Uma Vila que era quase uma cidade

 





O povoado de Sant’Ana da Ribeira do Panema foi elevado à categoria de Vila e Sede de Município, pela resolução nº 681, de 24.04.1875, em ato aprovado pela Assembleia Legislativa Provincial, sancionado pelo Dr. Vieira de Araújo, então presidente da Província. Nesse período havia eleições para Intendente (hoje Prefeito) e Conselheiros Municipais, com autoridade para cobrar impostos municipais, nomear funcionários, com o dever de prestar contas mensalmente, conforme se acha escrito nos livros do Conselho Municipal, datados de 1892.




Quando a emancipação política da Vila foi juridicamente referendada em 31.05.1921, pelo Governador em exercício, padre e senador santanense Manoel Capitolino de Carvalho, a cidade de Santana do Ipanema já exercia a democracia há décadas. Outro detalhe importante era que a Vila de Sant’Ana já era paróquia desde 24.02.1836 pelo mérito e pastoreio do missionário apostólico Dr. Francisco José Correia de Albuquerque.


A agricultura e o comércio pujantes, cresciam a passos largos, com destaque para o comércio de couros que já havia enricado os visionários Delmiro Gouveia na Vila da Pedra e o Coronel Manoel Rodrigues da Rocha. Cabe lembrar que o bairro do Bebedouro era reduto de inúmeros tanques de curtimento de couros e peles.


Nas duas décadas anteriores, vários prédios já haviam sido construídos, guardando influência da arquitetura colonial e que até hoje se destacam e enchem os olhos dos santanenses de orgulho, afora os lamentos do estado de conservação e o alerta de risco iminente de desabamento por falta de conservação. Vale lembrar que o município não tem nenhuma lei de proteção ao patrimônio histórico material e imaterial. Nada que não possa ser solucionado pela atual gestão. Dentre esses monumentos de arquitetura centenária, localizados no centro comercial, destacam-se:


Casarão na esquina da praça Senador Enéas Araújo, construído sob encomenda da viúva Sinhá Rodrigues, ao engenheiro civil recém formado Joaquim Ferreira da Silva;


Residência do Maestro Manoel Vieira Queiroz, músico e coletor federal, amigo pessoal do Coronel Manoel Rodrigues da Rocha, ambos pernambucanos de Águas Belas radicados na cidade. Atualmente o prédio funciona o “Museu Histórico e Artes Darras Noya”;


Sobrado da família do Cel. Manoel Rodrigues da Rocha. No pavimento térreo funcionava loja de tecidos e, no primeiro andar, foi a segunda residência da família, local onde nasceu o escritor Breno Accioly em 1921;


Blocos dos prédios do “meio da rua”, foram construídos pelo major José Francisco no fim do século XIX. Por décadas funcionaram casas comerciais, na parte térrea e em toda a circunferência e, no primeiro andar, salão para bailes, cinema, teatro e o início do tradicional Colégio Santanense. Na gestão do Prefeito Ulisses Silva, em 1961, foram demolidos, infelizmente.


Residência do comerciante Tertuliano Nepomuceno. Funcionou, também escola, agência do Banco do Brasil, Banco do Estado de Alagoas e Biblioteca pública;


Prédio construído pelo Coronel Manoel Rodrigues da Rocha no início do século XX. Foi a primeira residência da família. Casarão do deus mercúrio no frontispício, cuja estátua foi importada da França. Abrigou biblioteca pública no 1º andar, em 1948, na gestão do Prefeito Coronel Lucena. Nilza Marques foi a bibliotecária. Atualmente pertence aos herdeiros de Benedito Nepomuceno.

Mas, quem foi o monsenhor Manoel Capitolino de Carvalho, o principal protagonista da emancipação política ? Em Piaçabuçu, Manoel Capitolino nasceu em 30.08.1872, filho do casal Antônio Barbosa de Carvalho e Maria da Glória Rocha Carvalho. Estudou no tradicional seminário de Olinda. Foi ordenado em 09.05.1894. Paroquiou em Alagoas, atualmente Marechal Deodoro.


Chegou em Santana do Ipanema em 1898, deixando-a em 26.01.1919. Foi um vigário estimado pelos fiéis, mesmo exercendo cargos políticos. Em 1914, foi eleito intendente - cargo semelhante ao de prefeito - e, com o falecimento do professor Enéas Araújo em 15.01.1915, assumiu a chefia política. Bem relacionado na região sertaneja, elegeu-se senador estadual, cargo que ocupou de 1915 a 1922.





Cel. Luiz Gonzaga de Gois( Intendente no período de 1895 a 1914)
e família em companhia do padre Manoel Capitolino



No exercício de vice-presidente do Senado, governou o Estado, de 01 de março a 12 de junho de 1921. Sancionou a Lei n° 893, elevando a vila de Santana do Ipanema à cidade e a Lei nº 905, de 09.06.1921, criando a taxa de cem (100) réis por volume exportado por este Estado para as praças nacionais e estrangeiras. O tributo foi a favor da Associação Comercial de Maceió para que edificasse sua sede - o Palácio do Comércio. Hoje, o retrato desse reverendo, em homenagem, encontra-se em uma de suas salas. Em 1934, foi eleito deputado estadual constituinte, e não terminou o mandato por causa do golpe de Getúlio Vargas em 1937.

