Santana dos velhos carnavais, Luiz Antônio de Farias (Capiá)

 

              Voltamos ao tema dos carnavais santanenses desta vez publicando crônica do conterrâneo e amigo bancário do Banco do Brasil aposentado, nosso querido Capiá. Esta crônica é integrante do seu quarto livro que se encontra no prelo e em breve estará à disposição dos leitores. Agradecemos ao autor pela gentileza em ceder sua crônica para publicação neste blog.
                                                                                                                               Boa leitura !

                                                                                          João Neto


Nas minhas idas mensais ao meu velho e sofrido sertão – prática que se repete desde julho de 1977, quando deixei meu torrão natal – tenho como rotina uma passagem pela Fazenda Belo Horizonte, do meu amigo de infância e compadre Manoel Cirilo. Lá costumo encontrar velhos conhecidos que se reúnem aos domingos, para jogar futebol e, em seguida, participar de animadas rodadas de canastra, movidas a cervejas com churrasco ou talagadas da “água que passarinho não bebe” com tira gosto de umbu, caju, ou qualquer fruta de época. Tudo isso adicionado a um bom papo, onde não faltam as “fofocas” observadas na semana que findou.

Em recente conversa com o compadre ele deixou transparecer que, nada obstante ser Santana uma terra de escritores, pouco ou nada foi dito com relação aos carnavais passados. Fiz ver a ele que pelo menos Clerisvaldo Chagas, Djalma de Melo Carvalho e Remi Bastos devem ter abordado o assunto em alguns de seus escritos.

Independentemente de qualquer coisa que já foi relatada, vou me aventurar desenvolver algo sobre o assunto, mesmo correndo o risco de cometer injustiças – por conta da memória já em declínio – deixando de citar figuras folclóricas de nossos carnavais de passado longínquo.

A lembrança da minha mais tenra infância, no começo da década de 50, remete à figura de Coriolano Silvério do Amaral, seu Carola, que no período carnavalesco descia do pedestal de um conceituado farmacêutico e das funções de delegado, para liderar o Bloco dos Brotinhos, que retratava um grupo de adultos travestidos de crianças. Recordo-me, também, dos “caretas”, figuras mascaradas, munidas de relhos que provocavam assustadores estalos, que me faziam tremer de medo e só saía à rua em companhia do avô Mizael Farias. À tarde, ia para a Praça do Centenário com Maria, 2ª esposa do meu avô, assistir aos espetáculos proporcionados pelas orquestras bem ensaiadas, que levava o público animado a “fazer o passo”, como se costumava dizer.


Bloco do Elefante, anos 50


O ponto alto do festejo, na época, consistia no desfile de carros alegóricos, genialmente construídos por um cidadão simples, de baixa estatura, chamado Agenor, funcionário público, salvo o engano. A mais grata recordação, que me vem à mente, foi no ano em que o referido coreógrafo usou a criatividade para confeccionar uma alegoria caracterizada em forma de elefante, que levou o público ao delírio, sobre o qual desfilou a jovem Elenice (hoje esposa de Paulo Ferreira) a menina-moça (adolescente) mais bonita daquele momento, cuja beleza loura fazia lembrar Angélica, atual apresentadora da rede Globo de televisão.

Havia nesse tempo o famoso corso, que compreendia os desfiles de automóveis que percorriam toda cidade com voltas repetidas, todas as tardes do tríduo momesco. Os tempos modernos e os altos preços dos combustíveis concorreram, penso eu, para a cessação dessa folia.

O carnaval de rua sempre foi o ponto alto de nossos festejos. Existiram tradicionais blocos que ultrapassaram gerações. Podemos citar “Os Cangaceiros”; “O Bloco do Urso Preto” (“mas como foi mas como é, o Urso Preto veio na barca de Noé”), organizado, a princípio, por seu Carola e, posteriormente, pelo folião Chico Paz; “Bloco das Quengas”, formado pelas “meninas” do aterro, liderado por Zé Malta, um respeitado funcionário dos correios; o bloco da Ema, de Albertino Firmo, por exemplo. Não se pode deixar de citar seu Nozinho Falcão, um dos foliões mais autênticos, de então, que teve como seus seguidores os filhos Ialdo e Ivan e, posteriormente, o neto Reginaldo Falcão, este com suas fantasias reconhecidamente criativas e irreverentes. Vale a pena recordar, inclusive, o bloco de Zé Sapo, com suas alegorias originais, graças à criatividade do próprio autor.


