O medo nos protege. Segundo o psiquiatra Tito Paes
de Barros, o sentimento pode se dividir entre o interno e o externo. O medo
externo é causado por "objetos fóbicos", como animais, locais
fechados e aviões. Já o medo interno é motivado por pensamentos negativos, como
aqueles relativos à morte ou a doenças.
"Hoje em dia, vivemos em uma sociedade mais
amedrontada do que antigamente. A grande difusão de notícias veiculadas pelas
diferentes mídias e eventualmente pelas redes sociais acaba gerando uma
apreensão maior nas pessoas. Quando esse medo se torna exagerado, irracional,
causando grande sofrimento, ele se constitui em um transtorno de
ansiedade", explica Tito.
Ainda segundo o especialista, o medo é um legado
que o ser humano carrega dentro de si e que o protege de sua própria extinção.
Ele ainda afirma que poucos de nós sobreviveriam na terra sem medo algum.
Esses medos estão impregnados no inconsciente
coletivo e se perpetuarão indefinidamente mesmo quando não estivermos no plano
terreno. Bem assim ocorreu com os nossos antepassados.
Vejamos esse exemplo: quando éramos pequenos
aprendemos a andar de bicicleta. Depois de um tempo, ficou tão automático que
nem pensávamos em como fazer para manter o equilíbrio e pedalar sem cair no
chão. O nosso cérebro e nossos músculos armazenaram essa informação em algum
lugar das nossas estruturas cerebrais para automatizar esse aprendizado.
O Inconsciente Coletivo para Jung consiste em toda
herança espiritual de evolução da humanidade, nascida novamente na estrutura
cerebral de cada ser humano. Neste nível profundo da psique, podemos dizer que
somos todos iguais e que não somos entidades separadas, pois todos somos “um”.
Nele estão presentes todas as experiências humanas e pré-humanas.
Segundo Carl Gustav Jung, criador da psicologia
analítica, o inconsciente coletivo nos remete a um reservatório de imagens
latentes, que são nomeadas como “imagens primordiais”, ou seja, representam o
desenvolvimento mais primitivo da psique. Essas imagens são transmitidas de
geração em geração.
São, na verdade, predisposições que experimentamos
e nos fazem responder ao mundo, tal como nossos antepassados. Podemos
considerar o exemplo do medo que temos de determinados animais ou do escuro.
Segundo os estudos de Carl Gustav Jung, determinados medos são frutos de
experiências vivenciadas pelos nossos antepassados e na qual herdamos, pois
estes medos ficaram gravados em nossa psique.
Podemos então afirmar que os conteúdos do
inconsciente coletivo são estimuladores do comportamento pessoal que cada ser
humano carrega em si desde o dia de seu nascimento.
Mitos são histórias sobre seres sobrenaturais, como
deuses ou monstros, que servem para explicar certos fatos por meio de metáforas
e simbolismos.
As lendas, por outro lado, são relatos históricos
de eventos e pessoas da antiguidade e, por isso, possuem base em determinado
momento histórico. Porém, essas histórias são distorcidas ou exageradas,
recebendo sentido fantástico.
Papafigo
Papa figo é uma figura lendária do folclore
brasileiro, conhecida principalmente em Pernambuco, Alagoas e na Paraíba. Há
relatos em que ele se parece com uma pessoa normal; para outros, teria unhas de
ave de rapina, orelhas e dentes de vampiro. Ele matava meninos e meninas
mentirosos para lhes chupar o sangue e lhes comer o fígado (daí o nome,
corruptela de papafigo).
Isso porque ele sofria de uma doença
rara (para alguns, o mal de Hansen, o que explicaria sua aparência grotesca), e
acreditava que sangue e fígado de crianças o curariam. O mal de Hansen (também
chamado de lepra) foi uma doença que matou muita gente no início do século XX,
e talvez daí venha a lenda. Outros relatos dão conta de que pessoas acometidas
do mal de chagas eram confundidas com o papa figo, por causa do inchaço em
algumas partes do corpo e no fígado.
