Depois de Seu Hermínio Firmo (†1950), (clique para conhecer) um dos maiores artistas visuais que tivemos foi, sem dúvida, Seu Luiz Dantas. Luiz Mendonça Dantas(1927-1992), natural de Porto Real do Colégio, era servidor público estadual, que chegou a Santana do Ipanema nos anos 60, para assumir o cargo de fiscal de renda. Introspectivo, sisudo, transbordando criatividade à flor da pele era o seu jeito de ser.
Seu Luiz, na década de 1970, adquiriu um imóvel na margem direita da AL130, bem perto da cidade. Olhos de lince, vislumbrou a forma de um sapo numa pedra na parte baixa da sua chácara. Rabiscou linhas, destacou sombras e meios-tons e, em pouco tempo, deu forma ao fictício anfíbio, imortalizando-o numa rocha. O monumento ainda pode ser visto por quem trafega naquele trecho da rodovia.
Naqueles anos a seca e a fome assolaram o Nordeste brasileiro, mas trouxe-nos um destaque inusitado: Santana do Ipanema tornou-se o segundo maior produtor de feijão do Nordeste depois de Irecê, Bahia. Aproveitando a oportunidade, o Rotary Clube idealizou a “Festa do Feijão” com o objetivo de conquistar recursos para a implantação da Escola Rotary que se mantém até os dias atuais. O evento tornou-se muito maior do que os seus fundadores esperavam, extrapolou fronteiras e ganhou repercussão nacional nas quatro edições realizadas no período de 1971 a 1974.
Desfilavam pelas ruas da cidade carros alegóricos enaltecendo a cadeia produtiva, trabalhadores, incluindo as representações das cidades do entorno produtoras do grão. Seu Luiz Dantas foi agraciado pela vida com raras habilidades, misto de design, marceneiro, serralheiro, eletricista e pintor, sendo o principal responsável pelas produções das estruturas que se integravam aos veículos com requinte e fidelidade aos temas.
Carro alegórico demonstrando as etapas da cultura
Foto: Revista "O Cruzeiro", 1972
Naquela época, a cidade tinha um concorrido e agitado carnaval, cujo ápice era o desfile de duas escolas de samba: "Juventude no Ritmo” e "Unidos do Monumento”. Seguindo a inspiração das escolas do Rio de Janeiro, os desfiles eram acirrados e torcidas exaltadas, porém quem ganhava mesmo era o público que assistia a evoluções deslumbrantes.
Em 1976, a Escola Juventude no Ritmo composta por mais de 280 figurantes sagrou-se campeã do carnaval defendendo o enredo “No Reino da Mãe do Ouro”(Clique para ouvir), após muitos anos de espera. Diz ainda a matéria publicada no jornal Gazeta de Alagoas de 05.03.1976: “A sua apresentação foi das mais bonitas, principalmente o carro alegórico que conduzia a “Mãe do Ouro”. Fato curioso é que a jovem de representava a “mãe do ouro”, Maria Vilma, tornar-se-ia, anos mais tarde, nora do hábil artista.
Reza a lenda, que a "mãe do ouro" ( personagem do nosso folclore ) era uma mulher que se transformava numa bola de fogo, e como num raio de luz, se precipitava num determinado local, indicando que ali havia uma jazida de ouro! Detalhe: somente os nativos que a viam, poderiam obter o ouro.
Carro alegórico da Mãe do Ouro,
representada pela jovem Maria Vilma
Foto: Capiá
“A apresentação da Juventude no Ritmo, com o seu samba enredo cantado por todos os participantes da escola e seus dois riquíssimos carros alegóricos, fizeram com que ela conseguisse conquistar o título de campeã do carnaval de Santana do Ipanema.” Simbologias metafóricas que ganhavam vida pelas mãos do inquieto artista que cuidava de tudo com esmero.
Nas fantasias dos componentes da bateria carregava-se no peito uma flor artificial que continha uma lâmpada que foi acesa ao anoitecer levando o público ao delírio. Não esqueci do detalhe porque fiz parte da agremiação. O samba enredo foi originalmente defendido naquele ano no Rio de Janeiro pelo G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira.
