A epidemia de riso

 

Uma das coisas mais prazerosas da vida é uma boa conversa e risadas com os amigos. Risos e gargalhadas espalhafatosas nos tornam leves, é inegável! Relaxam os músculos. Os meios de comunicação; tevês, revistas e jornais, ainda reservam algum espaço à descontração e ao riso. Assim como a afetividade se completa com vida em comum, os risos dependem de interação social. Rir sozinho, sem motivações é loucura, dizem.

É bem verdade que atualmente tudo virou de ponta-cabeça. Sentimo-nos aprisionados e agoniados. Doenças, mortes, confinamento e medo não combinam com risos, não obstante se diga que rir é o melhor remédio.

Como estamos vivendo momentos de pavor com a pandemia da covid-19, compartilhamos história curiosa de doença que tomamos conhecimento ainda nos anos 80, através de uma revista interna do Banco do Brasil. Imagine uma doença que faz você rir sem parar, mais do que quando você chora de gargalhar de alguma piada contada por amigos!! Foi isso que se passou com várias pessoas na Tanzânia nos anos 60: a epidemia do riso.

Matéria divulgada no jornal Folha de São Paulo, versão digital, divulgada em 04 de janeiro de 2001: “Em 30 de janeiro de 1962, três meninas começaram a rir num internato em Kahasha, um vilarejo na então Tanganyika, hoje Tanzânia, país da África. As risadas logo tomaram 95 das 159 alunas da escola, que fechou as portas para evitar tumultos.

O internato reabriu em 21 de maio e foi novamente fechado um mês depois: o ataque de riso contaminara outras 57 garotas. Os surtos de gargalhadas duravam várias horas e, em algumas ocasiões, se repetiam quatro vezes. Houve casos em que os sintomas duraram 16 dias. De Kahasha a epidemia migrou para Nshamba, a vila onde moravam pais de várias meninas do internato. Mais de 200 dos 10 mil habitantes da cidadezinha sofreram ataques de riso.

Em junho, uma outra escola nas imediações também foi contagiada e teve de fechar porque 48 de suas 154 alunas riam sem parar. A praga então se espalhou como fogo na pradaria. O ataque de riso só parou em junho de 1964, dois anos e meio depois de iniciado. No total, ele atingiu cerca de mil pessoas. Catorze escolas tiveram de ser fechadas temporariamente.

A epidemia foi debelada quando as vilas atacadas foram submetidas a quarentena: ninguém entrava ou saía delas enquanto houvesse gente gargalhando compulsivamente. A praga se espalhou em ondas. Primeiro afetava as adolescentes que estudavam em escolas cristãs, depois atingia suas mães e parentes do sexo feminino. Pais, policiais e professores não foram contaminados.

Investigou-se a possibilidade de ter ocorrido alguma reação tóxica, ou então um surto de encefalite. Os resultados foram negativos. Concluiu-se que a origem da epidemia teve origem psicogênica, histérica.

"Classificar a epidemia de riso em Tanganyika como exotismo de uma cultura alienígena é desconsiderar as implicações mais amplas do fenômeno", escreve o autor de "Laughter: A Scientific Investigation", perguntando em seguida: "Todos nós já não experimentamos uma forma menor de epidemia de riso?".


A risada é involuntariamente contagiosa. Segundo o cientista Provine, o ataque de riso coletivo "desafia a combalida hipótese de que somos criaturas racionais, no controle pleno e consciente de nosso comportamento". Ele compara a reação das meninas da Tanzânia ao latido dos cães e ao piar dos pássaros, duas reações coletivas incontroláveis no reino animal. O ataque geral de riso até pode ser um traço de união com o resto da natureza, mas o riso – a gargalhada, o humor, a graça – é um poderoso fenômeno de socialização entre seres humanos.

O bocejo e o choro também são contagiantes, mas num grau muito menor que a risada. Não é por outro motivo que a risada pode ser industrializada. Os seriados norte-americanos de televisão, por exemplo, usam trilhas sonoras com risadas desde a década de 50. Muitos programas da tevê brasileira também copiaram a prática. Colocadas no fim de piadas, situações cômicas e programas humoristas, elas buscam contagiar o espectador que, sozinho, assiste ao programa em sua casa. Sozinho, o riso é mais difícil”.

Por ora, ainda vai ficar pergunta sem explicação: Por que os risos dos loucos nos amedrontam?


