Lapso semestral da pandemia no sertão - parte 1

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        O ano de 2020 iniciou trazendo renovadas expectativas de um ciclo promissor no sertão. As chuvas de verão chegaram mais cedo amenizando o calor e renovando o verde da vegetação desbotada do calor do sol causticante que a cada ano parece mais intenso. Fazia gosto olhar as serras ao derredor da cidade. Pareciam se unir no fraternal abraço ao povo do lugar.

 

  • Fevereiro - Mês dedicado ao deus da purificação dos mortos, Februa, a quem os romanos ofereciam sacrifícios para expiar as faltas cometidas durante todo o ano.

      Os registros oficiais da pandemia da covid-19 no Brasil tiveram início em 26 de fevereiro de 2020, após a confirmação de que um homem de 61 anos de São Paulo que retornou da Itália testou positivo para a SARS-CoV-2, causador da Covid-19.

 

  •  Março - Homenagem a Marte (Martius), deus da guerra.

             Nesse ínterim, estava em curso a doença respiratória aguda pelo novo coronavírus (covid-19) em Wuhan na província de Hubei, na República Popular da China, com casos comprovados desde dezembro de 2019. Tempo depois, a doença se alastrou por vários países da Europa com milhares de contaminados, com mais intensidade na Espanha e Itália. Em 11 de março de 2020 a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou a pandemia da covid-19. Iniciaram-se os protocolos de isolamento social. A primeira morte no Brasil foi confirmada no mês de março de 2020.

             Maceió teve a confirmação do primeiro caso de contaminação no dia 08 de março de 2020. Um homem de 42 anos que retornou de viagem à Itália. A primeira morte ocorreu no dia 31.03.20: um homem de 64 anos, natural do Acre, que morava na cidade há seis meses.

            Voltemos ao sertão santanense. Choveu no dia de São José, 19 de março de 2020. Para os sertanejos a chuva no dia do Santo é uma benção especial. Garantia de fartura de milho verde nas festividades juninas. Abaixo da festa de Senhora Santana, excelsa padroeira, é o período mais aguardado e comemorado pelos sertanejos.

            O riacho Camoxinga, nasce na serra dos Meninos. Há anos adormecido, despertou sereno. A luz do dia refletia em suas águas o firmamento. O som do correr tranquilo das águas era sinfonia acalentando a alegria citadina. Muitos acordaram sobressaltados, correndo para apreciar a paisagem inédita da foz do riacho desaguando sereno no rio Ipanema.

            As chuvas se intensificaram nos dias seguintes. No anoitecer do dia 25 de março, o riacho tomou cheia repentina e foi ganhando força e intensidade nas horas seguintes como nunca ocorrera dantes. Tornara-se rebelde inesperadamente. Nunca houve cheia tão feroz. Foram horas de pânico e terror para os ribeirinhos. Cobrou de volta seu curso, irrompendo sobre tudo que encontrava pela frente, entornando pelas ladeiras e cheio de si, extravasou por onde quis antes de se entregar ao Ipanema, afligindo mais de 350 famílias.

            Município decretou estado de calamidade e a cidade foi notícia nacional despertando o sentimento de solidariedade do povo, empresas e entidades. Inúmeras campanhas de ajuda foram deflagradas pelo Estado com apoio da defesa civil, secretaria de assistência social e diversas entidades.

            Dias depois, o jornalista Malta Neto, iniciou pesquisa na região e constatou que a causa das enchentes do riacho Camoxinga não fora em razão de estouro de barragens como diziam alguns e sim, pelo excesso de chuvas. Aliadas as precipitações intensas, sobrevieram ocorrências de fenômenos climáticos raros, denominados “cabeças d’água” que aconteceram, parece-nos, simultaneamente; na serra do Poço, na face voltada para o povoado da Camoxinga dos Teodósios, na propriedade do senhor Irineu e Fazenda Chã Grande, nas imediações da Baixa do Tigre, de propriedade do senhor Roberto Salgueiro Silva. As reportagens foram publicadas no portal maltanet.

             A cabeça d’água ocorre quando uma nuvem volumosa se rompe de repente em forma de chuva rápida, despejando muita água rapidamente, aumentando o volume do rio ou riacho, por isso ser perigosa. É suscetível de ocorrer no verão haja vista o maior volume de chuvas. Os eventos santanenses ocorreram em colinas. O volume d’água desceu rasgando impiedosamente a terra e arrastando tudo o que tinha pela frente somando-se ao volume natural da calha do riacho. Há histórico de eventos semelhantes na região em décadas passadas.