Na
década de 70 deslocava-nos apressadamente para o Colégio Estadual porque havia
rumores de que o papafigo estaria rondando o entorno da cidade. O medo era
intenso, pois jovens seriam raptados num caminhão e levados para longe para
excisão do fígado. O fato é que a rapaziada procurava andar em grupo para
diminuir o medo e monitorar, atentamente à movimentação de veículos estranhos. Era
um período de tensão constante. De tempos em tempos os boatos se espalhavam
deixando-nos apavorados. Quando menos se andasse nesse período, melhor. Somente
de casa para o colégio. Comprovadamente não se sabia de nenhum caso, entretanto
o impacto psicológico era intenso. Aos poucos o medo ia arrefecendo e tudo se
aquietava. Passado um tempo, tudo retornava.
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A lenda do Curupira é conhecida e bastante comentada no Brasil desde a época do descobrimento. A ideia da existência de um personagem que protegia as matas era bastante difundida entre os índios e jesuítas que o chamavam de Caiçara.
Uma comprovação de que a lenda do Curupira existe
desde essa época é um trecho de uma carta do Padre Anchieta datada de 1560, que
dizia: “Aqui há certos demônios, a que os índios chamam Curupira, que os atacam
muitas vezes no mato, dando-lhes açoites e os ferindo bastante”. Para evitar
esses mal tratos, os índios deixavam presentes como esteiras e prendas para o
Curupira na entrada da floresta.
O personagem central dessa lenda é um anão de
cabelos vermelhos que possui tanto os pelos do corpo como os dentes verdes. Os
seus pés são voltados para trás para que ele possa despistar os caçadores.
Aliás, uma das funções do Curupira é proteger a floresta, punindo aqueles que
realizam caçadas ou outras atividades sem a sua permissão.
Exatamente por ser um protetor da natureza, o
Curupira é bastante difícil de capturar. Porém, ele é um excelente perseguidor
daqueles que agridem a natureza. Na hora de atrair as suas vítimas ele pode
simular gritos que imitam a voz humana. Como é muito forte e poderoso se torna
bastante difícil fugir dele.
Também é chamado de pai ou mãe da natureza. Para os
índios Guaranis ele é uma espécie de demônio da natureza. Uma curiosidade é que
alguns relatos dizem que o Curupira anda montado num porco selvagem.
Uma dúvida que aparece bastante quando o assunto é
a lenda do Curupira é se ele seria o mesmo que Caipora. A resposta para essa
pergunta é sim e não, pois para alguns povos, ambos os nomes se referem ao ser
de pés virados que vive floresta adentro.
Todavia, para outros povos, caipora é um ser
totalmente diverso da ideia do Curupira. Embora também tenha a função de
proteger a natureza, pode ser descrito como uma índia ou mesmo como um homem
astuto.
No geral, a função dos personagens designados com
essa alcunha é proteger a floresta de caçadores inescrupulosos e pessoas que
desejam destruir as matas. Dizem que Curupira e Caipora são os mesmos seres com
pés virados.
Caipora
Montado em um porco selvagem, o caipora anda nu
pela floresta e domina todos os animais. De acordo com a lenda, ele ataca os
caçadores que não cumprem os acordos de caça feitos com ele. Assim como o
curupira, de quem possui um parentesco, sua missão é proteger os animais da
floresta. De acordo com a lenda, o caipora é o terror dos caçadores que caçam
além das necessidades.
O caipora usa todos seus conhecimentos sobre a vida
na floresta para fazer armadilhas para os caçadores, destruir suas armas e
bater nos cães de caça. O caipora assusta os caçadores, reproduzindo sons das
matas, além de modificar os caminhos e rastros para fazer com que os caçadores
se percam na floresta.
Ainda diz a lenda que aos domingos, sextas-feiras e
dias santos o caipora age com mais força e de maneira mais intensa. Uma forma
de escapar da ação do caipora é oferecer-lhe fumo de corda e outros presentes,
que devem ser deixados próximos ao tronco de uma árvore, de preferência numa
quinta-feira. Mesmo assim, não é garantia de que o caipora não irá agir, pois
dizem que ele pode ser traiçoeiro.
Em Santana, dizia-se que enquanto estivesse nas
capoeiras, tinha de ter presentes para o caipora, principalmente o fumo. No
caso de encontro sem o agrado, levaria uma surra de urtiga. O sinal de que o
caipora estaria por perto seria um assovio bem agudo e intenso.