Setembro de 2020

Comentários

  1. Boa matéria, João Neto.
    Não com tanta intensidade mas o mundo está precisando rir.
    E, pra não dizer que não falei de Santana...estou arrepiado (brrrrrr) ao lembrar as gargalhadas de João Urso

    ResponderExcluir
  2. Respostas
    1. Tonho Cupim, velho amigo, propositalmente evitei falar do personagem João Urso, do conto do escritor santanense Breno Accioly pela complexidade do seu riso. Para aqueles que ainda não o leram, vamos relembrar um pouco: " O conto João Urso relata a história de um núcleo familiar composto de uma mãe que não tem nome, nem rosto, constituindo uma figura abandonada, sofrida, carente ao lado do seu filho João Urso, estranho, disforme, repugnante, com "o peito atrofiado, as mãos pequenas, a cabeça descomunal", rindo assustadoramente nas situações mais inusitadas. Ser profundamente solitário que, irônica e paradoxalmente, é temido, odiado e até enclausurado pela extemporaneidade do seu riso.
      Esse resumo não foi escrito por mim. Trata-se de trecho do livro de doutoramento da professora Edilma Acioli de Melo Bonfim, "Razão Mutilada - Ficção e loucura em Breno Accioly, que fez brilhante trabalho de análise crítica do perfil do escritor e seus contos. Vale a pena conhecer !

      Eu cheguei a conhecer alguns loucos, dentre eles Poni. Vizinhos ao sobrado onde morou Breno na sua infância. O riso de Poni nos amedrontava, pois era carregado de expressão tensa e olhos esbugalhados. Era assustador, principalmente para as crianças.

      Excluir
  3. Em tempos sombrios pelos quais passamos, alguns momentos para relaxar com um riso são muito propícios.
    Lembro-me na agência de Santana quando, de vez em quando, Nilza, esposa de Diógenes, disparava, em pleno atendimento, uma gargalhada incontrolável com uma situação, que demorava mais do que o normal até ser cassada. Não tinha como não ser envolvido diante daquela descontração natural.
    Mais uma crônica prazerosa. E para não fechar meu comentário sem deixar de fazer menção à Arte, nesse caso a do riso, aqui reverencio, dentre tantos grandes, os três maiores, para mim, que souberam profissionalizar essa ação: Costinha, Golias e Chico Anísio.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fernando, você tem razão! Não sei se você lembra da Tânia Melo, filha de Darci de Araújo Melo. Irmã de Ben Hur. A Tânia foi minha colega do curso científico no colégio estadual. Pessoa queridíssima em Santana, de riso fácil e extravagante. É impossível não rir junto com ela. Nilza faz parte desse grupo. Obrigado pelo comentário.

      Excluir
  4. O riso é sempre bem vindo! Quisera q essa pandemia do COVID fosse trocada pela do riso...
    Até o riso hj ficou mais dificil e sempre é engolido pela notícia de algum colega q sucumbiu ao COVID, mas, vida q segue e o riso faz parte dela e só trás benefícios, então, vamos rir!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Concordo contigo. Vamos rir! Obrigado pela leitura e opinião.

      Excluir
  5. Conheci um colega que após se recuperar de um ataque cardíaco, ocorrido em pleno expediente bancário, na agência em que trabalhávamos, criou o hábito de sorrir durante cinco minutos por dia. Trancava-se no almoxarifado e dava sonoras gargalhadas. Ele não precisa de algo específico pra sorrir. Sorria porque queria sorrir.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oliveira é interessante esse caso! Obrigado pela leitura e comentário.

      Excluir
  6. Conheci um colega que após se recuperar de um ataque cardíaco, ocorrido em pleno expediente bancário, na agência em que trabalhávamos, criou o hábito de sorrir durante cinco minutos por dia. Trancava-se no almoxarifado e dava sonoras gargalhadas. Ele não precisa de algo específico pra sorrir. Sorria porque queria sorrir.

    ResponderExcluir
  7. Bom dia Xará!
    Quem conhece "Alegria", cujo nome de batismo, nunca soube... Sempre que o encontro, dou risadas, das risadas dele e, ao final, vai aquela ajudinha... Andarilho que é, encontro em Arapiraca, Olho D'água das flores e Santana do Ipanema...
    Já em casa, a minha esposa rir de tudo e não são risos discretos, são gargalhadas, basta ela estar se sentindo à vontade.
    Parabénse e um abraço

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Xará, vamos deixar o riso dominar.

      Excluir

Postar um comentário