Bloco de rua. Zé Malta em destaque.

Na década de 70 surgiram novas agremiações tais como o Bloco da Mundiça (Luiz Chaves, Josa Pinto, os irmãos Zé Abdon, Zé Carlos e Zé Antônio, Osman Agra, Zé Lemos, Waltinho, João Neto de dona Dirce, João Santana, Idelzuíto e Raimundo Melo, etc.); do Produban (Carvalho, Omir, Pinheiro, Zé Vieira, Baixinho, etc.); o Bloco Vira Vira (Mileno, Ademir Aquino, Zé Carlos, Vivi, Zé Gentil, etc.); o Bloco Brasilgas (Zé Pinto, Floriano, Guido, Márcia Telma, Elza Marques, Márcio Barros, etc.); o Bloco da Burrinha (Baixinho da padaria de Leó); do Pastoril (Erasmo, Zé Ormindo, Noya, Sebo, Mário Jorge, César, Joninhas, etc.); o Furdunço (Paulinho de Eugênio, Limerck, Newton, João Pênis, João Alano, Leo, Anfrízio, o mano Edgard, etc.) o Bloco do Sapo (Ademir, Aderval, Cao Silva, Paulo Décio, Zé Ormindo, etc.) e o Bloco do Pau D´Arco (Mindinho, Mardônio, Paulo Ventão, Terezão, Motorzinho, etc.) , este organizado por Remi Bastos – o artista mais eclético de nossa terra – em parceria com seu melhor amigo Benedito Cego. Surgiu até o Bloco do Capiá (o próprio, Erasmo, Colorau e Noya) que, pela inexpressividade, morreu no nascedouro.

Para reavivar minha memória recorri a várias fontes no sentido de me ajudar a chegar o mais próximo possível da realidade dos blocos que fizeram a alegria de nossa terra. As informações de Zé Reni, Ricardo Leão, João Neto de dona Dirce e do mano Edgard foram fundamentais na garimpagem. Daí fez ressurgir o bloco da Câmara Júnior, do qual eu fazia parte. Os demais componentes eram Mário Beleza, Miguel Nobre, Manoel Constantino, Humberto Melo, Sílvio Bulhões, Aloísio Ernande, Ugo Bossa Nova, Henaldo Bulhões, Jaciro, Luiz Chaves, Ricardo Leão e Pé de Pato. Foram lembrados também o Bloco dos Peregrinos (Ricardo Leão, Pé de Pato, Geraldo de Ormindo Erasmo, Motorzinho, Reginaldo, etc.) que saía da AABB, na noite do sábado, percorria os possíveis bares da cidade, até a hora do baile no Tênis; e o Bloco do Pife (tinha os componentes efetivos: Zé Reni, Ademir e Aderval Carvalho, João Neto de dona Dirce, Mário Jorge, Cao Silva, e os aleatórios: Sebo, Mansinho, Zé Ormindo, Marcinho, etc.). A particularidade desse grupo era a sátira aos movimentos religiosos, que arrecadavam dinheiro, conduzindo um oratório com o santo da devoção – amparado por um guarda-chuva – ao som de uma banda de pífanos. Só que no caso desse grupo a “santa” colocada no oratório era a fotografia de uma mulher pelada, normalmente retirada da última edição da revista Playboy. Os instrumentos eram disponibilizados pelos músicos da Banda de Pífanos do Povoado Jorge. Segundo Zé Reni, era muita coragem do pessoal que cedia, porque milagrosamente os aparelhos de som eram devolvidos na quarta-feira de cinzas devidamente intactos.
Com certeza existiram outras agremiações, cuja falta de menção resulta indubitavelmente pela falha da memória.