Fogo corredor
Fogo corredor Fonte: Multirio.rj.gov.br |
Também conhecido como "fogo que corre", o
boitatá, no folclore brasileiro, é uma grande cobra de fogo. Este bicho
imaginário foi citado pela primeira vez em 1560, num texto do padre jesuíta
José de Anchieta. Na língua indígena tupi, "mboi" significa cobra e
"tata" fogo.
De acordo com a lenda, o boitatá protege as matas e
florestas das pessoas que provocam queimadas. O boitatá vive dentro dos rios e
lagos e sai de seu "habitat" para assombrar e queimar as pessoas que
praticam incêndios nas matas. De acordo com esta lenda, o boitatá possui a
capacidade de se transformar num tronco de fogo. Este animal passa grande parte
do tempo rastejando pelas florestas na escuridão da noite, pois é uma alma
penada que deve pagar seus pecados desta forma.
Pesquisadores afirmam que esta lenda está associada
aos incêndios, que ocorrem espontaneamente em função da queima de gases
oriundos da decomposição de material orgânico. Algumas versões da lenda contam
que se uma pessoa estiver colocando fogo na floresta e encontrar com o boitatá
pela frente, terá uma terrível consequência. Poderá morrer, ficar cego ou até
mesmo enlouquecer.
De acordo
com a lenda, o fogo que sai da boca do boitatá é mágico, por isso ele não
queima as árvores e plantas das florestas. Pelo mesmo motivo, ele também não se
apaga quando a criatura folclórica se encontra dentro da água. No Nordeste
brasileiro o boitatá é também conhecido como "fogo corredor".
Correr desta cobra de fogo não é a melhor saída.
Contadores da lenda dizem que a solução ideal é ficar parado, de olhos fechados
e com a respiração parada.
Em Santana, eram muitos boatos de que pessoas que
tinham visto o “fogo corredor” subindo e descendo a serra das micro-ondas. O
que de fato ocorria mesmo era o relato sério e respeitoso dos adultos e o medo
paralisante que pairava sobre todos os adolescentes da época. O clima de
suspense durava até se acabar. Depois tudo se acalmava. De tempos em tempos, as
mesmas notícias ressurgiam com mais força ainda.
Rasga
Mortalha: Ouça o grito da rasga mortalha e não durma hoje!
Coruja-rasga-mortalha(pássaros exóticos.net) |
A rasga mortalha é o nome popular, na região Norte
e Nordeste, da pequena coruja, de cor branca, de voo baixo. O atrito de suas
asas, ao voar, produzem o som de um pano que está sendo rasgado.
Conhecida também como Suindara, a rasga mortalha é
uma coruja que possui fama de agourenta. Em algumas regiões, principalmente no Norte e Nordeste do Brasil, acredita-se que quando essa ave passa por cima de
alguma casa soltando um ruído semelhante a um “pano sendo rasgado”, é sinal de
que algum morador por ali está perto de morrer.
O povo acredita que, quando ela passa sobre a casa
de alguma pessoa doente, ela esteja rasgando a mortalha do doente, que assim
está prestes a morrer. A rasga mortalha
só sai na boca da noite.
Quando a gente ouve o canto agourento da rasga
mortalha deve iniciar súplicas e penitências para espantar o mal olhado. Em
Santana do Ipanema também era conhecida como “coruja de igreja”. Na torre da
capela Nossa Senhora da Assunção, havia um ninho da ave de rapina. Era comum
vê-la em voos noturnos rasantes nas imediações da praça, fato que deixava as
pessoas sobressaltadas com a sua presença.
Botija: tesouro das almas penadas
Reza a lenda que a “botija” é um tesouro que pode
ser em dinheiro (notas ou moedas), ou ainda formado por joias com ouro, prata e
brilhantes. Esse tesouro foi escondido
numa residência por alguém que queria preservar sua fortuna dos ladrões, talvez
apenas dos curiosos, mas morreu antes desfrutar da riqueza. A dinheirama pode
estar disfarçada nas paredes, no assoalho, no forro, no quintal da propriedade,
próximo a uma árvore, embaixo de uma pedra antiga. Parece coisa de filme de
piratas…. E para achar uma botija é necessário ter coragem de enfrentar forças
sobrenaturais.
Segundo a tradição, elas são uma das razões da
existência de casas assombradas. Alguns espíritos permaneceriam ligados ao
dinheiro escondido, não podendo descansar até que ele venha a ser encontrado.
