Vista parcial do centro de Jaú |
Naquele
ano estávamos em Guarulhos visitando parte da família radicada na região. No
final de semana iríamos a Jaú visitar outra sobrinha que morava na cidade. O
município é um importante polo de desenvolvimento industrial e agrícola,
destacando-se pela quantidade de fábricas de sapatos femininos, sendo conhecida
como a capital do calçado feminino.
Situado em uma região de terra roxa de alta fertilidade, contribuiu para que Jaú se tornasse um dos principais centros produtores de café do Estado de São Paulo e do País. O grande desenvolvimento econômico proporcionado pelo café, fez com que o município ganhasse o título de “Capital da Terra Roxa”.
Os antigos fazendeiros queriam evidenciar a tamanha prosperidade do município de alguma forma e para isso, começaram a realizar construções suntuosas, que hoje formam o patrimônio arquitetônico do município:[...] o café mudaria para sempre também a paisagem urbana, dotando o município de toda a beleza arquitetônica que mistura vários estilos e que identifica de maneira original o meio ambiente urbano. Graças ao glorioso período cafeeiro Jaú acumulou um expressivo patrimônio arquitetônico.
Era o mês de julho. Quando chegamos a
cidade, hospedamo-nos na casa do efusivo empreendedor Rômulo (Valter Rômulo Morais
Cavalcante), onde a sobrinha Flávia também morava na ocasião. Rômulo era multifacetado
artista visual, restaurador, pintor, antiquário, decorador e empresário
gastronômico. Único filho homem da numerosa prole de mulheres do casal Albérico
e dona Macotinha. A família migrou de Major Izidoro para Santana do Ipanema nos
70, em virtude de transferência de local de trabalho de Seu Albérico,
funcionário público federal.
Há anos residindo no Sudeste, Rômulo
bem-sucedido, caprichoso e de bom gosto construíra na cidade ambiente múltiplo
de recepção, antiquário e bistrô denominado Vila Sanz. Ambiente agradável e
requintado. O espaço fora pré-inaugurado pela virtuose paulista Badi Assad (Mariângela
Assad Simão, 1966), violonista, cantora, percussionista e compositora. Uma das
versáteis integrantes da família de músicos “Assad”. (Clique para conhecer)
Julho Cultural de Jaú |
Naquele estranho dia de frio para um
nordestino, havia festa em vários pontos da cidade. Chegamos dispostos a participar
da maratona da programação de férias “Julho Cultural” que a cidade e os anfitriões
nos ofereciam. Na praça central, fomos assistir à exibição intimista de grupo
de jazz que tocava “Hit The Road Jack”, do ícone americano Ray Charles.(Clique para conhecer)
Após uma breve pausa fomos ao teatro
Elza Minerato onde estava sendo celebrado o dia mundial do rock (13.07) com o
evento “rock sinfônico”. Dentre as canções apresentadas o destaque foi para a
canção “Meu Amigo Pedro” de Raul Seixas e Paulo Coelho. Performance da rara beleza.
Teatro Elza Minerato, Jaú |
Para fechar a noite, sexta-feira 13,
perto da meia noite, Rômulo nos fez um convite um convite pra lá de inusitado: um
passeio do cemitério. Embora bastante estranho fomos conferir de perto a
programação.
O passeio de Arte Cemiterial em Jaú,
realizado periodicamente pela Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo, é um
costume na cidade, segundo o diretor do Museu Municipal de Jaú, Júlio Polli. No
passeio, Polli aborda a arte cemiterial através da visita noturna ao cemitério
de Jaú. Com uma lanterna, o cicerone guiava-nos pelas ruelas dos jazigos
das famílias tradicionais, destacando-os, iluminando e descrevendo os detalhes artísticos e
seus autores.
Enquanto isso, Rômulo gaiato como
sempre, sumia e se escondia entre os túmulos a imitar sussurros sinistros, aumentando o volume quando se aproximava, simulando assombração, na tentativa de amedrontar quem estivesse por perto. Depois, reaparecia com homéricas gaitadas zombando de
todos ao seu redor.
O Cemitério Municipal Ana Rosa de Paula, em
Jaú (SP), foi inaugurado em outubro de 1894. o pesquisador Júlio Polli,
deu uma aula de arte cemiterial inserida em vários túmulos. O local conta com
obras exclusivas das décadas de 1920 e 1930, dos renomados artistas, Roque De
Mingo e Eugênio Prati.
