Serenatas, de Márcio Lanzuerksy Brandão Barros

 

Márcio Lanzuerksy (1942-2012)


Na década de 60, antes da energia da CHESF chegar a Santana do Ipanema, tinha-se "black-out" depois de meia noite quando se desligavam os motores que acionavam os geradores da energia que iluminava a cidade de forma precária. O desconforto era grande, os eletrodomésticos não existiam e até alguns bares usavam geladeiras a querosene para atender a demanda da cerveja gelada tão apreciada. Mas era poético esperar o apagão e sair às ruas enluaradas ou não, acompanhado de instrumentistas a cantar, sonhando e fazendo sonhar, vivendo o prazer da liberdade de uma cidade pequena onde se pode ter comportamento familiar com todos, tal o conhecimento que os membros da comunidade desfrutam entre si.

Decorria o mês de julho de 1963. A cidade estava repleta de jovens de vários pontos do Estado e, sendo férias escolares, quase todos os santanenses, estudantes fora de seu torrão, estavam na cidade. Como era de tradição as serenatas pelas madrugadas quiseram ser iniciadas, só que o delegado de polícia da época, o então tenente Estevão, para evitar desordens, adotara o toque de recolher depois da meia noite.


Foi grande a nossa surpresa quando, alta madrugada, fomos flagrados por uma patrulha comandada pelo próprio delegado. Não sabíamos de que se tratava e ao receber no rosto o facho de luz de uma potente lanterna reclamamos: Mas que falta de Educação! Não se foca o rosto das pessoas. Tenente Estevão, homem educado, logo baixou o facho de luz para nossos pés ao tempo em que, aproximando-se, perguntou-nos: "Serenata por que?" Resposta pronta e abusada: Porque é de noite.

Identificados pela escolta como estudantes em férias, filhos de pessoas de bem da cidade, fomos liberados após algumas perguntas. Uma delas para matar a curiosidade sobre o violonista Humberto da cidade de Maravilha que, flagelado por um sapato apertado, tirou-os e continuou a tocar de pés descalços. Logo por nós identificado e justificado: Para uma boa serenata basta a garganta estar boa e o violão afinado, o tipo de vestuário ou sua ausência não são empecilhos a sua realização.

O diálogo que se seguiu completou a cena cômica: "Para onde vão os senhores?" Estávamos indo p'ra casa, agora não sabemos. Vão embora vocês já estão conversando demais - disse o delegado. No dia seguinte, Eraldo advogado militante na cidade e amigo do militar e pessoa de nossas relações, questiona sobre os acontecimentos e nos diz, entre gargalhadas, que só não terminamos presos, aliás, coisa muito bem empregada, em consideração a nossos pais.

Os festejos da padroeira prosseguiam e nós nos sentindo indignados e espoliados em nosso direito de acordar paqueras, namoradas ou noivas ao som de um violão e de nosso canto desafinado. Foi aí que uma ideia brilhante foi lançada: Isnaldo, preparando-se para fazer vestibular de Direito, já entusiasmado com sua futura profissão e esquecido da Lei do Silêncio, encontrou a solução: Dr. Inocêncio recém-nomeado Juiz de Direito da cidade conceder-nos-ia "hábeas-corpus" preventivo e nós faríamos nossa comemoração tradicional sem correr risco de prisão.

 

Márcio Lanzuerksy

Crônica publicada em jornal em 19.08.2004








    Márcio Lanzuerksy Brandão Barros, nasceu em 27.05.1942, em Santana do Ipanema. Filho de Manoel Machado Barros e Maria Brandão Barros; irmão de Múcio, Maria da Assunção, Maria Irene (in memorian), Manoel Ormindo, Mardônio (in memorian), Mozart e Mário César.


Estudou o primário e o ginásio em Santana do Ipanema, respectivamente no Grupo Escolar Padre Francisco Correia e no Ginásio Santana. Mudou-se para Maceió, onde cursou o científico no Colégio Diocesano de Maceió. Graduou-se em engenharia civil pela Universidade Federal de Alagoas em 1967.

