José Cândido da Silva(1927-2008) |
Minhas senhoras,
meus senhores,
meus conterrâneos:
“Comecei a desbravar
Montanhas e pantanais
Picadas, caminhos, estradas,
Picaretas, pedras e pás
O vento soprando forte
Lutei sem temer a morte
Fiz o mundo caminhar...”
(Versos do poema/canção “A luta contra o tempo”, autoria de José Cândido)
Minhas palavras iniciais são de agradecimento ao confrade e amigo Jose Malta Fontes Neto, Presidente da Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes, pelo honroso convite e oportunidade para homenagear o ilustre e admirado compositor santanense José Cândido da Silva, a quem tive o prazer de conhecer e conversar sobre sua vida e trajetória vencedora.
A história de José Cândido se confunde com histórias decantadas em verso e prosa de sertanejos ousados, que a despeito das dificuldades, são obrigados a deixar seu torrão natal, partindo para as grandes cidades do sudeste do país em busca de melhores condições de vida. Mas a vida é um dilema, cheia de reveses e desafios para qualquer pessoa. E, às vezes, nossos sonhos contêm pinceladas com as cores da dura realidade existencial.
Nasceu em 1927, em uma casa meia água de taipa, de quarto, sala e cozinha, construída à beira do Riacho Gravatá, no sítio Puxinanã, Município de Santana do Ipanema. A felicidade da convivência familiar e o cenário sertanejo ficarão gravados em sua alma influenciando-o em todos os seus cantos. Aos dezessete anos iria partir com o tio para a cidade grande.
Aquela noite seria a última a contemplar o céu estrelado do Sítio Puxinanã. As noites de lua aqui são mais belas. Consigo ver São Jorge Guerreiro em seu cavalo. Não queria, mas tenho que ir. Minha noite foi agoniada, pois deixaria minha família e iria morar distante. O sol se levantou mais cedo e quis todo sertão alumiar. Levantei-me e fui até à beira do riacho gravatá. Debaixo do velho angico sentei-me, apreciando aquele cenário de paz e harmonia. Na minha cabeça o filme se inicia e o principal protagonista sou eu. O final é mistério divino...
Em 1945 parte, para Aracaju passando a morar em companhia dos seus familiares. Em 1948 presta serviço militar que fortalece seus princípios de respeito a hierarquia e honradez no serviço público que passa a ser determinante na sua conduta e princípios. Em 1949, casa-se com D. Celina e, nesse ano, nasce o primeiro filho Ivan José. Seus dons artísticos já afloravam em algumas composições iniciais.
Em 1950 chega ao Rio. Em agosto desse ano, fora admitido como servidor da light empresa concessionária de energia elétrica e outros órgãos, trabalhando por 39 anos. A família havia ficado dividida, parte em Aracaju e outra morando com José Cândido no Rio. D. Celina não se adaptara. Foram muitas tentativas, porém, sem sucesso. Em 1952, nasce o segundo filho Iran. Em 1953, nasce o terceiro filho Itamar José. Nesse mesmo período começa a frequentar os auditórios das rádios Nacional, Tupi, Tamoio e outras. Locais onde se apresentavam os principais artistas da época de ouro do rádio; Emilinha Borba, Linda Batista, Luiz Vieira e Orlando Silva.
Ao assistir ao espetáculo dos “Gonzagas”; o velho Januário, Luiz, Severino José, Aloísio, Socorro e Chica, no auditório da Rádio Tupi, por ocasião da inauguração da emissora de televisão do mesmo nome. Deslumbrado e emocionado com o talento dos Gonzagas, sente-se estimulado a dedicar-se à composição, sempre influenciado pelas lembranças do sertão, da literatura de cordel e dos sucessos do baião de Luiz Gonzaga. Assim, compõe sua primeira música: “O cabelo de boneca”.
Segundo suas próprias palavras; “na tentativa de se tornar compositor, passou a frequentar os locais onde os artistas da época costumavam se reunir: Praça Tiradentes, defronte ao Teatro Carlos Gomes, no Rio”. Nessa época, conhece Nelson Cavaquinho e chegam a acordar sobre a possibilidade de parceria. Nelson Cavaquinho apresenta José Cândido a João do Vale que havia gravado a canção “Estrela Miúda”, com Marlene, Madalena e Zé Gonzaga.