Contou-nos Lamarck, seu filho, que foi ideia de seu pai a ousada e inédita ornamentação na década de 1980 com lâmpadas incandescentes no frontispício da igreja matriz de Senhora Sant’Ana no período dos festejos anuais. O elétrico ornato era composto por mais de mil lâmpadas que alcançavam a torre agulhada a 35 metros. Espetáculo de luz e cor que enobrece os olhares da fé até os dias atuais. Convidado pelo prefeito Gildo Rodrigues, fez igual adorno na igreja de São Sebastião de Poço das Trincheiras.
Sílvio Melo (Seu Silva), prestou o seguinte depoimento: “Não esqueço do ano em que a escola de samba, creio que a “Juventude no Ritmo”, utilizou o samba enredo que falava de Santos Dumont - sempre tendo como inspiração as escolas de samba do Rio - e Seu Luiz Dantas montou uma alegoria de um pequeno avião cujo piloto era Santos Dumont com chapéu e ficava virando a cabeça à proporção que o veículo se deslocava”.
Relatou ainda o Lamark, que houve um período em que Seu Luiz fora transferido para a cidade de Ouro Branco, onde viveu período de calmaria profissional. Aproveitou o tempo livre para fabricar de madeira, parque infantil em miniatura em que os brinquedos eram articulados. A delicada criação encantava adultos e crianças. Sua arte era sua maneira de se comunicar com o mundo. Jamais será esquecido. “O artista é um ser solitário, numa imensidão de pensamentos aleatórios.” Hugo Paz
Produções de Seu Luiz Dantas
Carro alegórico na Festa Nacional do Feijão, 1972 Foto: Acervo João Neto/Darras Noya |
Carro alegórico da Mãe do Ouro, 1976 Foto: Capiá |
Setembro, 2022.
A veia biográfica latente em mais uma excelente reconstituição do passado. Está claro, a cada crônica do tipo, João, que está mais do que madura a necessidade de dar vida impressa a alguma biografia mais extensa de um desses personagens, à sua escolha, ou um compêndio repleto deles. Parabéns @
ResponderExcluirObrigado Fernando, já estamos organizando biografia de santanense para publicar em livro.
ExcluirParabéns, João de Liô, por mais essa biografia de Seu Luis Dantas. Um grande artista. E lendo a biografia, acabei lembrando-me de Seu Agenor da Empresa de Luz de Santana, que na década de 50 construia uma alegoria nos moldes de um Elefante para um determinado bloco Carnavalesco
ResponderExcluirParabéns ,Xará!!
Obrigado Xará. Vamos recuperar a biografia de Seu Agenor.
ExcluirO ano foi 1974, inclusive foi o último ano da apresentação da Escola de Samba Juventude no Ritmo
ResponderExcluirTamanquinho, mandei pra você reportagem do jornal Gazeta de Alagoas comprovando o ano, 1976.
ExcluirTamanquinho
ResponderExcluirVamos corrigir. Obrigado Tamanquinho.
ExcluirEstou verificando novamente meus arquivos para observar os detalhes da reportagem, alem de conversar com integrantes da Escola. Aguarde João Neto para tirarmos a limpo. Com certeza chegaremos a um denominador comum. A reportagem me encucou kkkkkkkkkk - Tamanquinho!
ResponderExcluirPesquise Tamanquinho. Seu parecer é fundamental.
ExcluirDe grande valor biográfico suas contribuições literárias nobre amigo João Neto. Encontramos na sua obra caminhos delineados por sua busca competente, sobre fatos, personalidades, história, acontecimentos , curiosidades, entre outras temáticas voltadas ao universo santanense, que muito tem nos servido como referência de estudo e primazia literária. Parabéns!
ResponderExcluirObrigado amigo. Sinto-me gratificado pelo seu registro.
ExcluirBoa noite Xará!
ResponderExcluirMais um belo registro, autêntico!
É o reconhecimento da arte e do artista!
Hoje, de volta pro Sertão, tenho o prazer de contemplar, essa arte, quase todos dias, se não, semanalmente.
Parabéns
João Neto Oliveira
Valeu Xará!! Obrigado.
ExcluirJoão Neto, você tem realizado registros em suas crônicas de extrema importância para a história, memória e cultura da nossa terra. Resgatar o talento, exercido com simplicidade e pelo amor à arte, do “Seu” Luiz Dantas é mais do que registro. É uma justa homenagem!! Parabéns!!
ResponderExcluirValeu amigo. Nossa história precisa ser contada, como diz Capiá Farias.
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