Capela das Tocaias: A santa-cruz de beira de estrada mais famosa

 


           
Os fatos que deram origem à Capela das Tocaias remontam ao final do século XIX. Lá pelo ano de 1860. Localizada na periferia de Santana, após o Bairro Floresta. Foi originária de uma santa-cruz de beira de estrada, cujo resumo do episódio será narrado adiante. O Santo de devoção é São Manuel da Paciência. Reformada e ampliada inúmeras vezes, era conhecida como mal-assombrada onde se ouvia sons nítidos de terno de zabumba, até mesmo durante o dia. Várias novenas e festas profanas foram realizadas juntas nas décadas de 1970 e 1980.


Foto mais antiga da Capela das Tocaias, anos 50.
Escritor Oscar Silva e esposa.

O dia de São Manuel encontra-se no calendário, 17 de junho. São Manuel mártir, também conhecido como São Manuel da Paciência, foi embaixador do Império Persa. Com a proclamação de Juliano como imperador romano, germinaram no império as teorias pagãs e se voltou a perseguir os cristãos.

Como embaixador, São Manuel tentou negociar a paz com a Juliano, mas o imperador considerava o cristianismo como a praga do mundo, mandando prender Manuel e torturá-lo até renunciar a sua fé. São Manuel resistiu a todas as torturas até que foi decapitado no ano de 363.

O Império Persa, do qual São Manuel era embaixador, acabaria por vencer o Império Romano e por matar o imperador Juliano, que terá dito as suas últimas palavras dando a vitória a São Manuel, que se popularizou como padroeiro dos diplomatas e advogado da paciência.

O início de tudo: Conta-se que a família do cidadão chamado Manoel Vicente, natural de Águas Belas foi assassinada, sendo o rurícola o único sobrevivente. Sem resposta da justiça para a atrocidade, decidiu ele mesmo matar todos os suspeitos. Em seguida, fugiu para a região das terras da Ribeira do Panema, empregando-se na fazenda Olho D’Água da Cruz, de propriedade do senhor Joaquinzinho, neto de Martinho Rodrigues Gaia e dona Ana Tereza, pioneiros do povoado de Santa Ana da Ribeira do Panema. Suspeito das mortes, passou a ser procurado. Muitos eram os desafetos, não tardando para que delatores denunciassem sua presença na fazenda aos vingadores de Águas Belas.

Por ocasião do batizado do filho do senhor Joaquinzinho uma emboscada foi armada para matar Manoel Vicente, mas em seu lugar, morreram a esposa, cunhada e a criança. Apesar de ferido Manoel sobreviveu. Veio a ser morto tempos depois em outra circunstância alheia à vingança praticada. O local da chacina foi sinalizado com santas-cruzes e, posteriormente, foi erguida uma capelinha que passou por inúmeras reformas até chegar no formato atual.

Conforme a tradição, o lugar passou a receber devotos, celebrações religiosas e muitos fiéis passaram a depositar partes do corpo humano; cabeças, braços, pernas e pés feitos de madeira como louvor de graça alcançada ou promessas de penitência por cura. O professor e escritor Clerisvaldo Chagas conta a história completa no formato de literatura de cordel descrita nas fontes de referência: A Igrejinha das Tocaias, Sua História.

A árvore de pequeno porte, popularmente conhecida como “Bom Nome” - Maytenus rigida Mart – ao lado da capela completava a sede de cura corporal dos viandantes. Os romeiros que visitavam o lugar extraiam as cascas da arvoreta para produção de remédios. Cascas da planta eram usadas em garrafadas alcoólicas (casca-de-pau) para pancadas e furúnculos. O infuso ou decocto da casca do caule e dos ramos são indicados contra inflamações renais e ovarianas, problemas hepáticos e cicatrizante de úlceras. (Agra 1982, 1996).

Em 1970 a senhora Maria Benedita da Conceição (1888-1985) mãe de Seu Carrito contou que aos 17 anos, em 1905, a imagem do Santo já existia na Capela. Naquele no mesmo ano Carlos Gabriel da Silva (Seu Carrito) em parceira com José Urbano, Lourival Amaral, Cícero Rodrigues (Cícero Mão Branca) e os primos Sebastião Gabriel e Félix Gabriel reconstruíram a Igreja das Tocaias. A obra teve apoio financeiro de muitos santanenses, dentre os quais Alberto Nepomuceno Agra, Bartolomeu Barros, prefeito Adeildo Nepomuceno Marques com o apoio da paróquia de Senhora Sant’Ana.


Seu Carrito na reconstrução em 1974
Foto: José Elgídio da Silva(filho)

Seu Carrito cuidou da restauração da imagem de madeira do santo, com as habilidades adquiridas na prática do hobby das horas vagas. A procissão de abertura das comemorações partiu da Capela de Nossa Senhora Aparecida, localizada no Bairro São Pedro até o bairro da Floresta. A romaria com o andor reconduziu a imagem de São Manuel ao local original, juntamente com a imagem de Nossa Senhora Aparecida que também permaneceu na capela no período festivo.

Nada obstante a data da festa do santo seja oficialmente celebrada pela Igreja em 17 de junho, por alguma razão desconhecida, os festejos ocorreram no mês de dezembro. Na programação do dia 21.12.1974 da quinta edição houve reunião bíblica, oração do terço mariano de três em três horas, desde às 9h, parque de diversão, foguetório, leilão e várias barracas com comidas típicas e bebidas. Nos intervalos das cerimônias as bandas de pífano animavam a festa. Às 21h foi rezada a novena e, logo após, a realização de leilão. A missa de ação de graças e encerramento à meia-noite foi celebrada pelo padre Luiz Cirilo Silva.

