A criação segundo a sétima arte na terra espinhosa

 



No princípio o ser tornou-se infinitivo. Reinavam os silêncios e os sons. As minúsculas partículas criadoras que em tudo se contêm, ansiavam irradiar luz, muita luz. O caos, os sons e o silêncio prosperaram e uma grande explosão deu origem aos mundos. Os verbos inspiraram e se revestiram da essência da ação. Impulsionados pelo ânimo, força e movimento tudo começou a existir, prosperar e a se propagar.

Da máquina fotográfica às câmeras de gravação, as lentes evoluíram e ganharam, transparência e resolução. E, de repente, do nada, tudo despertou ao baque da claquete: Luz, câmera e ação!


Divinamente, o cinema começou a espelhar vidas. O diretor, fotógrafo, cinegrafista e roteirista num toque de mágica, deram vida a histórias de papel. Ação, emoção e movimento passaram a existir dentro e fora das telas. E se viu que tudo era muito bom. Fez-se o tempo, pausa e os ritmos. Linhas e traços se enroscaram na gênese criativa e interpretativa. E se viu que tudo era bom...

Na aridez do sertão a terra ganha templos do audiovisual para enfeitiçar um povo de mãos encaliçadas que sua e sonha: Cine Ipanema, Glória, Alvorada e Wanger. Os meninos se enfeitiçaram com os dramas e faroestes. Amores inabaláveis, justiceiros e os paladinos eram acalentados por trilhas sonoras mágicas do maestro Ennio Morricone (1928-2020).

A chegada do cinema novo nos anos 60 no Sudeste e Sul, sobe a ladeira, contra a corrente, resvalando no Nordeste despertando inspiração no sertão nos anos 70. As películas preto e branco ainda dominavam a cinematografia. A crueza da realidade geográfica, social e econômica permeavam cenários desacreditados em meio a pobreza onde a arte reinava peregrina e esfomeada.

Da criação do longa “A volta pela estrada da violência” de Aécio de Andrade (1971) a magia enfeitiçava um povo sedento de justiça que era injuriado na fantasia da verdade. Inebriados, figurantes sertanejos rejeitavam mortes reais e imaginárias. Chega de tristezas e mortes. Queremos eternidades! Movido pelo êxtase do petricor de um dia quente de verão, figurantes clamavam pela vida abundante até que o diretor, com o tiro de misericórdia verbal, sentencia e cala impiedosamente a cena: teje morto! Sobreviver na corda bamba é o risco.

Nas terras da ribeira o cine Alvorada, moribundo é palco de cena do filme “Baile Perfumado”, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas (1996). O conto de 1997, “Quatro Mortes e Nenhum Funeral” encontrou o cineasta Pedro da Rocha Oliveira (1957-2021), juntando algumas peças do quebra-cabeça nas “Memórias de uma saga Caetés”. (Documentário, 2012).

Sair da cadeira de espectador e se voltar para os bastidores da produção é sonhar dobrado na introspecção de uma sala vazia, crente e pleno da solidão do trabalho. É assistir lá fora, mesmo ficando aqui dentro. É ir embora querendo ficar.

Corta, recorta. Faz, refaz. Risca, rabisca. As imagens vão se juntando, ganhando movimento e contando o que se tem pra contar acalentadas ao som da música intuitiva que desperta emoções. Que faz pensar e lacrimejar disfarçadamente, reforçando que o poder da imaginação refaz os mundos como se quisesse solucionar todos os impasses, todas as dúvidas. Quando menos se espera, tudo termina, assim meio sem jeito, pensando em continuar. A cena macabra da cabeça de Corisco ficou exposta durante 30 anos no Museu Nina Rodrigues, em Salvador, ao lado das cabeças de Lampião e Maria Bonita. Ganha vida “O mar de Corisco” (documentário, 2017), de Pedro da Rocha.





No cinema e na realidade é assim; a doçura do sonho e a crueza da realidade se misturam e ditam as regras em nome da autonomia soberana da arte. O cinema só quer contar histórias, nada mais. Depois de tudo sobram apenas lembranças de quem criou e de quem foi criado. Resta o desejo infindável de que o final deveria ter sido inevitavelmente diferente.

Todas as horas são breves! No quarto dos fundos Pedro das rochas, das oliveiras e dos licuris foi cuidar das pedras do reino. Nas manhãs ensolaradas ouve-se um canto libertário das bocas das serras da terra espinhosa.


Janeiro,2022

           

Comentários

  1. Sábado a noite, o cine alvorada era meu divertimento. Valeu João.

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    1. Parabéns pelo texto. O gênio definiu bem o tema: “„Falar sobre sonhos é como falar de filmes, uma vez que o cinema utiliza a linguagem dos sonhos; anos podem passar em um segundo e você pode ir de um local para outro. É uma linguagem feita de imagens. E no verdadeiro cinema, cada objeto e cada luz significa alguma coisa, como em um sonho.“ (Federico Fellini 1920 - 1993)

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    2. Hayton, obrigado pela belíssima reflexão.

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    3. Agradeço imensamente a todos vcs que leem meus escritos. Tantos aos que se manifestam textualmente, quanto aos fazem suas considerações silenciosas.

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