Um sertanejo obstinado pela educação

 

João da Silva Yoyô Filho, filho de João José da Silva Yoyô e Virtuosa da Silva Yoyô, nasceu em 02.12.1917 no povoado Fazenda Nova, Município de Santana do Ipanema, atualmente pertencente a Olivença, onde viveu grande parte da sua infância e adolescência.

Descendente de bem-sucedida família de ruralistas, nunca se interessou pela atividade agropastoril. Sua grande aspiração era estudar na cidade. Cresceu no distrito com os seus cinco irmãos: Lourenço, Maria, Agapito, Aurora e Afra.

Como filho do fazendeiro João José Yoyô, o homem mais rico da região, pedia com insistência aos pais para morar na cidade e dar continuidade aos seus estudos. Entretanto, sua mãe argumentava que ou iriam todos ou nenhum.

Com o passar do tempo e, na medida em que aprimorava seus conhecimentos, os pais permitiram que Agapito, Afra e João fossem morar e estudar em Santana. Na cidade trabalhou como comerciante de tecidos em sociedade com Pancrácio Rocha, de tradicional família santanense, contudo o desejo veemente de se formar em direito continuava firme, embora tivesse consciência das dificuldades. Seu negócio como comerciante não prosperou, sendo encerrando algum tempo depois.

Segundo o escritor Djalma Carvalho, o “idealismo, a coragem e a confiança dos filhos da terra comum conduziram os históricos contatos feitos pelo padre Fernando Medeiros (1910-1984), João da Silva Yoyô Filho e padre José Bulhões (1886-1952) junto ao cônego Teófanes de Barros (1912-2001), brilhante educador alagoano, visando à criação do Ginásio Santana.

Estávamos nos idos de 1950, precisamente no dia 11 de fevereiro, um sábado radioso, tipicamente sertanejo. Na residência do padre José Bulhões, o sonho dos santanenses concretizou-se. Estava fundado o Ginásio Santana. A cultura projetaria a cidade. As sensacionalistas manchetes do crime e do cangaço perderiam sua vez.

Ginásio Santana

Cedidas as dependências do Grupo Escolar Padre Francisco Correia, o Ginásio funcionou ali durante dois anos. Posteriormente, instalou-se no prédio do antigo quartel do 2º Batalhão de Polícia, que se encontrava desocupado em face da extinção do famigerado bando de Lampião. Esse prédio foi doado à Sociedade Ginásio Santana pelo então prefeito Dr. Hélio Cabral (1926-2010), tendo passado por diversas reformas e ampliações, a fim de atender ao número de alunos, sempre crescente, de ano para ano. Ali, permanece até hoje, firme.

O primeiro diretor foi Dr. João da Silva Yoyô, homem simples, abnegado, trabalhador incansável. A sociedade santanense muito lhe deve. Foi o idealizador da obra. Foi ele quem teve a audácia de dotar a cidade, naquela época, de uma escola de curso secundário, atendendo aos legítimos anseios da mocidade estudiosa da terra.” Além da direção atuou como professor de contabilidade.

Casou-se com Leopoldina Lima e Silva. Da união nasceram as filhas: Madge, Cléia e Eliete. Afirmava que uma das maiores heranças que poderia deixar era a educação. “Aproveitem a idade a fim de se estabilizar cedo, porque é muito complicado sofrer preconceitos, sem falar nos problemas financeiros”.

 Em 1958, a despeito dos obstáculos, aos 46 anos, já casado e após o nascimento da filha primogênita, resolvera prestar o exame vestibular para direito na UFAL-Universidade Federal de Alagoas (UFAL), logrando êxito. Era homem predestinado a quebrar paradigmas pela educação.

 Um sertanejo acadêmico de meia idade entre jovens passou a ser alvo de discriminações e injúrias por parte dos colegas que o apelidavam “velho babão’’, ‘‘velho macumbeiro’’, “gabiru de biblioteca” pois conquistava as melhoras notas, conforme biografia escrita pelo neto jornalista Jobison Barros Júnior.

Para dar conta dos estudos a única opção era pegar o famoso o pinga-pinga, ônibus popular, que realizava o percurso de seis horas de Santana a Maceió. Hospedava-se na residência de parentes, localizada na rua Cristóvão Colombo, no bairro Jaraguá. Não tinha condições de frequentar as aulas durante toda a semana em razão das obrigações da loja de tecidos no sertão, bem como não possuía recursos financeiros para se ausentar muito tempo. Para compensar as faltas, solicitava de algum amigo da faculdade as anotações das aulas para dar continuidade aos estudos no interior.

Resiliente e obstinado em 1963 graduou-se bacharel em direito na UFAL. No exercício da profissão atuou em Santana, Olivença, Carneiros, Maravilha, Batalha, Olho D`água das Flores e outros interiores circunvizinhos, além da capital. Posteriormente deu continuidade aos estudos fazendo doutorado na mesma Universidade.

