Breno nasceu em Santana do Ipanema em 22.03.1921, em um sobrado colonial situado na praça principal da cidade. O prestígio da família Rocha é um legado do seu avô materno, o coronel Manoel Rodrigues da Rocha, que no dizer de Tadeu Rocha, não foi um coronel de cangaceiros ou ostentador de bravatas políticas, mas um homem de reconhecido espírito empreendedor e de grande capacidade de trabalho. Assim assentado pelo prestígio econômico, moral e cultural do Coronel “Mané Rodrigues” – como era conhecido -, o sobrado era palco dos grandes e notáveis acontecimentos da cidade, hospedando os mais ilustres homens da política, da religião e da arte.
Infelizmente, Breno não chega a conhecer seu
avô-coronel que já havia falecido pouco meses antes do seu nascimento. Porém a
imagem e o prestígio do casarão vão permanecer por muito tempo, em sua memória,
mantendo “mitificado” o nome do coronel, que se perpetuaria através da avó Dona
Sinhá Rodrigues (Maria Izabel Gonçalves Rocha-esposa do coronel), dos filhos e de seus
conterrâneos. Reforçou o poder político e econômico do casarão o casamento de
D. Maria de Lourdes (uma das filhas do coronel) com o juiz de direito da
Comarca, Dr. Manuel Xavier Accioly. Dessa união é que nasceram Breno e Eudora.
Assim, Breno Accioly tem uma infância de menino
rico, mimado, ancorado pelo prestígio do avô e do pai, promovendo as mais
diversas brincadeiras, escorregando da escada de 33 degraus do sobrado e
tomando banho no rio Ipanema.
É da sua mãe D. Maria de Lourdes que recebe a mais
forte das influências literárias. Mulher bastante culta para a época, havia
estudado junto com as irmãs Judith, Miriam em Aracaju, no Colégio Santana. Falava, lia e escrevia em francês com bastante fluência, sendo apaixonada pelo
teatro clássico, tocando com desenvoltura o piano Essenfeld, presente que recebera do seu esposo. Comenta-se que a influência intelectual de D.
Lourdes era tão marcante que os dois filhos também estudaram piano e o juiz
Accioly aprendera a tocar flauta para acompanhá-la ao piano, nas noites de
sarau.
Altamente católica, a família cria os filhos frequentando
assiduamente a igreja matriz, acompanhando as procissões vestidos de anjo,
participando das novenas à Senhora Santana, recitando a jaculatória e pedindo
proteção ao Santo Anjo do Senhor, oração que Breno aprendera com a querida tia
Nane (Miriam) e que, durante toda a sua vida, em momentos de depressão,
costumava recitar.
A esse encantamento que o mistério bíblico causava,
somava-se o fato de que o vigário local – Padre Bulhões – ser seu padrinho de
Batismo. O respeito que esse sacerdote exercia em toda a cidade era marcado não
somente pelo tom vibrante e convincente da sua oratória e pela assistência
religiosa ao seu rebanho, mas sobretudo pelo respeito que a sua figura impunha
como homem de fé. Breno jamais o esqueceria. Raras são as narrativas em que o
velho sacerdote não aparece em forma de personagem. E a sua memória é tão viva
na estrutura mental do escritor que, mesmo o transformando em ser ficcional,
conserva o seu nome de origem, no padre personagem Bulhões dos contos “Uma
janela” e “Na rua dos Lampiões Apagados”.
A esse rico universo interiorano povoado de
ladainhas e de incontáveis novenas – São Sebastião (a capela, no mesmo lado do casarão
fora construído pelo avô Coronel Mané Rodrigues), São José, o Mês de maio,
Santo Antônio, Nossa Senhora do Carmo, Senhora Santana, o mês do rosário e a
novena de Natal – somam-se ainda velórios, procissões, padres, beatas,
mistérios inconfessáveis, banhos do rio Ipanema e brincadeiras no casarão. Mais
três dados são fundamentais na construção do homem e do ficcionista Breno
Accioly: as histórias do cangaço, os fantasmas do casarão e, particularmente,
os “loucos” da cidade.
