Cardoso Discos

 



    

O Bar Wanderléa do comerciante Ivaldo Soares Cardoso surgiu em meados da década de 1960, inspirado no sucesso da jovem guarda, homenageando uma das sensações do movimento. O Bar, inicialmente situado na rua Pedro Brandão, no bairro Camoxinga, transferiu-se para o Tênis Clube Santanense, que era ponto de encontro da sociedade santanense e oferecia serviço de som mecânico que tocava e vendia elepês. (LP-Long Play).

Bar Wanderlea. Ivaldo(Val) de camisa clara.

Anos depois mudou-se para centro da cidade, rua Nilo Peçanha, continuando com as atividades de bar e oferecendo serviços de som mecânico cujas capas dos discos eram expostas nas paredes do espaço e, claro, eram um atrativo a mais.

Em 1975 migrou mais uma vez para uma das lojas do espaço térreo do sobrado da esquina do centro, trocando radicalmente a atividade para comercialização de discos, instrumentos e acessórios musicais passando a se chamar “Cardoso Discos”. Era um dos lugares que eu mais frequentava. Não só porque a música me atraia, mas porque eu gostava de olhar os discos um a um, sem contar a receptividade do proprietário “Val” e seu funcionário Anfrízio Lisboa que nos atendia muito bem e, sabendo da dinâmica dos discos, nos deixava à vontade tanto para pesquisar quanto para ouvir qualquer exemplar.



Conversando com o Val, ele nos relatou que comprava os acervos diretamente dos fornecedores em São Paulo e os revendia tanto no varejo, quanto para as lojas das cidades circunvizinhas, razão pela qual permaneceu por quase três décadas no ramo.

Foi pesquisando o acervo da loja que conheci os grandes artistas dos festivais da TV Record e a maravilhosa musicalidade dos mineiros Milton Nascimento e toda a turma do Clube de Esquina, apenas para exemplificar a diversidade do acervo existente, nada devendo às grandes lojas do ramo. Nessa época eu era um menino que não entendia quase nada. O mundo ainda lamentava o fim dos Beatles em 1970. A ditadura militar persistia e muitos brasileiros sofreram as consequências e foram exilados, dentre eles Gilberto Gil, Caetano e Chico Buarque. Até o santanense, estudante de cinema Nestor Noya radicado no Rio de Janeiro, foi exilado no Chile e depois seguiu para a Europa.

Nesse período a influência da música americana e europeia foi tão forte que muitos artistas mudaram de nome e passaram a cantar em inglês, a exemplo da Banda Pholhas, Pete Dunaway (Otávio Augusto), Mark Davis (Fábio Jr), Tony Stevens (Jessé), Michael Sullivan (Ivanilton de Souza Lima) e Morris Albert.

De casa eu ouvia o disco de Morris Albert que tocava sem parar na casa de Seu Hamilton Amaral e dona Terezinha Simões. Maurício Alberto Kaisermann foi o mais bem sucedido entre todos os artistas que se propuseram a gravar em inglês nos anos 70. Suas músicas foram sucesso em mais de 50 países, e versões de “Feelings” (Clique para ouvir) foram gravadas por Julio Iglesias, Barbara Streisand, Shirley Bassey, Andy Williams, Ella Fitzgerald, Nina Simone, Richard Clayderman e até pela banda The Offspring, numa versão punk. Até Lindsay Wagner, num episódio de A Mulher Biônica(1976) cantou esta música!

Ainda na década de 1970 os mais famosos artistas de disco eram Donna Summer, Bee Gees, KC and Sunshine Band, ABBA, Chic e os irmãos The Jacksons. Summer se tornaria a primeira artista de disco popular, recebendo o título de "Rainha da Disco", e também desempenhou um papel pioneiro no som da música eletrônica, que mais tarde tornou-se uma parte da música disco. O filme Saturday Night Fever contribuiu para o aumento da popularidade da disco music. O álbum Saturday Night Fever, (Clique para ouvir) trilha sonora do filme Embalos de Sábado à Noite (título no Brasil) é a segunda trilha sonora mais vendida de todos os tempos, chegando a ocupar a sétima colocação como álbum mais vendido da história com mais de 42 milhões de cópias, de acordo com a revista Billboard.

Até meados da década de 1970 o sinal de retransmissão de TV captado na cidade era da TV Tupi de São Paulo, que estava na vanguarda na produção de telenovelas, inclusive lançando discos das trilhas sonoras que também eram encontrados na loja Cardoso Discos. Foi uma bem sucedida ideia de merchandising que revolucionou o mercado fonográfico, atraindo o público que corria às lojas para adquiri-los. O reforço da canção nas cenas televisivas e cinematográficas fazia muito sucesso porque atingia em cheio as emoções dos espectadores. Eu adquiri vários.