O monsenhor Manoel Capitulino de Carvalho paroquiou em Santana do Ipanema de janeiro de 1897 até 1918, aproximadamente 21 anos. Em 21.08.1940, o vigário escreveu sua autobiografia relatando os feitos na paróquia de Sant’Ana, revelando informações importantíssimas, segundo o padre José Valter, cujo trecho transcrevemos: “... Fui em janeiro de 1897, nomeado vigário da freguesia de Sant’Ana do Ipanema, onde construí a Igreja Matriz e uma capela dedicada à Nossa Senhora da Conceição. Fundei o apostolado da oração na igreja matriz e em todas as capelas da freguesia. Na sede só existia uma capela com foro de matriz construída pelo missionário padre Francisco José Correia de Albuquerque, quando a cidade era uma fazenda de gado de Martinho Vieira Gaia.”

A capela dedicada à Nossa Senhora da Conceição é, na verdade, a mesma que hoje conhecemos em honra à Nossa Senhora da Assunção que foi construída em comemoração à passagem do século (1899 - 1900), e que deu origem ao bairro do Monumento e expansão territorial do núcleo urbano. É possível que a mudança da prática religiosa de Nossa Senhora da “Conceição” para “Assunção” tenha sido feita pelo Padre Fernando Medeiros (1910-1984), que foi vigário de 1947 a 1951 ou pelo Padre Luiz Cirilo (1915-1982) que foi vigário de 1951 até 1982, visto que não há registros históricos. A imagem atualmente exposta na capela guarda semelhanças à Nossa Senhora da Conceição.




A solução definitiva à dúvida está em celebrar as duas festas porque honraria o testamento do Padre Capitolino, que deixou o sentimento religioso como herança de fé ao povo sertanejo. O culto a Nossa Senhora da Assunção está em torno da proclamação do Dogma de Fé da Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria aos céus em corpo e alma. O dogma foi proclamado pelo Papa Pio XII em 1950 através da constituição “Munificentissimus Deus”.


Até então não havia registros oficiais de qual vigário teria sido responsável pela construção da Igreja Matriz de Senhora Santana no local onde hoje se encontra, depois da capela construída pelo padre Francisco Correia. Agora, não temos mais dúvidas de que o padre Manoel Capitolino de Carvalho foi o responsável. Outrossim, inexistem registros oficiais de início e conclusão da obra. A única prova documental é a foto da Matriz em construção em 1912. Noutra fotografia de 1920 já temos a igreja concluída. São as fotos mais antigas de que se tem notícia até o momento. Portanto, leva-se a crer que a construção tenha levado aproximadamente 10 anos, entre 1910 e 1919, antes da emancipação.


Festa de Senhora Santana em 1912 sob a coordenação do padre Capitolino.
Igreja estava em construção.


O padre ocupou outros cargos: Foi membro do Conselho de Administração da Arquidiocese, vigário geral, camareiro secreto de Pio XI e capelão da igreja de São Benedito, em Maceió, onde faleceu, ao pé do altar do Sagrado Coração de Jesus, à noite do dia 22.06.1942, ao incensar o altar, na cerimônia das homenagens do mês consagrado ao Senhor.

O padre Manoel Capitolino está imortalizado entre os mais importantes personagens da história religiosa e política de Santana do Ipanema.



    A igreja matriz de Senhora Santana concluída em 1919 sob a direção do Padre Capitolino. A foto original era propriedade do comerciante Alberto Nepomuceno Agra(1924-2014).

Maio, 2022

Fontes de referência:


Medeiros, Tobias. A Freguesia da Ribeira do Panema, 2ª edição. Imprensa Oficial Graciliano Ramos, Maceió AL, 2016;
Melo, Floro e Darci de Araújo. Santana do Ipanema Conta a sua História. Rio de Janeiro, Borsoi, 1976;
Santos Filho, José Valter da Silva. Memórias Religiosas de Santana do Ipanema, 1ª edição, SWA Instituto Educacional Ltda, Santana do Ipanema AL, 2016;
Ribeiro, Padre Teothônio. Escorço Biográfico do Missionário Apostólico Dr. Francisco José Correia de Albuquerque, 3ª edição, SWA Instituto Educacional Ltda, Santana do Ipanema, AL. 2012.

Comentários

  1. Foi fundo, meu irmão. Continue futucando a velha Sant'Ana. Ou Santa Ana, como escrevia Adeildo Nepomuceno Marques
    Abraços do velho
    Antonio Sobrinho

    ResponderExcluir
  2. Mais uma pesquisa reveladora sobre a história de Santana do Ipanema, deste feita sobre a passagem do Pe Manoel Capitulino na paróquia de Santa Ana e suas realizações.
    Uma contribuição história para gerações presentes e futuras.
    Parabéns, João de Liô!!

    ResponderExcluir

Postar um comentário