A maior alegria de um sessentão, Oscar Silva, 1975

 


O 16 de janeiro de 1915 era o terceiro sábado de um ano que iria ficar célebre na história das secas nordestinas.

Pois foi nesse terceiro sábado de um ano terrivelmente difícil que, segundo contam seus ancestrais, espirrou do ventre de uma sertaneja nordestina de verdade, às 11 horas e 45 minutos, um "bruguelo" com apenas 7 meses de gestação. Não deveria, assim, viver 60 dias, quanto mais 60 anos. Mas, partindo do ventre que partia, aquele "traste", que não quis esperar mais dois meses de incubação, já nascia teimoso, a ponto de não aceitar o seio materno e, sem mamar, ter de criar-se enjeitado (na linguagem nordestina) ou guacho (no vocabulário gaúcho).

Casa onde nasceu o escritor.
Rua do Sebo, atualmente Rua Antônio Tavares

Não é fácil encontrar criança mais feia aos 14 anos: magro, cabeçorra, orelhudo, boca larga e torta, lábios grossos, um ombro mais alto do que outro, mas alegre e faceiro de estar vivo entre um grupo de senhoras, quase todas também muito feias, fotografado em Santana do Ipanema em 1929. E não podia ter outra caricatura o menino sertanejo que, desde a hora em que apareceu no mundo, só conhecera dificuldades, fome e miséria.


O "trastezinho", porém, tinha consigo, inata no sangue, como no sangue de todo o sertanejo autêntico, uma vontade danada de viver. E começou a armar-se de toda a necessária disposição para enfrentar reveses e superar complexos, sem o que jamais sairia da cloaca socioeconômica em que surgira e continuava sua infância de nordestino.

Escada difícil dos diabos. Cada degrau, uma série de decepções e desilusões e muito pouco de alegria para compensar o esforço. Mas o "trastezinho" teria de fechar os olhos e enfrentar a subida "fazendo das tripas coração" ou jamais sairia da planura do substrato social.

 Misturando um precário abc com o serviço de servente de olaria, servente de pedreiro, ajudante de carro-de-bois de um primo, aprendiz de funileiro com o pai ou de marceneiro com um amigo da família, o "traste" conseguira, num pulo mágico, chegar a "caixeiro de um botequim em Penedo, ou de tecelão numa fábrica da mesma cidade.

 Sem saber, porém, qual o rumo que na verdade deveria seguir, submeteu-se a toda uma série de experiências, que se iniciava com 0 alistamento como "flagelado" para defender o Governo contra os revoltosos de São Paulo em 1932 e prosseguiria com a passagem por soldado, cabo e sargento da polícia alagoana (no tempo do hoje ilustre falecido Lampião), auxiliar de escrita do DVOP de Alagoas, censor postal do Estado Novo, auxiliar de escritório do DCT, escriturário do Ministério da Fazenda de Maceió, Escrivão de Coletoria Federal em Minas Gerais e Coletor Federal em Cascavel e Toledo, até ser jogado no lixo da disponibilidade funcional, como sucata que poderá ser ou não aproveitada de acordo com uma eventual falta de máquinas para o avanço “tecnológico" da burocracia do País.


Encontro antológico dos escritores Oscar Silva,
 Valdemar Lima e Adalberon Cavalcante

Quando circular este jornal, estarei fazendo ou já fiz os meus 60 janeiros. Sessenta degraus numa escada de onde várias vezes rolei aos primeiros degraus, quando não ao próprio solo, enquanto muitos, dito felizardos, sobem de elevador e vão parar no sótão de seu arranha-céu.


Não é fácil chegar a esta altura da vida, sem um autojulgamento onde o indivíduo se diga um frustrado, um super-homem (“herói que se realiza com os próprios esforços) ou um abençoado dos deuses que venceu sem fazer força".

Não me situo, felizmente, em nenhuma dessas três posições. terceira jamais almejei, porque nunca pude conceber vitória sem luta. A segunda não sei se a ela chegarei (talvez não), pois jamais me sentirei "realizado” como ser humano com uma missão a cumprir na terra.

Minha alegria consiste em não me considerar totalmente frustrado. Se tomei tombos, sempre me reergui e, o mais das vezes, sozinho com aquela teimosia de pau-de-arara nordestino, a enfrentar canalhice humana de todos os matizes, inclusive o total abandono ou a indiferença de companheiro que só o são quando a jornada se faz numa estrada florida e perfumada.

Aos 60 anos, sinto-me agora como se nascesse de novo, pronto para mais uma etapa na jornada que não sei quando termina. E isso é tudo para quem espirrou 7 meses, foi criado sem mamar e teve como caldo de cultura de formação espiritual as inclemências do sertão nordestino. Esta, a meu ver, a maior alegria no aniversário de um pau-de-arara sessentão.

                                                                           Jornal "Nova Geração”, Toledo Pr, 17.01.1975


Obras de Oscar Silva publicadas:

Asas para o Pensamento (1945) Conferencia filosó fica Maceió - Edição própria - Esgotado.

O Cavaleiro da Esperança (1946) - Luís Carlos Prestes em versos de cordel - Edição do PCB - AL - Apreendida.

Fruta de Palma (1968) Crônicas nordestinas - Edições CAETÉS - Maceió - Esgotado.

Agua do Panema (1968) Romance de costumes nordestinos Edição própria - Toledo (PR) Esgotado.

O Conto e as Massas (1970) Tese apresentada no III Seminário de Literatura em Curitiba Edição própria - Esgotado.

Semente de Paraíso (1980) Peça teatral - Edição da COOPAGRO - Esgotado.

"Toledo, a Terra e o Homem" (1983) - Edição do Projeto História.

"Cartilha de Toledo" (1984) - Edição do Projeto História.

"Toledo e seus Distritos" (1986) Edição Projeto História.

 Sete Caras (1986) Contos Edição própria.




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