Trilhas sonoras das telenovelas da TV Tupi

A TV Tupi São Paulo foi uma emissora de televisão brasileira sediada em São Paulo Capital. Inaugurada pelo jornalista e empresário Assis Chateaubriand em 1950, foi a primeira emissora de televisão do país, a segunda da América Latina e a sexta do mundo. Pertencia aos Diários Associados, um dos mais importantes conglomerados de mídia da época, do qual faziam parte vários jornais, revistas e rádios. Devido aos inúmeros problemas administrativos e financeiros, teve sua concessão cassada em 1980.

Em 1978, comprei também um violão Giannini na loja que tenho até os dias de hoje. Recordo que quando eu cheguei em casa com o instrumento, nem minha mãe, muito menos meu pai acreditaram que eu tivesse algum tipo de aptidão para a música. O santo de casa não faz milagre, diz o ditado. Isto nunca foi um incômodo pra mim. Aliás, sempre fiz questão de falar em tom de brincadeira! E foi assim, de forma intuitiva e autodidata que iniciei meus estudos musicais que nunca cessaram. Em 1979 eu já tocava acompanhando o coral da igreja, grupo de jovens cristãos e nas rodas de amigos. Foi assim. Por coincidência, trilhando os mesmos caminhos do meu pai.

Hei sempre de destacar que, nas minhas pesquisas musicais, tive sempre o apoio irrestrito da loja santanense. Até porque eu não podia comprar tudo que gostava, porém ouvia mesmo assim. Grande parte do acervo adquirido ainda permanece comigo. Com o advento dos cedês (CD-Compact Disc) e decadência dos vinis no final da década de 1980 a empresa trocou de atividade para o comércio de autopeças, adaptando-se às mudanças para continuar no mercado.

Todos nós fazemos parte de uma grande teia de relacionamentos que conecta e se desconecta a todo instante cumprindo etapas e reiniciando ciclos interminavelmente porque cada um tem seu itinerário a cumprir. Fazemos parte de uma grandeza universal que segue conspirando e evoluindo indefinidamente ainda que a gente não perceba claramente. Cabe, a cada um de nós, deixar melhor aquilo de que fez parte. Às vezes, nem sabemos porque tantas coisas acontecem.

Viva à música!




Julho, 2022

Comentários

  1. Parabéns pela excelente crônica amigo João Neto Félix, como diria o Faustão, passa um filme na nossa mente ao ler relato de tamanha envergadura. A casa comercial ali descrita foi um referencial na vida de todos nós. E a influência da música nos marcou fortemente com a tecnologia existente até então.. Parabéns . ass Fábio Campos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado Fábio. Você é sempre muito generoso comigo.

      Excluir
  2. Mais um resgate histórico sensacional. A “juventude” santanense deve ficar comovida com mais uma declaração de amor incondicional sua à música. Parabéns!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Hayton, acredito que as memórias musicais marcam profundamente a todos nós!! Grato.

      Excluir
  3. Belo resgate histórico, sob "embalos musicais", não só de sábados à noite, mas de uma geração, que hoje pode, com seu brilhante relato, reviver um pouquinho dessa época.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fernando, as memórias musicais não se apagam com o tempo. Obrigado.

      Excluir
  4. Parabéns pela crônica Fábio Campos! Fico feliz em saber que papai - Hamilton Rodrigues do Amaral - foi referência e incentivo no seu gosto musical. Um grande abraço. Erivalda Simões do Amaral.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Erivalda, meu nome é João Neto, mas não se preocupe eu entendi a mensagem. Fábio Campos é um grande amigo. Da minha casa eu ouvia muitos discos que eram tocados na sua casa. Eu me recordo muito bem do disco dos Incríveis. O vento trazia o som pra rua toda. Boas lembranças. Rs.

      Excluir
  5. Parabéns Xará!
    Que belo registro...Voltamos no tempo e, com isso, vivemos duas vezes.
    João Neto Oliveira

    ResponderExcluir
  6. Sou um fã do trabalho histórico deste grande pesquisador João Neto. Parabéns, nós agradecemos por tanta lembrança boa.

    ResponderExcluir
  7. Katharina Noya03/08/2022, 15:10

    Obrigada por partilhar sua história sobre um tema tão interessante e de uma forma brilhante! Parabéns tio João

    ResponderExcluir

Postar um comentário