Desabamento da nave central da igreja matriz de Senhora Santana em 1982

 

Foto: João Neto Felix Mendes, 1982

A nave principal da igreja matriz de Senhora Santana desabou na noite do dia 01.04.1982. Que ironia, no Dia da Mentira! Foi um choque: todas as estruturas se abalaram; da igreja, das tradições, da saúde do padre Cirilo e da sociedade ferida no maior legado: a religiosidade.

O vão central da igreja era sustentado por três colunas românicas de cada lado, em arco côncavo contínuo, exibindo toda a imponência e beleza arquitetônica incomum aos templos religiosos do sertão alagoano. A última e mais profunda reforma havia ocorrido nos anos 40, iniciada pelo padre José Bulhões (1886-1952) e concluída pelo padre Fernando Medeiros (1910-1984) em 1947.

Naquela noite, padre Cirilo não havia celebrado a missa porque teve compromisso na zona rural da paróquia. Cedo da noite, Marinalva Cirilo havia ministrada aula de catequese a turma de crianças. A noite avançava. A igreja já estava fechada e, de repente, ouviu-se um forte estrondo. Algumas pessoas que conversavam defronte ao prédio se olhavam incrédulas e atordoadas com o que acabara de acontecer, sem saber ao certo o que havia ocorrido. Inclusive, a senhora Maria da Luz, que era vizinha lateral da Igreja, escutou o barulho com muita intensidade visto que a coluna de suporte que desabara ficava daquele lado, bem perto da sua casa.

Foto: Jornalista Fernando Valões, 1982

Muitos queriam entrar na Igreja para verificar o que havia ocorrido. No entanto, esperaram o padre Cirilo, que acabara de chegar de sua missão pastoral e, apressadamente, dirigiu-se à Igreja. Quando se abriram as portas as pessoas não acreditaram no que estavam vendo: o cenário era medonho: um amontoado de destroços. A primeira das colunas de sustentação da nave central da construção havia desmoronado e, junto ela, todo o vão central de madeiramento, forro e telhas foram ao chão atingindo as bancas dos fiéis. Tudo destruído. Por incrível que pareça nenhuma das imagens foi atingida ou danificada, principalmente a do Sagrado Coração de Jesus, que se encontrava bem perto da coluna que arriou e levou tudo junto.

Aquela noite, quinta-feira, tornou-se triste na história de Santana do Ipanema. No dia seguinte, primeira sexta-feira do mês, dia de penitência em que se celebra o costume devocional ao Sagrado Coração de Jesus, o altar foi improvisado no salão paroquial, que passou a abrigar as celebrações daquele dia em diante até a reinauguração.

Foto do altar primitivo

Enigmáticos foram os fatos que se sucederam: Poucos pedidos públicos de ajuda, ausência de consulta ou campanha popular quanto à reconstrução: preservação do modelo tradicional ou remodelação ao estilo moderno.

A única campanha pública de arrecadação de fundos foi a venda de bilhetes de sorteio de um veículo fusca zero quilômetro. Exitosa foi a iniciativa, mas insuficiente para a envergadura dos custos.

Os dilemas foram muitos e de todos os lados vinham opiniões divergentes: parte da população favorável à preservação e outra parte à modernização.

 Vamos aos fatos: Das 6 colunas (3 de cada lado) da construção original concluída em 1947, apenas uma desabou. Talvez em razão de infiltrações. Foi uma das razões. Por que não reconstruir apenas uma, mantendo todo o restante? Seria mais rápido e econômico, sem grandes traumas, mantendo a estrutura original. Entretanto, pairava a incerteza: e se as outras também estivessem comprometidas? Demolir tudo para reconstruir no estilo original além de elevado custo, exigiria engenheiro especialista que não havia no município, dentre os voluntários. Contratar profissional encareceria ainda mais o projeto.

 O povo santanense sempre foi solidário e cooperativo. Não se trata disso.  Faltou direcionamento. Influenciadores focaram unicamente na economia sem levar em conta o sentimento de pertencimento da comunidade, história e tradição. Quanto vale uma tradição?

 O que se concluiu foi que prevaleceu a decisão pela objetividade da modernização, simplesmente. Presume-se que este foi o caminho percorrido até o desfecho final.