Escola de samba Unidos do Monumento.
Joãozinho de Zé V8 no destaque. Foto de Capiá

O cenário carnavalesco de nossa terra teve seu período áureo com o advento das escolas de samba, um tipo de folguedo até então desconhecido em nossa terra. No final da década de 50, chegou por aqui, oriundo de Pesqueira, em Pernambuco, Joãozinho (de Zé V8), craque de futebol, para se integrar à gloriosa equipe do Ipanema Atlético Clube, o melhor time do estado de Alagoas. Paralelamente às funções de atleta ele criou a Escola de Samba Unidos do Monumento. Com seu conhecimento da arte, com sua capacidade de liderança, e com o apoio de toda Família V8, tornou a escola uma agremiação bem ensaiada, que brilhou não só em Santana mas, também, nas cidades circunvizinhas, inclusive do vizinho estado de Pernambuco, onde foram realizadas memoráveis apresentações. A hegemonia do bloco perdurou por longos anos.


Escola de samba Juventude no Ritmo. Foto de Capiá

Por motivo de uma cisão, que não me cabe explicar, aconteceu o surgimento da Escola de Samba Juventude no Ritmo. Esta nova agremiação teve como comandante meu irmão Shyko, também conhecido pela alcunha de Tamanquinho, que, aliou os conhecimentos adquiridos com o “mestre” Joãozinho aos avanços de sua própria criatividade e fez nascer uma nova escola, com características modernas, somente comparável – guardadas as devidas proporções – às grandes escolas de samba do país. Seus desfiles se notabilizaram pelas fantasias ricamente elaboradas, onde o ponto alto ficava por conta dos carros alegóricos, desenvolvidos graças ao poder de criação do Sr. Luiz Dantas, um renomado funcionário público estadual, mas que não se furtava em dar sua inestimável colaboração, sem compensação financeira, fruto do seu alto espírito de altruísmo e de boa vontade. Não se pode deixar de enaltecer, inclusive, a prestimosa disponibilidade das costureiras e figurinistas, que não poupavam esforços para proporcionar o brilhantismo dos desfiles. Não se pode deixar de reconhecer que a razão das jornadas deslumbrantes foi devida à união de uma capacitada equipe, administrada pelo empresário Paulo Ferreira que, juntamente com a família Cirilo, tudo faziam para que fosse atingido o principal objetivo, que consistia em proporcionar a Santana um carnaval de qualidade, compatível com a grandiosidade do seu povo.

O aparecimento da Juventude No Ritmo desencadeou um clima de rivalidade perante à Unidos do Monumento. O antagonismo se estendeu, inclusive, para o campo esportivo, de vez que na sua grande maioria os torcedores da Unidos eram, concomitantemente, adeptos do Ipanema Atlético Clube e, da mesma forma, os simpatizantes da Juventude torciam pela Associação Atlética Ipiranga.

Nunca consegui entender se por falta de planejamento, ou como atitude proposital, os organizadores do carnaval não estipulavam os roteiros a serem percorridos pelas referidas escolas, razão porque muitas vezes haviam o encontro das duas agremiações. Era um espetáculo à parte, porque os componentes de ambos os lados tinham como propósito desarticular os ritmos de cada bloco. Era um confronto que fazia a “terra tremer”, literalmente. Nunca havia a convicção de quem teve melhor desempenho, porque cada grupo “puxava a brasa para sua sardinha”. A contenda gerava discórdia nos dias que se seguiam logo após o carnaval, fato que, com o passar do tempo voltava à normalidade.

Muito falei sobre o carnaval de rua, entretanto não se pode deixar de acrescentar as realizações dos bailes propiciados pelo Tênis Clube, AABB e Sede dos Artistas, normalmente animados por orquestras locais ou de outras plagas, que finalizavam a folia de cada noite. No encerramento definitivo dos festejos, ao raiar do sol da quarta-feira de cinzas, as orquestras percorriam as principais ruas da cidade, enquanto os foliões lamentavam o término de mais um reinado do momo.

Tenho absoluta convicção de que este trabalho não esgota o assunto, que é muito rico e contagiante, e outros escribas poderão retomar o tema e elaborar explanações bem mais precisas do que estas, que tentei passar para aqueles que se aventurarem a proceder à leitura, aos quais fico deveras agradecido.



Recife, fevereiro/2017







Comentários

  1. Carnaval, uma festa popular arretada que deixa marcas indeléveis em nossas vidas. Ótimo texto!

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  2. Carnaval, uma festa popular arretada que deixa marcas indeléveis em nossas vidas. Ótimo texto!

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