Dezembros com olhos de jabuticaba






          O advento das festividades natalinas é, sem dúvida, o período que mais nos altera a percepção das coisas. Paira no ar algo diferente! Uma saudade do infinito. Pode ser a força invisível do inconsciente coletivo que nos remete ao Deus Menino e evocação do mandamento exigente  "amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo" tão negligenciado por nós. Fatos simples ganham outra dimensão porque estamos mais desarmados das desculpas esfarrapadas dos corações petrificados.

 É meio contraditório nosso comportamento social, especialmente no mês de dezembro. Tanta correria, tanto alvoroço e nem sabemos ao certo por quê! Tento conter minha ansiedade, em vão. Sou levado a contragosto pela dimensão consumista das festividades. 

 É noite. Saímos Pedro e eu, andando e observando a ornamentação e as luzes natalinas pela rua que nos levaria ao largo Dom Fernando Gomes. Seguimos silenciosos, sem muita pressa, atento a tudo que se apresentava; ruas, amendoeiras, céu, estrelas e gente que passava nas imediações.

  Revigorei os olhos embotados, limpando-os. Tudo na rua se apresentava solene, arrebatador e digno de reverência. Aos poucos, chegamos à praça. Ali muita gente se ajuntava ao redor do vendedor de espetinhos instalado no local. O cheiro forte de carne assada e a fumaça chamavam à atenção dos caminhantes. A algazarra do povo lembrava de que ali havia uma festa anônima, e nós, convidados de honra.

Pedro com seus olhos de jabuticaba diz: Quero um espetinho! Fui tomado pela surpresa daquela ordem e não ousei questionar. Faça-se a sua vontade! Tratei de comprar um espetinho de carne. Fizemos de assento o canteiro da praça e ali começamos a degustar como se fosse um manjar. Era muito bom! Compramos também um refrigerante. Dividimos não só o canteiro da praça que servia de assento, bem como o improvisado churrasco. Por um breve momento tudo se fez um. A grandeza daquele momento guardo nos olhos.

Enquanto esperava o Pedro degustar seu lanche, fui tomado pela sensação de paz interior. Fiquei absorto nos meus pensamentos tentando apenas vivenciar aquele momento. Era interessante observar o alvoroço de tanta gente ao redor do espetinho,  a fumaça que era levada pelo vento e a família que estava ao nosso lado. Bem próximo, à porta da igreja, um cidadão, provavelmente embriagado, era levantado com dificuldades por duas mulheres que se ofereceram para a tarefa solidária de tirá-lo dali e o levaram de volta para casa.

De tanto olhar o céu vi uma estrela cadente deslocando-se rapidamente e, como diz o ditado popular, prontamente fiz o meu pedido: Discernir os instantes de plenitude que distraidamente se apresentam disfarçados e a gente não percebe. Da resposta instantânea, veio-me a sensação de que a felicidade se desnuda e se torna perceptível quanto você a deixa livre para chegar ou sair ao mesmo tempo. Momentos de desprendimento e compreensão da unicidade cósmica. Descuidos das formalidades e do constante exercício de gratidão, vivendo intensamente o presente como se fosse o último.

Pedro ainda comia seu espetinho. Eu o olhava com olhos de compreensão e admiração pensando nas gerações que nos separavam e que talvez ainda não tivesse condições de interpretar a importância daquele instante de companheirismo. Da satisfação de estar ao seu lado vendo a maravilha que é viver e estar em paz, não obstante a consciência de tantos problemas e enigmas existenciais.

Desejei viver tantos dezembros, quantos os que até agora vivi. O futuro a Deus pertence. Viver é impreciso. Por isso, eternizar um momento em algumas poucas palavras torna-se um desafio imenso. Pedro e as pedras testemunharão.

Dizem que o pensador alemão Goethe afirmou: " Os pais devem dar aos seus filhos raízes e asas." Raízes, para conhecer sua terra, família e observar como eles viviam e superavam os obstáculos. Asas, para desenvolver habilidades  e infinitas possibilidades, pois um dia será a sua vez de assumir os destinos.

 Quanta coisa acontece num curto espaço de tempo se a gente estiver atento ao que nos cerca. O céu é o limite.


Publicação de abril de 2010, revisada em novembro de 2020

 

 

 

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