“Batidas na porta da frente é o tempo”. Assim inicia a belíssima canção “Resposta ao Tempo” (Ouça) de Cristóvão Bastos e Aldir Blanc. A canção é um desabafo poético de alguém que conversa com o tempo, confessando as mazelas sofridas, reconhecendo sua força e superioridade. Resta ao homem desdenhar do tempo diante das frustrações e perdas existenciais. A sutileza é recorrente em toda a poesia que finaliza: “No fundo é uma eterna criança que não soube amadurecer. Eu posso, ele (o tempo) não vai poder me esquecer...”
De fato, não se pode desvencilhar do tempo, ainda que se queira. É ele quem nos encerra e nos abre as portas do dia. Esquecê-lo dialeticamente é estratégia de sobrevivência, pois digladiar é vão e angústia infindável. Para quem está esperando, um dia parece uma eternidade. Com frequência dizemos: “... parece que foi ontem e uma década já se passou...”. Por mais longa que a vida possa parecer, o que temos de certeza mesmo é que depressa a vida passa. (Ouça)
Ansiamos longevidade, mesmo tendo consciência de que não a mereçamos no mesmo grau da exigência. Porém, como tudo tem seu preço, o tempo não deixa por menos. As respostas que buscamos estão dispersas e embaraçadas na razão temporal da vivência de cada um. O enigma temporal venda-nos os olhos até que placidamente nos desnudamos das amarras e desculpas para reconhecer experiências que nos tocaram interiormente. É fenômeno gratuito e mágico ao alcance de todos que chamamos de maturidade.
“A principal angústia moderna é saber que o tempo nos escorre pelas mãos e não estamos fazendo nada que seja realmente importante. Principalmente quando alguém se vai. Ainda mais quando acontece de maneira repentina e inesperada. Ficamos a pensar no sentido e na fragilidade da vida. Em como o nosso tempo é curto, precioso e, muitas vezes, subaproveitado.”
Parece-nos que a dimensão do tempo vale mais pela intensidade dos momentos vividos do que simplesmente pela cronologia. Uma cena antológica do filme “Perfume de Mulher” (1992) dá-nos uma perspectiva do argumento quando o personagem Frank (Al Pacino), que é cego, chega no restaurante com Charlie e escolhe para se sentar na mesa de Donna (Gabrielle Anwar). Ao pedir-lhe permissão para se sentar à mesa, ela meio sem graça, querendo recusar – por serem desconhecidos - diz que está esperando seu namorado a qualquer momento. Então, Frank, insistente, afirma “que se vive uma vida num momento”. Em seguida a dupla faz uma linda performance de tango. Ela afirma que sempre havia desejado dançar tango, mas o namorado não se interessava. E, quando ele chega, os dois vão embora do lugar, abandonando o que parecia ser a possibilidade da realização do seu sonho. O exemplo lembra-nos que rapidamente abandonamos o que afirmamos ser o nosso o maior sonho. Tudo isso ocorre aqui, ali, alhures e em todo lugar, seja nos filmes ou na vida real.
Diz o escritor Saramago, “...não tenhamos pressa, mas não percamos tempo. Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.”
No final de tudo, o tempo vai nos mostrar o que somos verdadeiramente. Tomara que o resumo seja relevante, pois a vida é um sopro na brisa leve do tempo. “Só há um tempo em que é fundamental despertar. Esse tempo é agora. (Buda) Que o tempo nos transforme e espalhe os benefícios.
Clique para ouvir "Oração ao tempo" de Caetano Veloso.
Novembro, 2021
Sensacional 👏👏👏👏
ResponderExcluirSomos todos aprendizes. Obrigado.
ExcluirSempre fiz o que muitíssimo gosto. Minha Música. Nunca desviei no tempo. Não me arrependo. O tempo... realmente parece ter asas. Fazer o que gosta é lembrar dos bons tempos. Ontem, hoje e sempre.
ExcluirAmém. Que assim permaneça !!
ExcluirParabéns! Seu texto ficou tão bom, João, que me fez recordar a belíssima “Oração ao Tempo”, de Caetano Veloso:
ResponderExcluir“És um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho...
Tempo tempo tempo tempo, vou te fazer um pedido...
Tempo tempo tempo tempo...
Compositor de destinos, tambor de todos os ritmos...
Tempo tempo tempo tempo, entro num acordo contigo...
Tempo tempo tempo tempo...
Por seres tão inventivo e pareceres contínuo,
Tempo tempo tempo tempo, és um dos deuses mais lindos...
Tempo tempo tempo tempo...
Que sejas ainda mais vivo no som do meu estribilho,
Tempo tempo tempo tempo: Ouve bem o que eu te digo
Tempo tempo tempo tempo...
Peço-te o prazer legítimo e o movimento preciso,
Tempo tempo tempo tempo, quando o tempo for propício...
Tempo tempo tempo tempo...
De modo que o meu espírito ganhe um brilho definido,
Tempo tempo tempo tempo, e eu espalhe benefícios...
Tempo tempo tempo tempo...
O que usaremos pra isso fica guardado em sigilo,
Tempo tempo tempo tempo, apenas contigo e migo...
Tempo tempo tempo tempo...
E quando eu tiver saído para fora do teu círculo,
Tempo tempo tempo tempo, não serei nem terás sido...
Tempo tempo tempo tempo...
Ainda assim acredito ser possível reunirmo-nos,
Tempo tempo tempo tempo, num outro nível de vínculo...
Tempo tempo tempo tempo...
Portanto peço-te aquilo e te ofereço elogios,
Tempo tempo tempo tempo, nas rimas do meu estilo...
Tempo tempo tempo tempo...”
De fato, canção belíssima! Que o tempo nos transforme e espalhe os benefícios.
ExcluirHayton, sua referência está no texto. Obrigado!!!
ExcluirBelíssima crônica, João. Bravo!
ResponderExcluirValeu Fernando!!!🙏🙏🙏 Obrigado.
ResponderExcluirA cada texto, sua sensibilidade está aguçada, mais presente. Muita sabedoria adquirida no tempo vai lapidando sua escrita. O texto aflora as particularidades do tempo. Afinal, a vida é um espaço – finito – de tempo, onde temos que conviver com parcimônia, respeito e muita sabedoria com os todos os seres vivos (plantas, invertebrados, vertebrados, unicelulares, ...). Esse espaço do tempo, pode ser: curto prazo, médio prazo ou longo prazo (mais uma vez finito). Aproveitemos, o TEMPO. Parabéns meu compadre por mais um lindo texto.
ResponderExcluirValeu. Obrigado meu compadre!
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