Quando alguém descobre a botija, a alma está livre de seu fardo. Os que
enfrentaram esses fantasmas ficaram ricos. A localização da botija tem que ser
comunicada de forma mediúnica a quem terá a sorte de encontrá-la. Pode até
existir suspeita ou registro de onde estaria o tesouro, mas um espírito deve
manifestar o desejo de que uma determinada pessoa ache a riqueza escondida.
A mensagem é transmitida em forma de aparição
espectral, ou por meio de um sonho em que o morto passa as coordenadas e pede
que sejam rezadas missas para ele poder entrar no Céu, pois padece no
purgatório para expiar seus pecados. Se não for assim, será impossível
determinar o paradeiro da botija – ela permanecerá encantada para sempre.
Lembramos, detalhadamente, de um cidadão que
começou a cavar um enorme buraco próximo ao muro, junto ao portão lateral
direito da entrada do Colégio Estadual Prof. Mileno Ferreira do lado de dentro do Colégio, nos anos 70, sob a alegação de havia
uma botija naquele lugar. Foram vários dias de trabalho à luz do dia,
testemunhado por todos os estudantes. Era um buraco enorme. Contudo, pelo que
se sabe das regras do ritual, esse horário era incompatível com os momentos dos
casos bem-sucedidos. A escuridão e o medo eram ingredientes básicos para quem
se aventurava a exploração sobrenatural de botijas.
É do conhecimento público que várias pessoas de Santana enriqueceram a partir de doação de botijas.
Seu Liô, por exemplo, testemunhava que fora
agraciado em sonho com uma botija para ele e dois primos. Entretanto, um dos
sortudos não quis empreender a experiência sobrenatural da exploração noturna
da herança. Reza a lenda que durante o ritual da busca e escavação há aparições
espectral de almas penadas, ventanias, pisadas, sussurros, vozes e sons
horripilantes. É preciso serenidade e autocontrole para superar este estágio.
Diz-se, também, que não se pode alterar beneficiários. Seu Liô e outro parente, usando de esperteza,
substituíram um dos sortudos por outro mais corajoso por conta própria e, por
isso, a botija se encantou, restando apenas carvão no local como punição pela
tentativa de burla dos agraciados.
Assombrações
- Velho Casarão
Segundo a Profa. Dra. Edilma Bomfim, em seu
trabalho “Razão Mutilada, ficção e loucura em Breno Accioly”, pg.146, nos anos
20, discorrendo sobre o casarão colonial mal-assombrado com cinco portas
envidraçadas, da família de Cel. Manoel Rodrigues da Rocha, localizado no
centro da cidade, diz: “... Quanto às histórias dos fantasmas do casarão, elas
ainda hoje fazem parte da cultura local. Parentes e conterrâneos contam as mais
variadas versões sobre a presença de almas penadas habitando a antiga residência.
O próprio pai de Breno, Dr. Accioly afirma ter ouvido uma voz grave e
compassada respondendo – rogai por nós – às novenas e ladainhas que eram
rezadas com assiduidade pela família. Vários moradores da cidade acreditam que,
quando o sobrado ficava desocupado por motivo de viagem da família, a sala da
casa era povoada de fantasmas subindo e descendo escadas, tocando piano e
acionando o gramofone para ouvir músicas de suas preferências”.
Levitação
macabra
Nos anos 70, no bairro cachimbo eterno, houve um
alvoroço danado na cidade porque a residência do casal Ciço Coco e Maria Viola
foi considerada residência mal-assombrada. Os objetos da casa levitavam e se
atiravam contra paredes, portas e janelas de forma descontrolada. O fenômeno
macabro cessava e recomeçava compulsoriamente após sucessivos intervalos. Era o
assunto mais comentado nos grupos de conversa da cidade. Havia rumores de que
os proprietários do imóvel procuraram Frei Damião, que estaria na região
realizando os eventos das Santas Missões, em busca de explicação e intercessão
para findar os eventos sobrenaturais. Nada se sabe, ao certo, as causas e
desfecho dos episódios medonhos.
Tragédia no Bairro São Pedro
Em 1974 ocorreu uma tragédia nas imediações da praça São Pedro na residência do casal Dionísio e Vicência. Dizia-se que ela era pessoa desvairada. Muito conhecida no bairro, falava alto e conversava com todo mundo pelo caminho. Seu marido, Dionísio, apelidado de “furdunço” era fogueteiro, exercendo o ofício pirotécnico na própria residência. Algo impensável hoje em dia. Durante as festividades a São Pedro; na alvorada, ao meio-dia e na hora da Ave Maria, comandava o foguetório.
