Bastião Amaral, que morava na mesma rua que nós, -
Nossa Senhora de Lourdes - era apaixonado pelo futebol, depois da criação de
passarinhos, claro! Sua casa tinha um alpendre com mais de 30 gaiolas de
pássaros de várias espécies. Todas as manhãs, quem andava naquele trecho ouvia
a sinfonia pássara, que não era interrompida nem pelos latidos dos bravos cães
de guarda de Seu Mileno Ferreira que morava defronte sua casa e que assustava
os transeuntes desavisados andando na calçada, inclusive eu. Ah, meu Deus, não
sei quantos sustos tomei!!! Comecei a treinar meu autocontrole naquela calçada,
tentando ignorar os latidos próximos e assustadores dos cães.
Ao
contrário de Marquinhos, embora eu gostasse de futebol, só conseguia vaga para
jogar no campo de várzea gramado atrás da casa de seu Evilásio Brito, no time
de fora. Além de jogar no segundo escalão, disputava espaço com as águas que
escorriam no meio do campo que desciam da lavagem dos carros do posto de José
Pinto. Cid e Zé Carlos de Seu Evilásio que eram colegas de classe do colégio
estadual e craques do primeiro escalão diziam para me consolar: menino, você
jogou bem hoje! Eu ficava todo ancho!
Na maior
parte do tempo, Marcos, que era o quarto dos sete filhos – Marleny, Mailde,
Mailson, Marcos, Marise, Ana Maria e César – do popular e admirado casal Breno
e Celina, tomava conta da bodega, na mesma rua, que eu assiduamente
frequentava. Embora ele fosse mais velho alguns anos, era como um irmão. Pessoa
com quem eu tinha afinidade, embora nem eu soubesse o porquê. Simplesmente
gostava. Na venda a gente estudava, ria, cantava, conversava e jogava sinuca.
Na sua casa, no quarto dos homens, várias páginas rasgadas da "revista placar" com fotos de jogadores do Botafogo, time da sua paixão, enfeitavam as paredes. Uma em especial se destacava, a de Manfrini - que também jogou no Fluminense -, pois se achava muito parecido com ele por ser galã.
Mesmo meu pai sendo violonista e cavaquinista, não
foi com ele que tive os primeiros contatos com os instrumentos musicais e sim
com o Marquinhos. Eu ficava impressionado como ele tocava bem as músicas “O
divã”(Ouça) e o “O homem” (Ouça) de Roberto e Erasmo Carlos. Nunca esqueci a interpretação
emocionada dessas canções ao som do seu violão verde giannini. Ainda ouço seu dedilhar elegante
nas cordas do pinho. Eventualmente, quando toco essas canções no meu violão a minha mente voa...
Apenas uma coisa que ele se surpreendia comigo: as
disputas parelhas de sinuca de oito bolas. Cada jogador com quatro bolas da
mesma cor tenta encaçapar as bolas do adversário, com direito a uma jogada por
vez. Quem conseguisse encestar a bola da jogada tinha direito a continuar jogando.
Quando não restasse mais bolas do adversário era o vencedor.
Certo dia, encontrei Marquinhos triste e com as
mãos estropiadas, inchadas e cheias de uns pontos pretos. Indaguei-o sobre
aquilo. Quase em pranto, contou-me o que acontecera: Tinha ido ao sítio de seu
pai, atrás do Serrote do Gonçalinho para pagar aos trabalhadores rurais pelos
serviços executados. Na volta, homens a cavalo confundiram-no com ladrão que
estavam à procura e o perseguiram.
Amedrontado, pôs-se a correr no meio do mato. Esbaforido
e rápido, pulou uma cerca de arame farpado de cinco fios, porém se deparou à
frente com um pé de babão. Não houve como parar a tempo de evitar a colisão; suas
mãos foram usadas para proteger o corpo, esbarrando no mandacaru. Os espinhos
atingiram as palmas das mãos, entraram na pele e quebraram as pontas na agonia
da defesa.
Dona Celina aplicou óleo de pequi durante vários
dias para desinflamar e auxiliar na retirada das pontas dos espinhos um a um.
Foi uma peleja. A bem da verdade, os espinhos não foram extraídos totalmente;
nem das suas mãos e muito menos da sua vida. Porém, nada disso impediu que
tivesse presença radiosa enquanto neste mundo viveu.
Após a mudança da família para Maceió em 1978,
reencontrei-o apenas duas vezes. A última em dezembro de 1982, próximo ao seu
falecimento. A ordem natural da vida é que, a despeito da dor, os
filhos sepultem seus pais. Não o contrário! É incomensurável o sofrimento do
pai ou mãe que sepulta um filho. Entretanto, que sabemos nós dos mistérios insondáveis
para emitir vãs opiniões? Toda pessoa tem uma missão a cumprir nesta terra
ainda que sua existência seja breve.
Todas as vezes que retorno ao cemitério Santa
Sofia visito seu túmulo. Repouse em paz! Saio pensativo e em silêncio. Ouço o sibilar do vento soprando solenemente.
Boas lembranças! Parece que foi ontem João . Não lembro do Marquinho mas do Independente, do Bastião , seus pássaros, o campinho que eu joguei muito !
ResponderExcluircheguei a ir treinar no campo do Estadual com o Bastião mas perdi a vaga de centroavante pro Agnaldo .
Coisas da vida, né? Obrigado por sua participação aqui neste espaço.
ExcluirNinguém sabe o valor de um momento – mesmo o simples dedilhar das cordas de um violão – até que se torne uma memória. Parabéns, João, pela comovida homenagem a seu amigo.
ResponderExcluirÉ verdade Hayton! Obrigado por sua reflexão.
Excluir"Achei bacano, uma pessoa tem que gostar muito de outro, para descrever tudo tão bem. O cara fez uma escrita zangada pra botar na internet"
ResponderExcluirBreno Ângelo
Gostei bastante do relato e das lembranças de um passado um pouco distante. Por ser um pouco mais velho, recordo de Sebastião e dos seus passarinhos engaiolados fazendo festas com os seus cânticos.
ExcluirCarvalho, Jose de Melo.
Valeu Carvalho ! Obrigado pelo leitura e comentário.
ExcluirLembro perfeitamente de Marquinhos, seu jeito sempre alegre, brincalhão, amigo e, embora não fosse de minha turma, eu frequentava muito a casa de D. Celina, pois César estudou comigo do 1° ao 8° ano e eu, ele e João Nobre tínhamos uma espécie de imandade, andávamos juntos pra escola e estávamos sempre juntos nos trabalhos esolares, tanto q os três são botafoguenses, time de Marquinhos a até hj nutrimos e uma grande amizade.
ResponderExcluirValeu Júnior. O João Nobre me disse a mesma coisa. Inclusive eu nem lembrava desse detalhe dos botafoguenses. Conversei com o Pangaré e ele me lembrou de um detalhe curioso. Marquinhos era o rei da embaixadinha. Fazia mil de uma rodada só. Eu nunca passei de vinte. Tinha domínio e autocontrole de sobra. Obrigado por sua contribuição.
ExcluirBela homenagem João, pois mesmo sem o ter conhecido lamento sua morte tão precose 😔
ResponderExcluirSim, foi uma grande perda !
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