De Lampião guardou uma imagem paradoxal. Se, por um
lado, o rei do cangaço era visto como um herói que vencia diligências e
enfrentava o poder público constituído, por outro lado, suscitava pavor diante
das atrocidades conhecidas como estuprar donzelas, cortas cabeças, línguas e
orelhas dos inimigos, enchendo-os de temor. Ampliando e tornando ainda mais
instigante na memória de Breno as histórias da religiosidade e do cangaço, o
padrinho Padre Bulhões recebe, em 1935, um filho de Dadá e Corisco para criar,
dando-lhe o nome de Sílvio Bulhões.
À infância de Breno não faltaram histórias
de assombração, uma vez que o sobrado no qual morava, era mal-assombrado. As
almas penadas respondiam as novenas que eram rezadas nos salões e dedilhavam as
teclas dos pianos da família sempre tão afinados, ou ressoavam pisadas
sinistras, enquanto subiam e desciam as escadarias do velho casarão.
Como todo núcleo urbano que se preze,
“Santana do Ipanema” também possuía seus “loucos”. O contato com o mundo da
insanidade, que tanto o marcará, ocorre aos sete anos de idade, quando a
família de Breno se muda para um outro sobrado, situado no lado oposto do
antigo casarão. Essa mudança acarretará uma experiência inesquecível na vida do
futuro ficcionista.
Do sobrado avistava-se a escola de
professora Zefinha (Dona Josefa Lima), sua madrinha de São João e responsável
pela sua alfabetização. Ao lado do ensino das primeiras letras, Dona Zefinha
incentivou-o a ser devoto de São José e a rezar diariamente antes do início das
aulas, pedindo proteção do santo de sua devoção. Foram seus vizinhos nas duas
casas à direita o doente mental Agissé (que acompanhava rindo as procissões e
em casa vivia nu e dormia embaixo da cama), Poni e Berenice Feitosa, três
criaturas cujas insanidades foram tantas vezes recriadas e feitas personagens centrais
de seus contos mais célebres: João Urso, Poni e Maria Pudim.
A segunda casa do lado esquerdo pertencia
ao excêntrico Hermídio Firmo, homem casmurro, esquisito, que vivia em uma casa
imunda, cheia de teias de aranha, sapos, lacraia e que jamais saía de casa,
passando a vida inteira a construir “Mané-gostoso” e preparando o seu presépio
de Natal. A sua psicose era o presépio do Padre Bulhões e o desejo de superá-lo
nos arranjos natalinos. Tempos mais tarde, quando Breno o transforma em
personagem no conto “Natal de Seu Hermídio” expressa com os olhos encantados da
infância a beleza do presépio e a figura indecifrável do Seu Hermídio.
A família muda-se para Maceió em 1930,
Breno estuda no colégio Diocesano, concluindo ali o ginásio e a escola
secundária. Graças à influência materna,
visto que D. Lourdes, em rua residência na Ladeira da Catedral nº 78,
continuava realizando saraus, onde a família e convidados tocavam instrumentos,
discutiam artes e assuntos locais foi permitido a Breno continuar mantendo
contato com o universo artístico.
Junto com Lilly Lages, Linda Mascarenhas (a dama do
teatro) e outras mulheres avançadas da época, D. Lourdes participa de
Agremiação denominada "Federação para o progresso feminino" que
mantinha periodicamente o semanário "O semeador" algumas publicações do
grupo. É nesse jornal que Breno Accioly publica, a partir de 1937, as suas
primeiras narrativas."
Concluindo a escola secundária em Maceió,
segue para Recife em 1938, para cursar o pré-médico no Ginásio Pernambucano,
sendo posteriormente aprovado no curso de medicina naquela cidade. Sua
permanência em Recife foi bastante profícua para a formação do futuro prosador,
convivendo com a mais alta inteligência local. Foi amigo de João Cabral de Melo
Neto – a quem hospedaria mais de uma vez em Maceió -, Gilberto Freire, Otávio
de Freitas Júnior e, principalmente Mauro Mota e Esmaragdo Marroquim. Em Recife,
publica alguns contos e artigos no Jornal do Commércio e tudo leva a crer que,
em 1943, ao se transferir para o Rio de Janeiro, já levava na bagagem alguns
contos da famosa coletânea – João Urso – que o consagraria.