Cursou diversas especializações e cursos de atualização, dentre os quais se destacam: pavimentação rodoviária; solo-cimento; emulsões asfálticas; escavações em rocha e drenagem, além do MBA Executivo em Gerência de Projetos.

Como engenheiro civil, iniciou sua trajetória profissional na Secretaria de Educação de Alagoas, em 1968, e engenheiro da Companhia de Habitação Popular de Alagoas, de 1968 a 1970.

Em 16.12.1970, aprovado em concurso público, assumiu o cargo de engenheiro civil do então Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER (1937-2001), atualmente Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT (06.06.2001 até hoje), sendo inicialmente lotado na residência da autarquia em Cruz das Almas BA.

No início de 1972 foi transferido para Alagoas, onde assumiu diversos cargos e funções, dentre as quais destacam-se: chefe da residência 20/2 em Santana do Ipanema; chefe da residência 20/1 em Maceió; chefe do serviço de planejamento; chefe do serviço de transporte rodoviário; presidente da comissão permanente de inquérito para apurar excesso de velocidade, do grupo de investigações técnicas e operacionais e coordenador de programas especiais do 20º DRF; chefe do 20º distrito rodoviário do DNER em Alagoas.

Em 06.02.1972 contraiu matrimônio com Ana Tereza, filha de João Beltrão de Castro e Zoraide de Carvalho Beltrão, que passou a chamar-se Ana Tereza Beltrão Barros. Da união nasceram os filhos: Gastone Manoela, Rita de Cássia (in memorian), Márcio Túlio e João Ormindo.

No DNER, também exerceu os cargos de diretor nacional de operações rodoviárias e diretor executivo, em Brasília DF, no período de 1990 a 1993, quando participou do processo de transferência da sede da autarquia da cidade do Rio de Janeiro RJ para a Capital Federal. No segundo semestre de 1993, retornou à Sede da Autarquia em Maceió.

Em 28.05.2012, um dia após completar 70 anos, depois de mais de quarenta anos de trabalho e dedicação àquele órgão federal, aposentou-se.

Dos seus passatempos as atividades prediletas eram dançar, fotografar, viajar, ler e escrever. Como escritor, foi cronista parlamentar da Câmara Municipal de Maceió de 1963 a 1965. Também redigiu diversas crônicas sobre a vida cotidiana, que foram publicadas em jornal de grande circulação do Estado de Alagoas no período de 2003 a 2007 e, posteriormente, em 2012. Faleceu em 08.10.2012.

Márcio Lanzuerksy Brandão Barros: cidadão probo; pessoa de enorme sapiência; grande legente; homem de família amoroso, dedicado e paciente; amigo, autêntico, pacato, simples e sincero.

Frases:

“...Sem a arrogância de quem julga saber tudo, com a humildade de quem sabe que pouco sabe, mas com a coragem de não aceitar o que me parece errado.”

“O trabalho me satisfaz; vejo nele a oportunidade de ajudar pessoas, servir a minha comunidade e promover o entendimento entre todos.”

“Quem cai no conto do elogio fácil daqueles que só veem acertos em seus superiores não tem amigos para apontar erros e oferecer soluções para suas decisões”.

“Assim procedi e assim desejo, cumprida a minha missão, continuar amigo dos meus amigos para os quais sempre vou ser eu mesmo.”

            Pelos seus pensamentos e ações foi homenageado pela Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes, que o nomeou um dos seus patronos, ocupando a cadeira de número trinta.

Por Ana Tereza Beltrão Barros e filhos.            

Maio 2021

Comentários

  1. Muito legal 👏👏😃👏👏😃👏👏

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  2. Ótimo registro. Não conheci o Márcio, só o irmão Mardônio, com quem trabalhamos em Santana.
    No final da crônica você cita a Academia Santanense de Letras e despertou-me as perguntas: Quem são os demais componentes e você ocupa a cadeira de que número?

