Atenção: Música Maestro !!!

 



Dedicamos ao poeta Remi Bastos

 

              

À luz do livro “Festas de Santana” (1970), mais precisamente do capítulo “Em tempo de retretas” (pag. 199 a pag. 204), do eminente escritor Djalma de Melo Carvalho, aproximadamente em 1918, na localidade de Capim, atual cidade de Olivença, o político Joel Marques, primeiro prefeito eleito da cidade de Santana do Ipanema, organiza uma bandinha, com cerca de quinze instrumentos. Cada instrumento pertencia ao próprio componente. Dentre eles, Jonas Aragão, Amabílio e Miguel Bulhões, Pedrinho Preto e Jovino Azevedo. A agremiação musical, contando com músicos natos, tomou impulso. Criou fama nas redondezas, a ponto de ser convidada para abrilhantar a festa de Santana do ano de 1920, recebendo os melhores elogios. Fez, inclusive, sucesso em carnavais daquela época.

No limiar da sua adolescência, migrou para a cidade de Santana do Ipanema onde dedicou a sua existência ao trabalho do campo e ao estudo das letras e da música.

Também foi comerciante, mantinha um mercadinho que na época, chamava-se de venda, bodega. Era denominada “Casa Milhões”. Tudo desempenhava com admirável dedicação, honradez e dignidade.

Com nível de escolaridade primária, tinha sede interminável de conhecimento. Ávido pelo saber, tornou-se leitor voraz de tudo que estava ao seu alcance; livros, jornais e revistas.



Segundo Luitgarde Cavalcanti, “seu Miguel Bulhões, moreno escuro, misto de músico e comerciante com tolda nas feiras do município, intelectual autodidata que se posicionou a vida inteira contra o cangaço e a violência da polícia, criticando acremente o que ele classificava como a "política cubanceira" do município. No auge do clima de cangaço e pistoleiros, publicou artigo condenando essas manifestações de violência. Essas posições fizeram com que morresse pobre, nunca recebendo cargos na administração.

Na década de noventa do século passado, quando pesquisei o cangaço em Alagoas, deu-me importantes depoimentos. Renhido opositor ao Coronel Lucena, declarou-se, no entanto "admirador da coragem e da incorruptibilidade" daquele contra quem votou a vida inteira, fiel que foi sempre à UDN.”

“Em meados de 1935, por iniciativa do Senhor Nicodemos Nobre, com elementos remanescentes das bandas “Aratanha" e "Carapeba", foi criada em Santana do Ipanema a Banda de Música Santa Cecília cujo comando foi repassado ao maestro pão-de-açucarense Abílio Mendonça. Já encaminhada, sua regência terminou nas mãos do maestro Miguel Bulhões, que desenvolveu competente e profícuo trabalho.

Rapazinhos da sociedade local se entusiasmaram com o surgimento da nova banda. Dentre eles, Antônio Azevedo, José Ricardo Sobrinho, Abel Cunha, Miguel Félix, Orlando Pinto, Agripino Pontes, José e Celestino Chagas, Francisco e Manoel Ferreira de Melo, Ponciano Silva, José Cunha, Manoel Pereira Barros, José Constantino Melo, João Pontes, José Vieira de Farias, Milton Vieira dos Anjos, Nô Marcolino, Pedro Bulhões, Genésio Nascimento e Aníbal Vieira Costa. Em 1940, assume a direção o jovem maestro José Ricardo Sobrinho, em cujas mãos a batuta ficaria até 1943.”

Miguel foi maestro, músico e professor de música. Com a Filarmônica Santa Cecília, motivou os jovens, sobretudo, seus filhos Ivaldo, José Ronaldo e Rosinaldo. Os quatros eram os pilares de sustentação da orquestra. E assim encantava nas apresentações, retretas, novenários e procissão da festa da padroeira Senhora Santana.




Quando adveio a banda fanfarra instituída pelo tradicional Ginásio Santana não se esquivou da modernidade e assumiu a regência, cuidando com harmonia e zelo das novas gerações. A banda recebeu o seu nome: Banda Fanfarra Maestro Miguel Bulhões. Obviamente, os filhos permaneceram, de forma prazerosa, unidos ao maestro e pai. Fanfarra era como antigamente se chamava o toque de trompas e clarins, nas caçadas. Posteriormente, a designação foi estendida às bandas marciais que acompanhavam os cortejos cívicos ou regimentos de cavalaria.

Quando a memorável banda desfilava garbosamente nas datas cívicas, a multidão que os aplaudia ficava admirada com a vitalidade e entusiasmo do nonagenário maestro.