Homem de fé e dedicado à família afirmava que uma das maiores heranças que poderia deixar era a educação. Dizia às filhas: “Aproveitem a idade a fim de se estabilizar cedo, porque é muito difícil sofrer preconceitos e dificuldades financeiras”.

Em 1973, após 10 anos de atuação na advocacia, foi aprovado no concurso para juiz atuando na sua cidade.

Fumante compulsivo, em 1983, aos 71 anos é diagnosticado com câncer pulmonar recusando-se a quaisquer tratamentos cirúrgicos.

Faleceu em 29.06.1984 em decorrência de complicações do câncer diagnosticado em 1983. Foi sepultado no cemitério Santa Sofia como era seu desejo.

Pelo seu decisivo trabalho em prol da educação a Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes o elegeu patrono da cadeira número 21. Será sempre lembrado.


Em homenagem ao magistrado o Fórum do Município de Maravilha recebeu seu nome. Logradouro em Santana do Ipanema recebeu seu nome.

Na definição do escritor Djalma Carvalho, assim era João Yoyô; maleável, amigo, de bom papo, modesto, exemplar pai de família, gigante na arte de ser humilde, mas determinado no cumprimento do dever.

O escritor Djalma Carvalho nos cedeu transcrição de carta que recebeu do Dr. João da Silva Yoyô Filho, datada de 08.05.1973, a propósito de artigo publicado no Jornal de Alagoas, sobre o assunto:

 

“Caro colega Djalma Carvalho – meu cordial abraço.

Li, atentamente, seu trabalho intitulado “Parabéns, Ginásio Santana”, publicado no Jornal de Alagoas, na edição de 5 do mês fluente.

Antes, porém, sem lisonja, classifico-o de um documento histórico. Já o introduzi em meu arquivo particular.

Alguém já disse: “Há flores que morrem ao primeiro beijo do sol; outras existem que murcham ao primeiro sopro da primavera; e algumas que se transformam em frutos.”

No caso em tela, o nosso Ginásio Santana resistiu à tempestade imposta pelos incrédulos. Recebendo a seiva da coragem e o calor de um punhado de idealistas, transformou-se em árvore gigantesca de cujo tronco se desgarrou a Escola de Comércio “Santo Tomás de Aquino”, hoje verdadeiro Curso Científico.

Quanto à minha pessoa – inegavelmente – sonhei, aqui, naquela época, com uma instrução que permitisse ao estudante galgar, mais tarde, os degraus de um templo superior de ensino. E, num esforço conjugado, criamos o nosso Ginásio, cuja obra cada dia se solidifica, fazendo da terra de Martins Vieira um verdadeiro e extenso campo de educação.

Termino com sinceros agradecimentos para você, parabenizando-o pelo trabalho em apreço, e, unindo minha voz à sua, direi também: Parabéns, Ginásio Santana!

Sinceramente, o amigo e colega certo.”

 

Agosto de 2021

 

 

*Agradecemos ao escritor Djalma de Melo Carvalho pela cessão de parte de suas crônicas “Velho Casarão” e “João da Silva Yoyô Filho: Juiz, Poeta, Sonhador” , bem como a filha Cleia e ao neto Jobison Barros Júnior pela cessão de crônica e informações para enriquecer este resumo biográfico.

Comentários

  1. Muito bem lembrado. Merecida homenagem

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    1. Obrigado Bartô. João Yoyô: exemplo para todos nós!

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  2. Dr. João da Silva Yoyô Filho foi um exemplo de obstinação na perseguição aos seus objetivos..O conhecí pessoalmente, ele homem feito e eu um menino , e sou testemunha dessa história ..
    Justa homenagem, João de Liô. Parabéns!!

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    1. Obrigado Xará. Eis um grande exemplo de vida!!!

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  3. Ivan Braga Chagas (Ivan Caju)16/08/2021, 08:54

    O casal João Yoyô e Leopoldina foram meus padrinhos. Lembro bem deles.

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    1. Caju, como vai você? Tudo em paz? E a família? Parabéns! Tê-los como padrinhos foi uma graça especial. Exemplos que merecem ser lembrados, sempre.

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  4. Parabéns ao confradre, amigo e cronista João Neto Félix Mendes, tive o privilégio de ter vivido e conhecido ( ao menos visualmente, em vida) do homenageado. Num misto de perplexo e feliz, ao perceber quão árdua foi sua luta, mesmo tendo nascido no seio de família de posses. A imagem que guardo é eu tentando comparar aquele homem de olhar sereno, sendo o mesmo que aparecia numa fotografia 3x4 figurando no livro de honra( de madeira ) na sala da diretoria do Ginásio Santana.ass,, Fábio Campos.

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    1. Caro confrade Fábio Campo, eis um sertanejo exemplar que fez da educação o maior lenitivo de sua jornada existencial.

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