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    1. 01 Adelson Isaac de Miranda/ Luiz Antônio de Farias, Capiá
      02 Aderval Wanderley Tenório/ Silvano Gabriel
      03 Amabílio Rodrigues Bulhões
      04 Arsênio Moreira Silva/ José Avelar Alécio
      05 Breno Rocha Acioly (Breno Acioly/) Antônio Azevedo Filho
      06 Darras Noya
      07 Valdemar de Souza Silva
      08 Enéas Augusto Rodrigues de Araújo
      09 Eraldo Bulhões Barros/ Maria Aparecida Silva dos Santos
      10 Fernando Medeiros/ Antônio Machado
      11 Fernando Nepomuceno Filho/ Bartolomeu Barros
      12 Floro de Araújo Melo
      13 Padre Francisco Correia
      14 Hélio Rocha Cabral de Vasconcelos/ Manoel A de Azevedo Santos
      15 Hermídio Firmo de Melo
      16 Mileno Ferreira da Silva/ Fábio Soares Campos
      17 José Bulhões/ José de Melo Carvalho
      18 José Cândido da Silva
      19 José Lucena de A. Maranhão (Cel Lucena ) Marcelo A. F. Souza
      20 José Ricardo Sobrinho/ Robério Alves Magalhães
      21 João da Silva Yoyo Filho
      22 Manuel Vieira de Queiroz /João Neto Félix Mendes
      23 Maria Audite Vanderlei/ Maria Lúcia Nobre dos Santos
      24 Miguel Bulhões
      25 Nilza Nepomuceno Marques
      26 Otávio Cabral de Vasconcelos (Otávio Cabral) / João Francisco das Chagas Neto
      27 Oscar Silva/ Djalma de Melo Carvalho
      28 Tadeu Gonçalves Rocha (Tadeu Rocha) José Malta Fontes Neto
      29 Theotônio Ribeiro
      30 Márcio Lazuerksi Brandão Barros/ José Coelho Neto

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  3. O que aqui está posto , são palavras do próprio homenageado (in memmorian), esposa e filhos. Digo isso, porque tenho o costume de ler o que está contido no blog, "na voz" do seu detentor, o escritor, cronista João Neto, surpreendi-me mas recompus-me ao ver que usavam a mesmas 'linguagem". Isso é perfeitamente possível, quando protagonista e autor vivenciaram e desfrutaram de gostos, de valoração de coisas idênticas. Fabio Campos.

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    1. Agradeço suas palavras elogiosas confrade Fábio. Somos santanenses e irmãos. Dividimos trabalho, pão e poesia. Em homenagem a essa comunhão, registrarei texto de canção belíssima de autoria de Renato Teixeira:

      Irmãos da lua

      Somos todos irmãos da lua
      Moramos na mesma rua
      Bebemos no mesmo copo
      A mesma bebida crua
      O caminho já não é novo
      Por ele é que passa o povo
      Farinha do mesmo saco
      Galinha do mesmo ovo
      Mas nada é melhor, que a água
      A terra é a mãe de todos
      O ar é que toca o homem
      E o homem maneja o fogo
      E o homem possui a fala
      E a fala edifica o canto
      No canto repousa a alma
      Da alma depende a calma
      E a calma é irmã do simples
      E o simples resolve tudo
      Mas tudo na vida às vezes
      Consiste em não se ter nada

      Somos todos irmãos da lua
      Moramos na mesma rua
      Bebemos no mesmo copo
      A mesma bebida crua
      O caminho já não é novo
      Por ele é que passa o povo
      Farinha do mesmo saco
      Galinha do mesmo ovo

      Somos todos irmãos da lua
      Moramos na mesma rua
      Bebemos no mesmo copo
      A mesma bebida crua


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