Certo dia, de uma hora pra outra, a casa deles
explodiu, destruindo praticamente duas casas vizinhas. Das pessoas que estavam
na casa de Vicência naquele momento, ninguém sobreviveu. Morreram 04 pessoas
na ocorrência funesta. A explosão fora tão intensa que foi ouvida a quilômetros
de distância. Éramos adolescentes, mas como morávamos perto, corremos para o local
para verificar o que tinha acontecido. Era um cenário de horror. Seu Costinha e
outros voluntários, foram ajudar a recolher os corpos dilacerados que foram
arremessados para o meio da rua pela força da explosão. Tristeza imensa.
Não se sabe
ao certo as causas da detonação, porém se atribuiu à manipulação e
armazenamento indevido de substâncias explosivas da produção de foguetes e
outros fogos de artifício. Vicência foi a única sobrevivente porque havia saído
para comprar algum mantimento naquela manhã. Depois disso, ficou mais agitada.
Vivia perambulando pelas ruas conversando sozinha. Aos conhecidos que
encontrava pedia colares e vestidos. Foi morar com a irmã na rua Pedro Brandão.
Após a morte da irmã, foi transferida para o abrigo de idosos São Vicente, onde
faleceu.
Em 1976, Seu
Carlos Gabriel da Silva (Seu Carrito) comerciante tradicional do bairro São
Pedro, comprou o terreno onde havia duas casas destruídas pela explosão e ali
construiu sua residência. Era uma casa grande com quatro quartos, duas salas
grandes e um anexo que servia de ponto comercial. A família relatava que vozes
de lamento eram ouvidas, sem explicações, no decorrer do dia e da noite. “Saia daqui” era a expressão pronunciada e
repetida com insistência, dia após dia, sem ninguém identificar sua origem.
Numa noite, às escuras, enquanto todos dormiam, os
irmãos Maria e José estavam assistindo à tevê quando, de repente, ouviu-se um
barulho como se alguém tivesse suspendido o cinzeiro que ficava sobre a meia
parede que separava as duas salas e o tivesse soltado, produzindo um barulho
arrepiante, principalmente porque não havia ninguém por perto. Aterrorizados
correram para o quarto.
Ducentésimo
velório
Na cerimônia fúnebre de cidadão, que residia à rua
Benício M. Barros, Monumento, nas imediações da quadra de esportes do Ginásio
Santana, dentre as pessoas presentes estavam Maria e D. Celeste que
anteriormente não se conheciam.
Entre orações e cantos fúnebres, as conversas se
seguiam durante a vigília. Foi então que D. Celeste revelou que aquele seria o
ducentésimo velório que ela frequentava, cumprindo integralmente sua promessa
pela autolibertação da possessão demoníaca. Esse foi o termo usado por ela,
causando espanto e medo para quem ouviu sua história.
Dona Celeste era uma dessas senhoras devotas à
religião católica, frequentadora assídua das missas e eventos religiosos.
Exercia a profissão de hábil cozinheira, fornecendo pratos prontos de comida
caseira na sua banca na feira semanal de Santana do Ipanema. Sua tolda era uma
das mais concorridas pela preferência incontestável dos frequentadores do
corredor das bancas de refeição a partir das noites das sextas feiras na rua
Tertuliano Nepomuceno.
Tudo seguia seu curso normal até que, um dia, o
comportamento de D. Celeste assombrosamente mudou. Abandonou seu ofício,
família e começou a perambular, sem descanso, pelo meio do mato às margens do
rio Ipanema, e andando a esmo pelas ruas, sem descanso. Quando aparecia, sua
aparência era de pessoa descuidada, roupas rasgadas e o corpo latanhado,
apresentando sangramentos. Questionada sobre a razão daquela mudança, nos
breves momentos de lucidez, D. Celeste afirmou que estava possuída pelo demônio
e que iria se curar através da penitência.