As gambiarras formaram um rosário de lâmpadas que circundavam e iluminavam o perímetro da capela. O serviço de alto-falante tocava canções populares e religiosas abrilhantando às comemorações sob o comando de Liô que prestava serviços de iluminação a motor e fazia parte da comissão organizadora. Outras edições se repetiram no período de 1971 a 1974 com os mesmos integrantes. Outras edições da festa aconteceram nos anos seguintes com outros organizadores.


Foto: Jaelson Lima, 2022


Fotos recentes dão conta de que a capela carece, urgentemente, de manutenção. São evidentes os sinais de deterioração. Não podemos permitir que parte importante da nossa história religiosa se perca por falta de zelo. Peças de madeira e imagens depositadas na capela pelos fiéis por décadas estão jogadas nos fundos do prédio sujeitas a intempéries. Jamais deveriam ter sido retiradas de onde estavam. Repousam sobre elas imenso simbolismo. Devemos respeito à memória dos anônimos que ali deixaram suas orações. É provável que muitas delas tenham sido subtraídas por vândalos e deterioradas pela ação do tempo.


“Defronte ao lugar onde aconteceram as mortes na Vila de Santa Ana da Ribeira do Ipanema, nasceu à primeira RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) de Alagoas, localizada no bioma Caatinga. Recebeu a denominação de Reserva Tocaia, pois ali defronte houve apenas uma tocaia, mas o povo denominou o lugar no plural: Tocaias.

Na localidade é possível observar trechos belíssimos e raros de cercas de pedra. Quantas vezes passamos por elas e nem notamos a sua grandeza. As pessoas não se dão conta do tamanho da importância histórica, artística, cultural e arquitetônica que há por trás das cercas de pedras. Considerado por alguns, um legado, um registro imponente e duradouro, que resiste a passagem dos tempos e as ações nocivas do homem.




As novas gerações, talvez, desconheçam sua origem, mas, segundo autores, elas começaram a serem erguidas pelos índios, de maneira arcaica e irregular, e logo depois, melhoradas pelos escravos e sertanejos humildes e carentes, em meados do século XIX.

A Reserva serviu de locação para várias cenas do documentário “O Mar de Corisco” de Pedro da Rocha, 2017. O filme conta a história do santanense Sílvio Hermano de Bulhões, filho de Corisco e está disponível no youtube.

A Reserva foi oferecida ao Estado sob certas condições pelo, então, ex-pracinha, professor, comerciante e fazendeiro Alberto Nepomuceno Agra, hoje sob a direção do seu filho, Alberto Nepomuceno Agra Filho.


Reserva Tocaias defronte à capela

Com uma área de 21,7 hectares o bioma exclusivamente brasileiro está localizado na periferia sul da cidade, no final do Bairro Floresta em direção ao riacho João Gomes. É composta de parte alta com o serrote Pintado, um dos montes que circundam Santana. Na parte baixa nasce o riacho Salgadinho que escorre durante as estações chuvosas, sendo pequeno afluente do rio Ipanema, após cruzar o bairro Floresta, dividindo-o com o Bairro Domingos Acácio.


Foto; Jaelson Lima, 2022

A Reserva Tocaia foi criada pela Portaria N° 018/2008, com meta de preservação integral. Ali se encontra aroeira, angico, juazeiro, imbuzeiro, cedro, baraúna, entre outras espécies de grande e médio porte. Em sua fauna registram-se a presença de gato-do-mato, pequenos roedores, aves típicas, serpentes e saguis. Os pedidos de visitas vêm das escolas, de pesquisadores e curiosos, sempre acompanhados de perto pelo seu guardião, agrônomo, Alberto Nepomuceno Agra Filho (Albertinho).”




José Elgídio da Silva e João Neto Felix Mendes

Março, 2022


Para saber mais sobre Carlos Gabriel da Silva - Seu Carrito (clique aqui)

Outras fotos:



Foto: autor, 2017



Seu Carrito e Liô no interior da capela nos anos 70 (Leuzinger da Rocha Mendes)



Convite da quinta edição da festa em 1974



Fontes de referência:

Chagas, Clerisvaldo Braga das. A igrejinha das Tocaias – Sua História. 2ª Edição. 2017;
Melo, Floro e Darci Araújo. Santana do Ipanema Conta a Sua História. Rio. 1976.

Comentários

  1. Mais um resgate histórico de um monumento de Santana do Ipanema..A Capela das Tocaias com todo acervo e história , o nosso historiador e pesquisador , João de Liô hoje nos presenteia .

    Parabéns, Xará!!

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  2. João Neto Oliveira Melo07/03/2022, 19:49

    Boa noite!
    Parabéns Xará... Que belo registro... Região da qual tenho boas lembranças...
    Na subida do Bairro Floresta, no início, do lado direito, aquela propriedade já foi do meu avô João Brasiliano Melo (in-memória)...
    Abraço

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  3. Belíssimo relato. Parabéns caro confrade e amigo João Neto Félix. Tinha eu conhecimento de outras versões sobre "As Tocaiais", na verdade "Tocaia" (no singular). Inclusive eu criei num conto minha própria versão contida no meu blog ( o acesso é meu nome). Quando jovem não fui nem uma das novenas ali ocorridas nas décadas de 70 e 80. Acho que pela distância. Embora as que ocorriam na comunidade Maniçoba fui algumas, cujo serviços de som e gambiarras eram produção do saudoso Seu Liô. Um forte abraço amigo. ass: Fabio Campos.

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