Sinfonia do silêncio

 



Caiu a noite. Quando a escuridão atingiu seu apogeu, milhares de estrelas cintilavam no céu. A coruja, mãe da lua, vigiava as terras nordestinas aguardando o momento de anunciar com o seu canto o descerramento da aurora. Como esquecer do perfume e do mistério da dama-da-noite florida?

Imensa cortina de nuvens médias fechavam tudo à minha volta. A brisa soprava suavemente! Nuvens claras e escuras se juntavam e se deslocavam lentamente em várias direções emoldurando a paisagem e redesenhando formas que vinham espontaneamente ao meu pensamento. Nas miragens surgiram dragões cuspindo fogo, criaturas medonhas, animais fantásticos mas tudo se dissipou e, entre brumas, surgiu glorioso um coro celestial cantando a ária do dia.




Gotas de orvalho escorriam pelas folhas das plantas, arbustos e árvores aguadas pelo sereno da madrugada, plenas da fecundidade da terra que se aquecia para recriar as belezas e o pão de cada dia.

Quase num segundo, a profusão de luzes e cores despontavam na cerração anunciando o arrebol. Cores se misturavam e novos tons se projetavam e se repetiam, ganhando luminosidade e brilho como um caleidoscópio encantando que mudava tudo num piscar de olhos. Os primeiros raios de sol abriram a cortina do dia trazendo uma pintura surreal e impressionista suficiente para embevecer qualquer olhar curioso.

A indescritível aquarela matinal se lançava à terra com a urgência de resplandecer. Restava festejar e agradecer. Fachos de luz despontavam no horizonte, superando obstáculos e invadindo os recantos. Réstias alcançavam o solo num espetáculo reluzente e delicado como o lume de uma vela no escuro. Eu fui às nuvens pela paz daquela beleza singular.

Desamarrado da linha do horizonte, o astro rei áureo se levantou de vez, cheio de esplendor, intenso e vigoroso a luminar. Nuvens claras pareciam chumaços de algodão flutuantes, transpassados pela claridade. Nuvens ciganas foram levadas pelo vento oeste dando lugar a um cenário límpido, adornado pela imensidão azul.

Como testemunhas, além de mim, o arisco casal de bem-te-vi trinava no fio da rede de energia da rua a distância suficiente para se precaver de qualquer movimento hostil de humanos.

Clareia manhã. O sol vai refletir a clara estrela ardente. Pérola no céu refletindo cada um de nós…

As flores se acenderam e a esperança ressurgiu. Amanheceu. Abri as portas do dia do universo que me rodeia. Eu sou apenas um matutino a admirar, amiúde, o ritual do sol que ascende e nos chama para o tempo de viver o sol de todo dia. É preciso que um dia se vá para que outro dia amanheça.



Maio, 2022

Comentários

  1. O bucolismo dessa página me fez um bem danado, Sinhô. Abraço do velho
    Antônio Sobrinho

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  2. As descrições bucólicas da noite e do amanhecer são estrofes que se completam nessa Poesia de palavras..

    Parabéns, João de Liô !!
    Muito bonito.

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  3. Poesia em forma de crônica ou crônica poética. Parabéns confrade João Neto de Liou.

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    1. Obrigado pela leitura e comentário caro confrade Malta!!!

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  4. Belo texto literário, João. Para se ler e reler, saboreando das transcrições tão bem colocadas.

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    1. Valeu Fernando! Obrigado pela leitura e comentário.

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  5. Parabéns, confrade João Neto. Crônica poetizada, em que se confundem prosa e lirismo. Beleza. O texto fez por merecer a criatividade artística do título.Djalma Carvalho.

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    1. Djalma Carvalho, grande escritor santanense, é uma honra tê-lo neste espaço. Obrigado pela leitura e comentário.

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