Assim, foi demolido todo o interior transformando-o num grande salão “moderno” livre de embelezamento arquitetônico como outrora. O telhado foi substituído por estruturas de ferro de lado a lado, coberto de telhas de amianto e forro de plástico PVC em substituição à estrutura de telhado e forro de madeira coberto de telhas.

Foto da reconstrução: João Neto Felix Mendes

Atônita ficou uma paróquia inconformada até os dias atuais. Da construção dos anos 40 permaneceram intactos o frontispício exterior e a parte interior englobando portas de entrada, mezanino que era utilizado por músicos e coral, além das escadarias de acesso à torre e os vãos do campanário, relógio e parte final da torre agulhada.

Curioso é que este episódio não foi exceção na história da cidade: Em 1961, no início de sua gestão o prefeito Ulisses Silva, sob o argumento de modernização do centro da cidade, pôs ao chão complexo de prédios do meio da rua que foram construídos pelo major José Francisco no período de vila, no fim do século XIX. Por décadas funcionaram casas comerciais, na parte térrea e em toda a circunferência e, no primeiro andar, salão para bailes, teatro e o início do tradicional Colégio Santanense.

 Tudo foi demolido rapidamente. A sociedade foi pega de surpresa. Atordoada não teve nem tempo de reagir, indagar ou questionar. É que o se ouve hoje em dia de contemporâneos. Restam reminiscências, lamentações e fotos da história que se perdeu...

 

Falecimento do cônego Luiz Cirilo Silva (1915-1982)


As preocupações e incertezas foram debilitando drasticamente a saúde do padre Cirilo no decorrer daquele ano de intensas provações. Problemas financeiros, campanhas de reconstrução e outros fatores foram lhe roubando cada vez mais a tranquilidade.  O pároco passou mal durante a Santa Missa do domingo seguinte ao desmoronamento. Já eram os primeiros sinais da sua fragilidade física.

No dia 02.11.1982, celebrou a Missa de finados já cansado, não conseguindo cumprir sua agenda de compromissos. Médicos próximos aconselharam-no a ir a Maceió para cuidar da saúde, entretanto o vigário resistia e preferia se dedicar ao serviço paroquial, até o momento em que tiveram de levá-lo apressadamente aos médicos, e durante o caminho, agravou-se o infarto.

Aos 09.11.1982, por volta das 19 horas, em Maceió, faleceu Cônego Luiz Cirilo Silva, com 67 anos, 41 anos de sacerdócio, dos quais 37 dedicados com grande zelo pastoral à paróquia de Senhora Sant'Ana.

Foto: Lápide na matriz de Senhora Santana

Foi sepultado na Igreja Matriz de Senhora Sant'Ana em 10.11.1982, às 8 horas. O cortejo fúnebre teve a presença de todo o clero diocesano, representantes das dioceses vizinhas e mais de 5 mil paroquianos.



 Fotos atuais:

Foto atual do interior: Jaelson Lima

Foto do mezanino e antigo local do coro: Jaelson Lima




Foto panorâmica do altar-mor: João Neto Felix Mendes



Foto da capela lateral do Santíssimo Sacramento: João Neto Felix Mendes












Junho de 2021

Para saber mais veja:

Santana do Ipanema Conta sua História, de Floro e Darci de Araújo Melo, Rio, 1976;

Memórias Religiosas de Santana do Ipanema, de José Walter da Silva Santos Filho, SWA   Instituto Educacional Ltda, 2016. 

Comentários

  1. O que falta em Santana é um órgão que se responsabilize pela preservação do patrimônio histórico e cultural. Desconfiguraram a Matriz, desconfiguraram o cine Alvorada, desconfiguraram a coordenadoria de ensino (prédio financiado pelos EUA - "aliança para o progresso", portanto histórico). Destruíram a casa do Padre Bulhões, com 23 cômodos, que já hospedou diversas autoridades, inclusive governadores. Tudo isso sem nenhuma consulta à população. É lamentável, muito lamentável!

