A longa e sinuosa estrada

 

Uma semana antes 

            Hoje é o dia do show do eterno Beatle Paul MacCartney. Não deixa de ser um dia especial, afinal esse artista é fenômeno da música mundial. Continua influenciando, a despeito do tempo, tantas gerações, não se pode negar! Foram eles, o primeiro grupo a se apresentar publicamente em estádios nos anos 60. Antes, os artistas se apresentavam em pequenos palcos de casas noturnas. 

        Nas pequenas cidades, os artistas se apresentavam nos palcos dos cinemas, aproveitando o espaço criativamente. No Nordeste, Luiz Gonzaga, o velho “Lua” ousou, pois se apresentava em cima de carrocerias de caminhões por esse Brasil afora. Assisti a um show dele na praça central de Santana, totalmente acústico. O que seria dos grandes shows de hoje sem a ousadia desses artistas? Sem estrutura, tecnologias... O que valia mesmo era estar com o povo. 

        O show de Paul foi um evento grandioso no estádio do Arruda em Recife. Nunca imaginei que um dia eu assistiria a um show seu. A globalização tem seus méritos! A música tem o poder mágico de adentrar n'alma, se instalar, fazer abrigo, adormecer e despertar sempre nova. “Uma canção que faça despertar os homens e adormecer as crianças.” (Drummond, Canção amiga)

        Da última fase dos Beatles, nos anos 70, algumas canções foram marcantes. A gente, às vezes, fica um tempo com uma música na cabeça por algum motivo. Era o que me ocorria com a canção “The long and winding road”(clique para ouvir). Embora não entendendo completamente o seu sentido literal, a intuição nos assevera algum acerto pelo conhecimento de uma ou outra palavra. 

        Do momento do show, duas canções foram destaques: “Live and let die”, trilha sonora de filme homônimo da franquia de James Bond, culminando com espetáculo pirotécnico e “The long and winding road”, por ser uma balada maravilhosa, cuja letra nos lembra, frequentemente, dos caminhos desconhecidos que temos que enfrentar por algum motivo; recomeços, mudanças, traumas e perdas... 

Dois dias antes 

        Seu Jorge tem como dom rezar pelas pessoas, entregando-as aos cuidados da Providência Divina. Nesse dia, suas orações foram, como de costume, pela saúde física e a entrega ao Espírito Santo contra os inimigos e toda espécie de mal. Não sabemos do dia de amanhã, portanto precisamos estar preparados para enfrentar as adversidades. Talvez seja necessário atravessar o vale das sombras a qualquer momento... 

Um dia antes 

O tema da missa dominical foi sobre o ofício do pastoreio. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas. Quando uma ovelha se desgarra, seu pastor sai em sua defesa, enfrentando os perigos para salvá-la. 

O Senhor é o meu Pastor, nada me faltará. 

Deitar-me faz em verdes pastos, 
guia-me mansamente às águas tranquilas; 

Refrigera a minha alma, 
guia-me pelas veredas da justiça por amor do seu nome, 

Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte 
não temeria mal algum, porque tu estás comigo, 
a tua vara e o teu cajado me consolam; 

Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, 
unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda; 

Certamente que a bondade e a misericórdia 
me seguirão todos os dias de minha vida, 
e habitarei na casa do Senhor por longos dias. 

O dia “D” 

           “Navegar é preciso; viver não é preciso”. Esta citação do poeta Fernando Pessoa, por inúmeras vezes confundiu meus pensamentos. E, em muitos momentos, eu me dizia: por que viver não é preciso? Por que o poeta escreveu assim? O que ele quis dizer? Durante muito tempo fiquei sem resposta. A venda dos meus olhos permaneceu durante muito tempo. Qual o significado da palavra “preciso” nesse contexto? Habilmente o escritor escolheu a sutileza da ambiguidade, dificultando decifração imediata da sua ideia para leitores desavisados como eu. Até que um dia, vendo alguém comentando sobre essa mesma frase num programa de tevê, eis que o mistério foi desvendado. A explicação supimpa foi suficiente para lustrar pensamentos cimentados pela minha ignorância existencial. 

       Para se navegar é fundamental ter precisão nas coordenadas, haja vista as referências visíveis de onde se estar, serem mínimas e quase imperceptíveis ao senso comum. Viver não! Não há precisão no viver! Não temos nenhuma certeza de como serão os dias, os caminhos que serão trilhados ou como estarei amanhã. Tudo é tão incerto! Não raro, planejamos um dia perfeito e, de repente, tudo se desmantela e acontece de forma inimaginável.
            Muitas vezes, o que dá sentido à vida, dá razão à morte. O cotidiano pode nos confundir. Um dia estamos de um jeito, outro dia estamos de outro. O Vento não é mais o mesmo. O brilho e o calor do sol, agora, é outro, diferente de ontem. Portanto, vivemos num mar de imprecisões. “Navegar é preciso; viver não é preciso”. 

        Qual foi o dia mais terrível da sua vida? Cada um de nós pode ter passado por um dia desses ou vários. Das sete vidas que temos, menos uma se foi. Quantas restam? “Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu...” Naquele dia eu tinha certeza de que eu iria atravessar, novamente, o vale das sombras.
         Lembrei-me das orações de seu Jorge, do salmo do Bom Pastor e tomei consciência da experiência apavorante que estava porvir: atravessar o vale das sombras. Aquele dia seria uma provação sem medidas. A difícil travessia exige paciência, obediência as regras de sobrevivência e confiança na Divina Providência. Nas estradas da vida experimentamos solidão e tristeza, mas precisamos seguir adiante, prestando atenção nas retas e curvas das estradas.

Um ano depois 

        Tudo passa! Ficam as lembranças e a sabedoria adquirida com as experiências vividas. No viver, nada é garantido, tudo é muito impreciso, só nos resta viver... Tudo advém da precisão, da necessidade. 

        A vida é uma grande estrada em que não importa muito seu final. O que conta mesmo é o que acontece durante o percurso; o que aprendemos e o quê de felicidade identificamos e vivemos.  Na longa e sinuosa estrada da vida tudo se apresenta; belas paisagens, descobertas, perigos e outros enigmas. 

        Muitas vezes escolhemos caminhos, outros se apresentam de supetão. A cada escolha nos agarramos a umas coisas e, ao mesmo tempo, somos obrigados a largar outras. O resto depende de cada um e cada um é único, sem comparações. Nas estradas da vida nunca estamos sozinhos. Sejamos firmes e inabaláveis como lajeiros fincados ao chão que deixam pequenas barrocas que acumulam água da chuva e que servem aos passarinhos e aos bichos silvestres.

                                                         Publicação de novembro de 2013 e revisada em novembro de 2020




Comentários

  1. Mais um "show " de crônica, João. Parabéns por dividir conosco essas construções literárias tão bem lapidadas!

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    1. Fernando, obrigado pela leitura assídua do blog. É uma honra tê-lo entre os leitores.

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