Valente e decidida, guardou seus medos e empreendeu
luta interior e solitária pela expiação dos seus pecados e pela libertação do
maligno. Como católica devota, dirigiu-se ao padre paroquial para confessar seu
sofrimento e pedir auxílio, porém o vigário não lhe deu crédito. Na ocasião,
pediu permissão para entrar ajoelhada na igreja matriz como parte da penitência
pela libertação do mal que lhe atormentava. Decidida, visto que o padre lhe
negara o pedido, ficou à espreita para executar o ritual mesmo sem o
consentimento do sacerdote. Então, aproveitando período de ausência do pároco,
executou e cumpriu sua penitência, entrando a matriz de Senhora Santana, de
joelhos, da porta principal até o altar-mor.
A outra parte da penitência era exercer a fé e
piedade cristã, frequentando duzentos velórios, rezando pelo descanso eterno
dos fiéis defuntos, cujo cumprimento se deu exatamente naquele velório. Após o
cumprimento das promessas declarou-se curada do mal que lhe afligia.
D. Celeste faleceu há muitos anos, contudo sua
história de simplicidade, fé e superação deixou lição valiosa. Precisamos estar
atentos para agir tempestivamente porque dentro de nós há força incomensurável
capaz de vencer qualquer circunstância.
Publicação de maio de 2019
Fontes:
Bomfim, Edilma Acioli, Razão mutilada, ficção e loucura em Breno Accioly, Maceió; Edufal, 2005. Pg. 146.
Entrevistas: José E. da Silva, Maria A. da Silva e Maria L. M. Noya
https://www.suapesquisa.com/folclorebrasileiro/lenda_boitata.htm
https://www.suapesquisa.com/folclorebrasileiro/lenda_caipora.htm
https://cultura.culturamix.com/literatura/a-lenda-do-caipora-ou-curupira
https://pt.wikipedia.org/wiki/Papa-figo
https://noamazonaseassim.com.br/ouca-o-terrivel-grito-da-rasga-mortalha-e-nao-durma-hoje/
https://www.orecifeassombrado.com/assombracoes/botijas-o-tesouro-das-almas-penadas/
https://www.diferenca.com/mito-e-lenda/https://institutofreedom.com.br/blog/inconsciente-p
Belo texto, apoiado num trabalho de pesquisa excepcional. Parabéns, João!
ResponderExcluirObrigado Hayton!
ExcluirExcelente crônica, João, com um tema que é riquíssimo e mexe com cada um de nós, nascidos a algumas décadas. Fez-me voltar minhas memórias, quando meu pai falava-me sobre caipora e a estratégia (não usando esse termo) de dar-lhe fumo para proteger-se de suas possíveis violências. Na minha terra natal tem uma serra onde no alto tem uma ermida e criou-se a história, na minha infância, que em algum lugar da subida podia-se encontrar com o caipora. Bons tempos, mesmo regado a esses medos, hoje imaginários. Hoje eles foram transformados em tantos outros. E assim caminha a humanidade.
ResponderExcluirFernando, que força tem a nossa imaginação !!! Obrigado.
ExcluirMuito bom esse mergulho nos nossos medos. Um tema vasto que povoa a mente humana há muitos séculos.
ResponderExcluirParabéns, João de Liô, por mais esse artigo.
Obrigado Xará do Mato ! Era muito medo imaginário. Hoje, lutamos contra os medos reais.
ExcluirExcelente crônica! Interessante como o sentimento de medo é tão peculiar a cada indivíduo. Alguns têm medo de coisas bobas e se arriscam sem temer por coisas mais perigosas sem deixar aflorar esse sentimento. Lembro muito bem da explosão na casa de fogos. Eu tinha 7 anos e estava saindo da escola, no Grupo Escola Pe Francisco Corrêia. Meus avós falaram, à epoca, q escutaram a explosão no Sítio Sementeira, distante 7km de Santana.
ResponderExcluir1974. Júnior, somente agora conseguimos identificar as pessoas que faleceram na tragédia: O casal José Francelino Tomás de Aquino e Nair dos Santos, Jailton Francelino de Aquino e Dionísio Vicente da Silva, marido de Vicência que sobreviveu porque tinha saído para comprar algum mantimento.
ExcluirExcelente! Quem não, de nós, viveu ou ouviu experiências sobre a maioria dessas lendas, senão todas? Uma elucidação em tempo para avivar nossas velhas lembranças.
ResponderExcluirGrande Joselito, obrigado pelas palavras.
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