João do Vale, à época, exercia a profissão de servente de pedreiro. Segundo depoimento de José Cândido, quando João do Vale o conheceu, pediu para morar com ele no quarto onde morava. No período dessa convivência João do Vale aprendeu suas composições e se tornaram parceiros. Dedicado ao trabalho como servidor da light, empresa concessionária de energia elétrica do Rio, e por conta da sua timidez, não tinha tempo para frequentar o meio artístico. João do Vale, por sua vez, abandonou o trabalho e passou a se dedicar integralmente a vida musical e a convivência com os artistas.
Certo dia, João do Vale trouxe a notícia de que sua música “O cabelo de boneca” iria ser gravada e, finalmente Zé Cândido iria assinar contrato com a gravadora Colúmbia, que efetivamente ocorreu em 1955. É sua estreia oficial no mundo da música. No momento da gravação estavam no estúdio, vários músicos, entre eles; Altamiro Carrilho, Buco do Pandeiro e Chiquinho do Acordeom.
Além de “O Cabelo de Boneca” foram também gravadas “Aroeira” e “Machucado”. Três meses depois foram gravadas, pela gravadora Polidor, “Pisa Mulata”; com Luiz Wanderley e o “Pé do Lajeiro”; com o trio Maraiá. Com essas composições, associou-se à União Brasileira dos Compositores, que ocorreu em 1955. Após esse feito, o compositor ganhou projeção Nacional e novas oportunidades surgiram, mas as responsabilidades com o trabalho e a família o impediram de se expandir na trajetória, segundo sua própria biografia, permanecendo à sombra de João do Vale.
Em 1957, nasceu sua quarta filha, Íris Delmar. João do Vale e José Cândido tornaram-se compadres pelo batizado de Íris, dois anos depois numa festa musical com a presença de vários artistas, dentre eles Zequinha do Acordeom.
Em 1958, Marinês gravou “O Segredo do Sertanejo”. Os irmãos Roberto e Reginaldo Faria produziram o filme “No Mundo da Lua” onde foram incluídas três músicas da sua autoria com o parceiro João do Vale: “Aroeira”, “Machucado” e “O Segredo do Sertanejo”.
Quando o filme entrou em cartaz e viu seu nome listado nos créditos do filme, sua emoção foi incomensurável. Queria gritar a todos dentro do cinema que aquelas canções eram de sua autoria. Podemos imaginar sua euforia. A voz original das canções do filme era de Evaldo Gouveia, mas as dublagens das canções eram feitas pelo galã do filme, Reginaldo Faria.
Em 1959, nasceu seu filho Paulo, do relacionamento com Aleide. Em 1960, D. Celina deu à luz aos gêmeos: Iracema e Iremar.
Segundo suas palavras a inspiração para compor sua célebre canção foi a cena testemunhada “... numa dessas minhas idas ao sertão nordestino, vivenciei a luta de um carcará para sobreviver. Meu pai acabara de queimar uma roça, o fogo ainda estava vivo por todos os cantos. O carcará enfrentou o braseiro, tirou de dentro dele uma cobra enorme, com suas garras afiadas e foi comer cobra assada no galho de uma baraúna. Aproveitei a bravura do bicho e compus “Carcará”.
A música ficou engavetada quase dez anos. Todos os intérpretes do gênero tomaram conhecimento dela, inclusive Luiz Gonzaga. Mas ninguém quis gravar. No segundo semestre de 1964, um grupo de artistas, entre eles Dory Caymmi, Carlinhos Lira e o poeta Ferreira Gullar, montaram o “Show Opinião”, que seria apresentado pelos compositores João do Vale, Zé Keti e pela cantora Nara Leão. Na escolha das músicas, cada um dava seu palpite. João do Vale, que já conhecia “Carcará”, lembrou-se de apresentá-la aos selecionadores que a aprovaram por unanimidade. Além desta, foram incluídas “Ouricuri” e “Morceguinho”.