Foto: Colina após o fenômeno climático cabeça d'água
Local: Camoxinga dos Teodósios Foto: Portal maltanet

            Embora já houvesse orientação de isolamento social em virtude da pandemia do novo coronavírus, a situação de precariedade das famílias afetadas tornou sem efeito o isolamento social pretendido para conter a propagação do vírus. As cheias do riacho Camoxinga também foram pretextos para que muitos curiosos descumprissem e ignorassem as regras sanitárias.

            Como se não bastasse a cheia do riacho e tantos desabrigados, ninguém imaginou que a situação ainda pudesse piorar. E foi o que ocorreu! Em decorrência da intensidade das chuvas nos municípios pernambucanos que margeiam a calha do rio e seus afluentes, dia 30 de março o rio Ipanema tomou grande cheia, provocando a maior elevação já registrada nos últimos 40 anos, atingindo 10,4 metros acima do nível, segundo levantamento do serviço geológico do Brasil por sua sede em Recife.

Foto: Cheias do rio Ipanema e o riacho camoxinga

A enchente assustou. O volume das águas foi tanto que atingiu o passeio das pontes do centro da cidade, deixando a população em polvorosa, provocando estragos, deixando um rastro de destruição e centenas de famílias desabrigadas e desalojadas. Lamentavelmente os desabrigados da cheia do riacho Camoxinga foram novamente atingidos, visto que as águas do Ipanema invadiram os mesmos locais da cheia do riacho nas imediações da foz e parte do bairro Artur Morais, com acréscimo dos ribeirinhos do rio Ipanema, elevando para quase mil pessoas em estado de calamidade. Sorte nossa que as cheias aconteceram com diferença algumas horas de de uma para a outra. Não fosse isso, os atingidos já seriam o máximo nos primeiros momentos. A maior tragédia que se tem notícia provocada pelas cheias do riacho e do Ipanema, simultaneamente. Felizmente não houve mortes. Segundo a tradição oral a maior cheia de que se tem notícia ocorreu em 1940, mas não há registros oficiais, nem fotos. Dizem que as águas invadiram áreas maiores.

 
Foto: rio Ipanema e o riacho Camoxinga



        De um lado as águas de março castigaram os sertanejos e de outro, a pandemia obrigava a quarentena para conter o avanço da doença. Somente o comércio de produtos e serviços essenciais permaneceram funcionando. Tudo o mais foi fechado.

  •  Abril - Há duas versões: A primeira baseia-se em uma comemoração sagrada: aprilis, feita em homenagem a Vênus, deusa do amor. A segunda versão viria de aperire (abrir, em latim), referência ao período de abertura das flores, no hemisfério norte.

 

            O mês foi dedicado às campanhas de solidariedade e socorro aos atingidos pelas inundações. Vários abrigos foram instalados na cidade sob a coordenação das paróquias com apoio de entidades e governo municipal. Toneladas de alimentos foram recebidas de todo Estado para distribuição às famílias afetadas. Instalou-se mutirão municipal para limpeza das vias públicas e minimização dos estragos.

         As normas de isolamento social continuaram assustando pessoas e a maioria teimou em descumprir as orientações sanitárias. A severidade do isolamento social foi muito impactante para a saúde física e mental. As últimas gerações jamais sofreram restrição semelhante.

  As pessoas se viram obrigadas a olhar para si mesmas e reavaliar as prioridades, os valores essenciais da existência humana diante da limitação de circulação, permanecendo em casa por mais tempo. Tristezas e frustrações também se acentuaram. A parada obrigatória da quarentena trouxe, compulsoriamente, mudanças para o comportamento social nas relações de trabalho com a implantação do “escritório em casa”, convivência familiar e alternativas de lazer e diversão em casa. Ressignificar passou a ser a opção para encarar medos e incertezas no contexto atual.

       Semana que vem publicaremos a parte final.


Boletim Covid-19 – Quadro evolutivo no período

Casos

Abr.

Maio.

Jun.

Jul.

Ago.

Set.

Suspeitos

11

234

445

484

266

139

Confirmados

0

103

318

994

1459

1553

Descartados

22

125

434

1498

2255

2868

Recuperados

0

65

213

747

1155

1315

Óbitos

0

04

08

18

26

30

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde


Durante a pandemia, de março a setembro de 2020

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