Famílias com elevado poder aquisitivo encomendavam
as obras para homenagear os mortos. A principal raridade é o monumento da
família Cesarino, assinada por Prati. O pesquisador conta que no país só
existem outras três iguais. “Ela simboliza a saudade que a pessoa está
pranteando a dor. E quando perguntaram para a família o que ela queria, era
realmente isso, transmitir a dor dos familiares pela perda do pai”.
Obra assinada por Eugênio Prati tem apenas outras três iguais em todo país (Foto: Alan Schneider / G1) |
Na obra, as patas de leão significam que a
principal pessoa da casa faleceu, o “leão da família”. “As tochas entrelaçadas
simbolizam que a pessoa faleceu precocemente para os padrões. Temos no túmulo
também as urnas funerárias com a chama da purificação. O material usado no
túmulo é granito e bronze”, explica Polli.
“É uma obra de Roque De Mingo também, que é o
rosto de Jesus. Do lado esquerdo tem o ramo de palmas e do lado direito café,
que faz alusão da origem da família de João Ribeiro de Barros, que eram
cafeicultores. João Ribeiro e Barros foi o primeiro americano a realizar a
travessia em um hidroavião do Atlântico Sul e sem escalas”, informa.
De Mingo assina obra em túmulo de João Ribeiro de Barros (Foto: Alan Schneider / G1) |
No cemitério de Jaú, várias estátuas chamam a
atenção. O pesquisador, que realiza passeios noturnos com grupos de estudantes
para contar a histórias dos túmulos com arte cemiterial, também destacou obras
de Roque De Mingo, entre elas, do mausoléu do Comandante João Ribeiro de
Barros, que dá nome a uma das principais rodovias do estado de São Paulo.
Já o maior conjunto entre as doze obras de Roque
De Mingo espalhadas pelo cemitério está no túmulo da família Avelino. “Ela tem
uma suntuosidade do conjunto da obra. As urnas funerárias, que representam a
purificação, na coluna a papoula, símbolo da morte e do renascimento, remete
tudo a uma mitologia grega. E dentro, as estátuas assinadas por Roque De Migo”,
avisa Polli.
Conjunto de De Mingo (Foto: Alan Schneider / G1) |
No passeio cultural pelo cemitério, o pesquisador
destacou os raminhos de café que estão cravados em vários túmulos. “Raminhos de
café, símbolo impotente da atividade da família trazia status. Não é um símbolo
religioso, mas faz parte da arte cemiterial, que conta aspectos da vida e da
morte da pessoa. É da época do Brasil agrícola, da República Velha, que era o máximo
do máximo. Isso dava um status tremendo”.
Para finalizar a aula, Júlio Polli ressaltou uma
estátua de Nossa Senhora Aparecida. “É uma bela obra, que incluiu ramos de
palma, a crença na ressurreição. Nossa Senhora segura tulipas e papoulas, que é
o símbolo da morte, do sono profundo. Nossa Senhora estaria em uma meia lua nos
céus e pisando sobre uma cobra, que fala que ela tem o poder de esmagar a
cobra, e está representando o pecado original porque a cobra está com o fruto
proibido na boca”.
Obra de De Mingo mostra Nossa Senhora pisa em cobra e está sobre uma lua (Foto: Alan Schneider / G1) |
Jaú a exemplo da capital São Paulo,
no Cemitério da Consolação, oferece passeios monitorados e gratuitos mantidos
pela Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo de Jaú desde 2010. Jaú é a quarta
cidade do Brasil a fazer passeios monitorados mensalmente, é a única no país
que faz passeios noturnos e a terceira da América Latina.
Assim encerramos aquela sexta-feira
13 inesquecível, de muita música, risos e arte cemiterial.
Rômulo(1967-2020) nos deixou no dia
13.12.2020. Foi sepultado em Santana do Ipanema. Que descanse em paz!
Julho 2021
Ao homenagear um amigo, você acaba fazendo um sobrevoo panorâmico interessante sobre a cultura de um de nossos vários brasis. Que os tempos pós-pandêmicos nos inspirem a ampliar horizontes e conhecer melhor nosso país.
ResponderExcluirLinda homenagem, Rômulo deixa muitas saudades.ja vai fz 7 meses de sua partida e ainda não consigo acreditar
ExcluirRômulo nos proporcionou muitas risadas. Nossa viagem foi inesquecível!
ExcluirMeu irmão querido
ResponderExcluirJamais será esquecido.
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