Em depoimento oral, seu primo, Dr. Hélio
Cabral, atribui a sua partida para o Rio de Janeiro ao término de um romance
que manteve com uma jovem pertencente à alta burguesia canavieira de
Pernambuco. A causa exata do rompimento da relação não se sabe ao certo, mas o
fato é que é unanimidade entre familiares e conterrâneos, críticos e amigos a
dificuldade de convivência com Breno. Era considerado agressivo, de natureza
intempestiva e, consequentemente, de poucos amigos; é comum justificarem esse
temperamento de Breno com o fato de ter um traço de esquizofrenia, doença que
constitui, sem dúvida, o grande dilema de sua vida, a ponto de afastá-lo do
convívio familiar, dos poucos amigos, evitando casamento e filhos. Em
Pernambuco, dá-se o primeiro internamento em hospital psiquiátrico e, com maior
frequência, acentua-se o que os seus conterrâneos chamam de “esquisitices de
Breno”.
Chegando ao Rio de Janeiro, conclui, em
1946, o curso de medicina na Faculdade de Ciências Médicas e vai trabalhar como
médico da Prefeitura Municipal. A especialização em médico leprólogo recebe de
Hélio Pólvora o amargo comentário: “era o emprego que convinha à sua
inadaptação para a vida”.
A crítica, de um modo geral, é unânime em afirmar que, desde muito cedo, ainda adolescente, em Maceió, Breno já demonstrava vocação para narrativas curtas, para o conto, em especial. Assim, um ano depois da chegada ao Rio de Janeiro, em 1944, publica, com apenas 23 anos de idade, seu livro de estreia “João Urso” e, a partir dessa publicação, revela-se com força inigualável o “contista da loucura”.
Com o livro João Urso, Breno recebeu dupla
premiação: da Fundação Graça Aranha, o "Prêmio Graça Aranha" e da
Academia Brasileira de Letras, o "Prêmio Afonso Arinos".
Infelizmente, ainda muito cedo, com apenas
45 anos de idade, morre Breno Accioly no dia 13.03.1966, no Rio de Janeiro,
assistido por Maria dos Anjos, a sua “santa” como costumava chamá-la,
companheira incansável dos últimos anos.
A leitura da obra de Breno Accioly pelo seu
caráter visionário é, no mínimo, instigante e perturbadora. Não é uma narrativa
leve, que se leia de um só fôlego; é preciso tempo para adentrar as questões do
humano, no questionamento do que afinal é loucura, e para percorrer com esses
seres tresloucados, isolados e carentes o caminho tumultuado dos seus inconscientes,
projetando, no mundo circundante, o louco que habita em cada um de nós.
Março de 2021
Fonte: Bomfim, Edilma Acioli, Razão Mutilada; ficção e loucura em Breno Accioly, 2005. Os textos foram reproduzidos da obra.
Parabéns confradre João Neto Félix por trazer essa biografia do nosso contista maior escritor Breno Accioly. Algumas vezes em conversa entre amigos desse "mitiê", jogo a pergunta: Quem vocês acham que l, até a presente data, levou o nome de Santana mais longe? Deixo claro, que refiro-me a meio cultural. Alguns nomes são citados, mas quase unanimidade é o nome de Breno Accioly.
ResponderExcluirAcredito que tenha sido o Breno. Porém, sua vida foi dura: vivia recluso, distante da família e, por conta da doença, evitou relacionamentos e filhos.
ExcluirSão relíquias inesquecíveis Parabéns
ResponderExcluirObrigado pelo comentário.
ExcluirUma história interessante que poderia ser transformada em livro.
ResponderExcluirOliveira, como lhe disse, há livros sobre a vida do Breno. Na net poderá ser encontrado alguns. Obrigado pelo leitura e comentário.
ExcluirMuito bem lembrado. homenagem justíssima ao nosso conterrâneo. só agora li.
ResponderExcluirValeu seu Guima!
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