianças e jovens do ensino fundamental, construindo o Instituto Sagrada Família, do qual foi fundadora e diretora. No trajeto ao colégio a irmã deslocava-se diariamente pedalando sua bicicleta, hábito da cultura holandesa. Várias gerações foram educadas no Instituto Sagrada Família.
Para desenvolver os trabalhos, receberam doações dos santanenses e muito mais dos conterrâneos e instituições dos Países Baixos. Eram visíveis as inúmeras caixas de doações que chegavam da Holanda pelos correios com roupas e mantimentos. Até o Grupo Escolar Padre Francisco Correia recebia doações de leite em pó, recordo-me muito bem, pois nas embalagens continham palavras estrangeiras.
Periodicamente outros missionários da congregação reforçavam a equipe, dentre eles: Ana, Patrícia, Helena, Tonny e Luciana Van Den Eiden. Recordo-me do padre Timóteo, sorridente, quase 1,90 de altura, honrando a tradição do povo mais alto do mundo. Adaptando-se ao idioma, misturava alguns fonemas. Na oração eucarística dizia: O Senhor esteja convasco! Era motivo de risos… Nunca esqueci !
Na década de 1980, a irmã Letícia nos acompanhou e assessorou nas atividades do grupo de jovens cristãos da paróquia de Senhora Santana, inclusive cedendo o auditório do colégio para eventos, encontros e reuniões. Tive oportunidade de conversar sobre diversos temas. Uma das conversas continua viva nas minhas lembranças.
Grupo de jovens cristãos. Década de 1980.
Certo dia a interroguei:
- Irmã, qual a diferença entre os jovens nordestinos e holandeses?
De pronto, respondeu:
- Os jovens nordestinos têm várias dificuldades materiais: trabalho, ensino de qualidade, sobrevivência digna, mas têm fé. Os jovens holandeses não têm problemas materiais, porém sobram problemas existenciais…
A irmã Letícia era uma pessoa muito querida, sincera e solidária. Era prazerosa sua companhia debatendo a fé e o serviço social entre os jovens.
Em reconhecimento ao seu legado em 30.03.1984, a Câmara de Vereadores conferiu à irmã Letícia o título de Cidadã Honorária de Santana do Ipanema. Não sabemos o porquê da irmã Leôncia também não ter sido agraciada com a deferência. Afinal, ambas se puseram a serviço do povo santanense, especialmente dos mais carentes.
Com os elevados custos de manutenção, o colégio passou a enfrentar dificuldades financeiras que inviabilizaram a continuidade dos serviços. Por desentendimentos com o padre Delorizano(1944-2018), no tocante às obras sociais desenvolvidas - e muito bem - pelas Irmãs Franciscanas de Santo Antônio, principalmente em relação ao Instituto Sagrada Família, a missionária decidiu retornar à Holanda em 1995. Em fevereiro de 2003, o Instituto Sagrada Família encerrou definitivamente suas atividades, marcando o fim de uma era de um dos marcos educacionais da terra. Irmã Letícia faleceu em 22.12.2019 em sua terra natal.
A irmã Leôncia aqui permaneceu até 01.05.2001 e faleceu em terras holandesas, por volta de abril de 2013, aos 85 anos, segundo a nossa simpática colaboradora Terezinha Francisca da Silva que trabalhou por 40 anos com as saudosas religiosas.
Jamais esqueceremos das religiosas que deixaram sua terra e se colocaram a serviço dos mais humildes, prestando inúmeros serviços sociais, médicos, financeiros, educacionais e cuidados com os idosos.
As sementes do novo tempo lançaram-se, cresceram e produziram frutos. Outras tantas se multiplicaram e permanecem brotando indefinidamente porque foram frutos de dedicação, confirmando a boa-nova de que os exemplos contêm fertilidade infinita. Mesmo que muitos não vejam, permanecem germinando e se espalhando por todos os lugares.
Novembro, 2022
Eita Xará!
ResponderExcluirDessa forma você tornou muito viva a memória das irmãs...Prá quem viveu e prá quem não viveu, o relato é esclarecedor e enriquece a história...
Parabéns...
João Neto Oliveira
Exemplos da vida para todos nós.
ExcluirAs bem-aventurados irmãs Holandesas que marcaram época e deixaram sua marca em Santana do Ipanema.
ResponderExcluirParabéns, João de Liô, por trazer esses anjos através desse relato..
Inesquecíveis.
ExcluirInesquecível Colégio querido !
ResponderExcluirmarca indelével na história.
ExcluirJusta homenagem João, elas foram decisivas em vários aspectos. Estive com Irmã Letícia na Holanda, conversamos muito. Durante a conversa ela vez por outra misturava as línguas.
ResponderExcluirDepoimento valioso. Agredecemos!
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