Não podemos deixar de registrar as inúmeras participações da charanga "Teimosinha" nas maratonas dos carnavais santanenses na praça central da cidade. O vigor do maestro era invejável. O sangue que corria em suas veias era o amor pela música. Assista (clique aqui) trecho de evento realizado em 1988.

Autodidata, escreveu crônicas semanais para o Jornal de Alagoas, extinto nos anos noventa do século XX. Não lhe faltava inspiração para dissertar sobre quaisquer temas, embora não tivesse curso sistemático de jornalista.

Naquela época já manifestava preocupação com o meio ambiente. Nunca fez uma queimada com o objetivo de limpar a terra. Criticava os agricultores que utilizavam o método de trabalho.

Apaixonado por sua terra, fiel às origens campesinas, possuía uma pequena propriedade nas cercanias da cidade. Diariamente percorria três quilômetros; lá, passava quase o dia trabalhando. Seus olhos brilhavam de contentamento quando se falava da roça e das chuvas. Até o final dos seus bem vividos 92 anos, sentia-se feliz e realizado como agricultor.

Exatamente no ano do seu falecimento, deixou a safra de feijão e de milho para ser colhida. Herança inesquecível para os familiares, uma vez que foi o último trabalho de suas mãos calejadas no trato da mãe terra.

Contraiu matrimônio com a senhora Natália Barros Bulhões. Após a viuvez, casou-se novamente com a senhora Jarina Soares Bulhões. Com ambas constituiu uma família, com seus filhos: Maria do Carmo (falecida); Vanda (falecida); Maria Salete; Ivaldo (falecido); Gilza Maria; Marileide (falecida); Maria das Graças; Rosinaldo; José Ronaldo e Rosineide.

Pelo seu exemplo de vida e dedicação às artes, a Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes o designou patrono de uma das cadeiras.

(Miguel Bulhões, Batalha, 12.11.1903 – Santana do Ipanema, 05.10.1995)

Agradecemos às contribuições dos filhos: Maria Salete, Gilza Maria, Maria das Graças, Rosinaldo, José Ronaldo e Rosineide



Novembro,2021



Fontes de Referência:

Carvalho, Djalma de Melo. Festas de Santana. 1970;
Catálogo on line de Banda de Músicas de Pernambuco (Iniciado em 2009) https://catalogobandasdemusicape.wordpress.com/wilson-lucena-pesquisador-al/(Consulta em 07.10.2021);
Depoimentos de familiares. Filhos: Maria Salete, Gilza Maria, Maria das Graças, Rosinaldo, José Ronaldo e Rosineide;
Sertão Glocal, Um mar de ideais brota às margens do Ipanema / José Marques Melo, Rossana Gaia (organizadores). – Maceió: EDUFAL, 2010.

 


 

 

Comentários

  1. A biografia do Maestro é irrepreensível..Mesmo na sua mercearia ,Casa Milhőes, seguia á risca os dizeres que utilizava como propaganda do seu comércio: "CASA MILHÕES.., quando pode é de vender mais barato"

    Parabéns, Xará , por mais esse resgate histórico..

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  2. Mais um personagem histórico salvo do esquecimento, é assim que se contribui para a História. Parabéns pelo trabalho.

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    1. Agradecemos. Continuamos o propósito de divulgar nossa história e nossa gente.

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  3. Parabéns João Neto pelo Belo Trabalho e Muito Obrigado pela homenagem ao meu Saudoso Pai!

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    1. Rosinaldo, a história santanense jamais esquecerá de seu Miguel: cidadão íntegro, cronista, músico e maestro. Homem que engrandeceu às artes sertanejas.

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  4. Parabéns, João. Muito bem lembrado. Onde a banda foi fotografada, tem um prédio atrás que fala Ipanema Atlético Clube. Gostaria de sugerir se um dia puder dedicar um escrito ao Ipanema e ao Ipiranga, os dois times rivais de Santana, ok?

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  5. Parabéns!
    Mais um belo relato...
    Quem de nós não pulou Carnaval, das maratonas ao encerramento na quarta feira de cinzas, ao som da da "Teimosinha" do Maestro Miguel Bulhões.

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  6. Acordei muitas vezes de madrugada para ver e ouvir a banda passar em frente ao prédio onde morávamos no centro da cidade. Memória inesquecível de quem admira a música e os músicos dedicados.
    Parabéns João Neto e familiares do maestro.
    Abraços Elias de Dona Branca.

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  7. Grato Elias! É um prazer encontrá-lo neste espaço. O maestro Miguel marcou nossas vidas!!!🙏🙏🙏

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