Igreja da Santa Cruz de Taquarana |
2014. A caminhada começou as onze da noite do dia trinta de abril. Chovia forte, era desanimador iniciar uma caminhada noturna naquelas condições, contudo estávamos determinados a prosseguir. Era um grande desafio caminhar vinte quilômetros até a cidade de Taquarana sob forte chuva. A previsão de chegada era entre três e quatro horas da manhã. Todos os anos, entre a madrugada do dia trinta de abril e a manhã do dia primeiro de maio, feriado do dia do trabalhador, caminheiros de vários lugares partem de Arapiraca a Taquarana numa romaria em exaltação à Santa Cruz, padroeira da cidade de Taquarana.
Encontramos muita gente no caminho. Ao longo da estrada, diversos pontos de apoio foram instalados para prestar ajuda ao caminheiro, fornecendo água e lanche. Havia também ambulância de prontidão para acudir aos necessitados. A minha motivação pessoal era concretizar a minha penitência pelas graças alcançadas.
A chuva não deu trégua durante a caminhada que seguiu
pelo trecho da rodovia AL 110 que interliga as duas cidades. Choveu tanto que
não tivemos como aguardar a missa que seria celebrada nas primeiras horas da
manhã porque estávamos ensopados, sem nenhuma muda de roupa e não tínhamos
onde ficar. Decidimos retornar a Arapiraca, dessa vez de carro, eu e mais dois amigos de trabalho, além da esposa de
um deles que conseguiu fazer a marcha estradeira de sombrinha e caminhando com
sandálias de couro. Não ouvi nenhuma queixa!
Pesquisando sobre a origem daquela prática, contou-me
o Padre Jackson, vigário na localidade há mais de 09 anos, que a
devoção teve origem no século XIX. No alto de um monte da sede do município havia
uma árvore frondosa em formato de cruz. Algum viandante, naquelas paragens, em
algum momento de descanso e meditação, obteve algum benefício espiritual e, a
partir daí, iniciou divulgação da graça, tornando-o lugar de
peregrinação.
Em Taquarana, como servidor do Banco do Brasil, cumpri a
terceira missão como gerente de agência.
2015. Mais um ano se passou. Iniciamos a caminhada por volta das 23 horas
de 30.04.2015. Não choveu como no ano passado. Confesso que uma caminhada
noturna tão longa é incomum, porém eu tenho meus motivos para não
esmorecer no firme propósito de cumprir meu rito de expiação.
Andamos pelo asfalto na maior parte do tempo em silêncio. Chegamos
por volta das três da manhã trazendo o cansaço e a satisfação da missão
cumprida. A todo instante chegava gente que completava a percurso. A multidão
em alvoroço procurava um lugar para descansar. Fomos à Matriz da Santa
Cruz, que estava aberta, para meditar, agradecer e pedir especial proteção
à Santa Cruz e à Senhora Santana.
A caminhada mais famosa que ouvi falar foi o caminho para a cidade de
Santiago de Compostela, na região da Galícia, Espanha. Na verdade, não há um só
caminho, mas vários. O que se tem em comum entre eles é o ponto de chegada, a
cidade de Santiago de Compostela. Segundo a tradição, ali repousam os restos
mortais de Tiago Maior, um dos doze apóstolos de Jesus, respeitosamente
guardados numa arca de prata no porão da catedral dedicada ao santo.
Dentre os discípulos, Pedro, Tiago,
e seu irmão, João, foram os mais íntimos de Jesus. Os evangelhos afirmam isso
porque, quando o Nazareno queria se fazer acompanhar de um grupo mais restrito,
era a estes que chamava. Tiago estava também entre os mais impetuosos. Talvez
este traço de personalidade ajude a explicar sua pregação nos confins do mundo
conhecido, como era a Península Ibérica.
Do mesmo modo, pode explicar o
fato de ter sido o primeiro, dentre os doze apóstolos, a morrer em nome da nova
fé. Ao retornar a Jerusalém, Tiago foi decapitado, no ano 44, por ordem de
Herodes Agripa I.
Após sofrer martírio, o corpo de Tiago foi recolhido
por dois discípulos seus, que o acompanhavam desde a Galícia e sepultado
naquelas terras. Séculos depois, fenômenos luminosos revelariam o local da
tumba ao eremita Pelayo. Isso se deu entre 820 e 830.
Do surgimento de um templo à
formação de um importante polo de peregrinação para toda a cristandade foi um
passo. Peregrinos acorreram de toda a Europa, em busca de alguma graça. Aqueles
que vinham de Portugal foram responsáveis por traçar o Caminho Português; os
que vinham do restante da Europa firmaram diversos trajetos, sendo mais célebre
o conhecido pelo nome de caminho real ou Francês, até hoje percorrido por cerca
de três quartos do total de peregrinos nos mais de 800 km para percorrer em 30
dias. É um grande desafio.
Campo Alegre, ornamentação das ruas |
A minha segunda missão foi em Campo Alegre, na zona da mata alagoana, com predominância da atividade
da monocultura da cana de açúcar.
Naquela cidade o padroeiro é Bom Jesus dos Aflitos. A cidade tem a
tradição de ornamentar as principais ruas, tanto o calçamento, quanto as portas
e janelas das casas, por onde passa a procissão de Corpus Christi. Seus
moradores passam a noite enfeitando as ruas, portas e janelas. Quando amanhece
o dia a cidade está deslumbrante. É um espetáculo de devoção e cores que merece
ser visto.
Quebrangulo, Igreja do Bom Jesus dos Pobres |
A primeira missão ocorreu em Quebrangulo, às margens do rio Paraíba,
berço natal de Graciliano Ramos, cujo padroeiro é Bom Jesus dos Pobres.
Às vezes, não percebemos imediatamente, as inúmeras bênçãos que
recebemos ao longo das peregrinações que fazemos, espontâneas ou por força das circunstâncias. Hoje, creio e posso
dizer que as atribulações sofridas, em virtude da função que
desempenhei no trabalho, estavam sob o manto protetor da
Trindade Santa, representados nas invocações dos padroeiros Bom Jesus dos
Pobres, Bom Jesus dos Aflitos e em honra à Santa Cruz. Não foi mero acaso.
Publicado em novembro de 2015 e revisado em outubro de 2020 |
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