Quando Nara Leão cantou a canção “Carcará” a plateia aplaudiu de pé. Nascia naquele momento seu grande sucesso. Nara percebeu a força da música e a gravou imediatamente. Quando o show estava no apogeu, Nara afastou-se por problemas de saúde. Para substituí-la, veio a estreante Maria Bethânia. (clique para ver e ouvir) O sucesso foi arrasador e a canção também fora gravada por ela no mesmo ano, consolidando a estreante como promessa no cenário artístico nacional.
Com o sucesso de “Carcará”, as portas se abriram, parcialmente, conforme seu depoimento e se libertou um pouco da influência do principal parceiro, João do Vale. Frequentando com mais assiduidade a União Brasileira de Compositores, conheceu grandes nomes do cenário artístico brasileiro, tais como: Vicente Celestino, Jorge Vieira, Alcides Gerardes, Ataulfo Alves, Jair Amorim, Humberto Teixeira e Wilson Batista, dentre outros.
Conseguiu gravar com os seguintes artistas Zé Gonzaga, Marinês, Trio Mossoró, Dominguinhos, Diana Pequeno e Zé Ramalho, dentre outros. Sem contar com mais de 30 regravações de “Carcará” em todo mundo.
Em 1969, para completar o orçamento, exerce o ofício de taxista, mas não permanece muito tempo na atividade, encerrando-a em seguida.
Sua vida pessoal e familiar foi repleta de desafios, principalmente porque esposa e filhos ficaram em Aracaju e ele no Rio. A vida no Rio também foi de dificuldades, nada obstante as oportunidades e o reconhecimento do trabalho artístico. Porém, manteve-se íntegro na manutenção e custeio da família à distância. Mesmo com o sucesso e projeção nacional como compositor, os ganhos não lhe renderam folga financeira. A legislação brasileira sobre pagamento de direitos autorais ainda é insuficiente e incompleta.
Seu pai, seu ídolo, Seu Noquinha faleceu em 1982. Em 1983, faleceu D. Iaiá, sua adorada mãe.
Em 1989, já aposentado, retorna a Santana do Ipanema, agora com a companheira Terezinha. Porém, por problemas de saúde da sua companheira e seu também, decide morar em Aracaju, que ocorreu em 1992. Pouco tempo depois vem a falecer sua companheira Terezinha.
José Cândido viveu 50 anos longe de Santana. Nesse período, voltou a sua terra por mais 30 vezes, conforme afirma. Em 1996, ao completar seus 68 anos a Câmara de Vereadores prestou-lhe homenagem, denominando a rua em que morou no bairro da floresta, por ocasião do seu retorno, com seu nome: Rua Compositor José Cândido. Faleceu em 2008 em Aracaju. Em 1998, Waldo Santana, cantor/compositor santanense, incluiu canção de José Cândido, “Por Que Chover no Mar?” em seu CD “O amor é assim”. ( clique para ouvir)
Foto: familiares na esquina da rua José Cândido
Quando partiu para Aracaju, aos dezessete anos, já estava gravada na sua alma o ideal sertanejo: as dificuldades de subsistência e a rara beleza do antagonismo do semiárido, sem falar na influência da literatura de cordel. De forma geral, seus poemas e canções são influenciados e retratam sua terra, o sertão, sua gente e seus costumes. A força poética dos sentimentos; dor, a saudade e o amor são temas recorrentes em sua obra.
Assim como todos os artistas que partiram da sua terra para outras plagas, um sonho permanece real: voltar à sua terra e sua gente! Viver na cidade grande para um sertanejo será sempre um grande desafio e a realidade de voltar ao seu povo, um sonho! Um sonho que custa quase sempre a vida inteira. Sua paixão por Santana do Ipanema está imortalizada na canção/poema “A Capital do Sertão”, cujos versos exaltam a cidade, sua importância, a saudade e a tristeza pela partida.
