O curioso sexto sentido de um vocábulo: "Capiá"

 


    Capiá é nome atribuído a planta, rio, povoado e a alguns personagens:  José Soares de Andrade, estreou o apelido; Luiz Antônio de Farias, o segundo e Manoel Francisco de Souza, o terceiro até agora.

            No dicionário Aurélio a palavra “capiá” consta de variação morfológica de “caiapiá ou carapiá” do Tupi-guarani, que tem o significado: “Designação comum a várias espécies do gênero Dorstenia brasilienses, da família das moráceas, também chamada de contraerva. É uma raiz que empiricamente se aplica contra um veneno.”

            “Carapiá é uma planta que pode ser considerada, hoje, nativa do Brasil, nas encostas da Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga, amplamente utilizada pelos índios, caboclos, povos do mato, sertanejos e quilombolas. Suas folhas são consideradas planta medicinal, e sua raiz, um tubérculo poderoso. Porém, hoje, essa planta está com sérios riscos de extinção.”

 No Brasil, empiricamente, é usada para tratamento de febres, dismenorreia, atonia do aparelho digestivo, gastrite, disenteria, reumatismo, dermatite, como expectorante, tônico-estimulante, contra picadas de serpentes (emplastro com raiz fresca) e em diarreias crônicas.


              O rio Capiá é um curso de água que banha o Estado de Alagoas, na região sertaneja. Forma, com seus afluentes, uma bacia hidrográfica desde Ouro Branco a Piranhas onde tem sua foz, desaguando no rio São Francisco.

           O Povoado Capiá da Igrejinha está localizado às margens do Rio Capiá e BR 423 – Km 10, no município de Canapi. O povoado ganhou o nome porque lá encontra-se uma pequena capela construída entre 1803 e 1826, em honra à Padroeira Divina Pastora. A capela é motivo de orgulho das famílias tradicionais da localidade, entre elas: Família Barbosa, Carvalho, Gomes, Cabral, Silva e Marques, dentre outras.


            José Soares de Andrade(1967-2014), natural do povoado, era pessoa com transtorno mental que fazia dele andarilho incansável. Perambulava pelas cidades limítrofes e ruas santanenses pedindo insistentemente qualquer coisa. Dizem que o que ele recebia de doação redistribuía imediatamente, reiniciando sua mania, sem descanso. Há muitas histórias hilárias reforçadas pelos trejeitos, gagueira, repetição das palavras e respostas rápidas e objetivas às conversações e indagações. O registro fotográfico do encontro antológico entre Capiá e Alegria, outro pedinte compulsivo, imortalizou o momento. Segundo populares, Capiá faleceu há alguns anos. Foi sepultado em Ouro Branco.

            Trabalhamos com os outros dois bancários, que foram colegas do Banco do Brasil. Luiz Antônio de Farias, bancário aposentado era meu supervisor quando ingressei no posto de menor aprendiz em serviços gerais em 1975.  Mesmo morando na Veneza Brasileira é costumeira sua rota rodoviária pelo litoral norte alagoano, Olivença e Santana. Atualmente, divide-se entre as atividades de agropecuarista na Fazenda Lagoa do Rumo, Olivença e escritor com 03 livros publicados e outro no prelo. Seu cognome é marca inseparável.

Luiz Antônio de Farias

            O ilustre personagem conta o porquê na crônica “Por que Capiá?”, constante do livro “Saudade, meu remédio é contar”, cujo trecho reproduzimos a seguir: (...) “Havia no povoado Capiá, um bode pai-de-chiqueiro, dotado de uma barba considerável, que "fazia ponto" diariamente em uma bodega do lugarejo (Capiá), onde os "papudinhos", assíduos frequentadores da birosca, repartiam suas talagadas com o referido animal. À tardinha, o embriagado caprino saía trôpego para "curtir" a carraspana sob um frondoso pé de figo que havia em uma praça da localidade.

Concomitantemente, naqueles primórdios, eu exibia um exuberante cavanhaque capaz de fazer inveja ao animal em questão. Do mesmo modo, também já gostava de "afogar minhas mágoas num copo de bar", como diria o poeta. Determinado dia, cheguei na república dos bancários, localizada na Rua Prefeito Adeildo Nepomuceno Marques, em alto estado de ebriedade, quando me deparei com Mário Beleza, colega do Banco do Brasil, que numa inteligente presença de espírito, exclamou:

- Aquele que vem banzeiro que só o bode do Capiá! A partir daquele momento foi criado meu apelido que, com o passar dos anos, foi simplificado apenas para Capiá.”.

Manoel Francisco de Souza

 Manoel Francisco de Souza (1954-1995), Mané Capiá, gracejador e gaiato inveterado. Fora-lhe atribuída a alcunha pela semelhança da barba com o Luiz Antônio.

Numa roda de amigos tinha mania de imitar o canto de pavão que parecia um gato miando, desesperadamente.  

Esse fato se passou na sua casa e foi contado por ele mesmo. Dona Cícera, sua esposa, havia contratado uma secretária para auxílio nas estafantes tarefas domésticas. A Maria era morena esbelta de curvas bem delineadas que não tardou a despertar à atenção do astuto Capiá.

Após calcular várias vezes as consequências de eventual assédio, decidiu se arriscar. Sem alternativa, a ingênua serviçal se viu acuada, nada restando senão denunciar os galanteios do patrão e garantir o emprego.

            Após a denúncia, dona Cícera conhecendo o marido que tinha, advertiu-o severamente:

- Capiá, tenha jeito de homem! Você está dando em cima da secretária!! Tenha vergonha na cara e procure seu lugar!!!

E Capiá que tinha resposta pra tudo, olhou com seriedade para a esposa, respondendo com sagacidade, pausadamente:

- Mulher, o negócio é o seguinte: vamos demiti-la pois ela não é uma pessoa de confiança. O que se diz em segredo ela não pode sair por aí dizendo pra todo mundo...

Voltando ao tema central, concluímos com o argumento de que a relação entre a planta e o epíteto zombeteiro se dá de forma indireta, visto que a espécie deu nome ao rio, que por sua vez deu nome ao povoado e a alguns moradores do lugar ou quem ali esteve ou a quem apresentou alguma semelhança física com quem era assim chamado. Os fonemas que formam o vocábulo indígena carregam, em sua pronúncia fácil, intensidade comunicativa reforçada pela imagem folclórica dos personagens consagrados pela sabedoria popular.

 

 

Publicação de janeiro de 2005, revisada em julho de 2021


Capiá da Igrejinha, Canapi AL



Rio Capiá, Maravilha AL



















                                                                                                            Capiá da Igrejinha, Canapí AL.



Comentários

  1. É inteiramente intrigante os relatos históricos que são regiatrados no blog. Quantos fatos importantes que fazem parte de nossa convivência, porém sem conhecimento, até agora é claro. Ter um registro desses personagens folclóricos e de suas origens nos coloca na posição de que nunca esqueceremos nossas histórias, nosso povo, nosso costume.
    Me diverti bastante com a leitura. Parabéns ilustre João Neto Mendes.

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    1. A história santanense é repleta de referências aos personagens folclóricos que enriquecem a convivência social. Obrigado.

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  2. Excelente pesquisa, Xará!! Essa associação entre a planta, a localidade e os apelidos ficou muito boa. Parabéns pela crônica pesquisa..

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