    Júlio César L Furtado

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    1. Júlio, obrigado pela comentário. Como membro da comissão "Memória e Patrimônio Histórico da Academia Santana de Letras", tenho lido e pesquisado sobre as questões legais de preservação do patrimônio histórico santanense. Na verdade, até o presente momento não temos nenhuma Lei ou programa de proteção ao patrimônio histórico material ( prédios e construções) ou imaterial ( Costumes, crenças, folguedos e comidas típicas). Por outro lado, alguns prédios citados por você são particulares, o que dificulta ainda mais ações de preservação sem regulamentação específica. O tema é polêmico. O que temos são ações isoladas dos gestores. Santana do Ipanema não tem nem secretaria de cultura. A pasta é integrada à secretaria de educação. Acreditamos que será possível apresentar essas demandas à prefeita Christiane Bulhões, sugerindo criação projeto de de Lei voltado ao tema. Para o seu conhecimento o sobrado da família do Cel Manoel Rodrigues da Rocha que pertence ao empresário José Pinto de Araújo está sendo reforma, mantendo algumas características originais. Em breve, o sobrado comercial da esquina que pertence aos herdeiros de Zé Quirino também passará por reforma também mantendo fachada original.

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  2. Caro João Neto, este resgate à memória coletiva sobre este acidente histórico na Igreja Matriz Senhora Santana, bem fundamentada pela sua verve de pesquisador e escritor, reacende luz e reforça a necessidade da participação efetiva da sociedade organizada nos encaminhamentos voltados a preservação e conservação do patrimônio arquitetônico, cultural e histórico da nossa cidade, principalmente porque erros continuam acontecendo e outros estão na iminência de acontecerem. Parabéns por sua constante inquietação, busca e fundamentação aos fatos que se entrelaçam e definem a memória da nossa querida Santana do Ipanema, através do seu talento e potencial conhecimento literário!

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    1. Walney, obrigado pela leitura e comentário. Sua opinião é importante e enriquece nossa disposição em contribuir para a preservação da nossa história.

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  3. Obrigado João Neto pelos seus esclarecimentos. Uma lei municipal ajudaria muito, haja vista que não se pode tombar um prédio, por exemplo, sem uma norma que discipline esse ato. Vamos em frente. Bom saber que os casarões do comércio estão sendo preservados.

    Júlio César

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    1. Júlio, agradecemos seu questionamento e interesse porque nos ajuda a divulgar e a juntar aliados na causa que é de todos nós. Vamos preservar a memória dos nossos ancestrais. Viva a história santanense!

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  4. Caro amigo e confrade João Neto. É interessante, rever um evento fatídico dessa natureza, ocorrido no passado, sendo trazido à luz do presente. Tento cercar-me do maior número possível de elementos, que possam aflorar recordações minhas, daquele tempo: o que eu sentia na ocasião, tipo: que idade eu tinha? no que pensava, e com relação ao ocorrido? até que ponto isso afetou meu pensar sobre: a igreja que eu, e família, frequentava? sobre o padre Cirilo? dei valor ao que foi dito? a boatos, a superstições até? aos comentários da época? Penso em quem estava ocupando os poderes, municipal: dr Isnaldo Bulhões, estadual: Divaldo Suruagy, Federal: general João Baptista Figueiredo. Naquele ano ocorreu a copa do mundo de futebol na Espanha [sagrando-se campeã do certame a Seleção italiana]. Ainda era moda calça "boca de sino" cinto de fivela larga, cabelo e barba grande, e ouvia-se muito rock in roll, Bee Gees, grupo ABBA, The Beatles...Eram outros tempos! Assim que soube do ocorrido fui olhar. Ao ver a torre da igreja intacta, pra mim, foi como se nada tivesse acontecido. A torre com toda sua imponência era o que me importava. No entanto, a mudança ocorrida por dentro, essa causou-me estranheza, isso causou. Foi muito estranho, isso foi. E que levei tempo pra acostumar-me, ah, isso levou... ass: Fabio Campos.

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    1. Confrade e amigo Fábio Campos: você tem razão em evocar seus questionamentos. Será que nós, realmente, demos importância ao assunto à época? Opinar e se omitir são escolhas que fazemos a todo instante: cada uma com o seus efeitos. As consequências serão de todos, sem dúvidas! Será que aprendemos? Obrigado.

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