Vez por outra indagamos: O que será ser bem-sucedido? Cada um de nós pode ter respostas pessoais, bem definidas. Alguns filósofos defendem que devemos potencializar nossas habilidades e fazer nosso papel de cidadão na sociedade, usando nossos talentos para o bem comum. Isso é ser vitorioso! José Cândido foi um homem vencedor em sua trajetória. Seu nome está escrito, com méritos, na história da música popular brasileira.
Para finalizar cito seus versos: “Tentei imitar o sol, nascendo a cada manhã, iluminando os caminhos pra meu povo caminhar. O tempo aluiu o nó, o vento me deixou só, mas não parei de lutar...” (Versos da canção/poema “A luta contra o tempo”, de autoria de José Cândido).
Agora, perante seus familiares e amigos é momento de reafirmar essa homenagem há muito devida pelos seus conterrâneos. Hoje, Santana do Ipanema, reconhece e aplaude “o menino de Puxinanã, imortalizado pela Academia Santanense de Letras, Ciência e Artes pelo conjunto de sua obra, com a cadeira nº 18. Publicou sua autobiografia intitulada “O menino de Puxinanã” em 1997, cujo livro foi objeto de pesquisa para esta homenagem e “Querubim”, romance, em 2001.
Foto: Familiares no momento da homenagem prestada pela Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes
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Carta recebida de José Cândido em resposta a convite que fizemos para participar da III Feira de Arte e Cultura, que foi realizada no período de 13 a 17.03.1996 na AABB Santana do Ipanema AL.
Publicação de outubro de 2013 e revisada em junho de 2020.
Resgate maravilhoso, João. Parabéns pela justa homenagem ao conterrâneo, cuja obra-prima “Carcará” tornou-se um marco na MPB.
ResponderExcluirObrigado Hayton pelo leitura e comentário. José Cândido jamais será esquecido.
ExcluirJoão, já li o livro "O menino de Puxinanã" umas três vezes. Gosto do poema contido na contracapa.
ResponderExcluirA caminhada do ancião
Caminhar como eu, caminho
Pela beira do mar, sozinho
Caminhar como eu, caminho
Pela beira do mar, sozinho
Quantas vezes fico a perguntar
Se um dia vou ter que chegar
E aonde...
É porque o teu tempo passou
Com certeza teu sonho terminou
É assim que o destino responde
Quando encontro alguém nessa estrada
Imbutido da mesma jornada
Eu, pergunto onde vai
Sorrindo...
Com a mesma ironia responde
Como tu que não sabes pra onde
É pra lá que agora estou indo.
Cláudio, José Cândido era um poeta singular. Grande artista ! Obrigado pela leitura e por registrar tão belo poema aqui nesse espaço!
Excluir"A arte existe porque a vida não
ResponderExcluirbasta", disse certa vez Ferreira Gullar, mencionado nessa sua crônica, João. Com preciosas informações sobre a vida e obra de mais um ilustre santanense, que entrou para a história musical brasileira com um clássico até hoje ecoado, a frase do poeta faz jus ao personagem e, por conseguinte, à redação do texto que o registra.
Fernando, você enriquece esse espaço com os seus comentários e citações poéticas. Muito obrigado pela presença constante.
ExcluirParabéns, João! Essas pessoas têm que ser sempre lembradas, para que, com elas, suas composições e obras não se percam e sejam esquecidas!
ResponderExcluirObrigado pelo leitura e comentário. Vamos divulgar !
ExcluirUma grande história de um grande compositor, sertanejo e nosso conterrâneo. Essas pessoas têm q ser resgatadas, mesmo in memoriam , pra mostrar o quão rico é nosso povo e rica, nossa historia. Parabéns por nos trazer essa bela história e nos orgulhar cada vez mais de ser sertanejo e santanense!
ResponderExcluirObrigado pela leitura e considerações. Nosso sertão tem história muito rica. Precisamos divulgar mais nossos valores. José Cândido é um dos patronos da Academia Santanense de Letras, ciências e artes.
ExcluirBela homenagem! Bem ao seu modo, Xará...
ResponderExcluirParabéns
Obrigado Xará. A trajetória vencedora de José Cândido é um exemplo para todos nós.
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