O dia a dia de trabalho numa agência
do Banco do Brasil nos interiores do Nordeste é muito interessante. Em Poço das
Trincheiras não era diferente. Inaugurada em 1983, passamos vários anos por lá.
Gratificante foi a convivência com o acolhedor povo daquela tradicional cidade sertaneja.
Foto: Banco do Brasil Poço das Trincheiras AL Fonte: Djalma Alencar |
Naquela época, os agricultores atravessavam mais uma época de agruras em decorrência de seguidas estiagens. O governo havia editado medida para amenizar a agonia dos ruralistas endividados por meio de renegociação das dívidas. Mais de mil contratos pré-impressos foram complementados à máquina de datilografia remington, maioria no BB. As velozes máquinas elétricas eram exclusividade dos grandes centros.
Foto: Serra do Poço. Ao fundo, Santana. Fonte: Waldson Porfírio |
- Meu nome é Tito Aboiador. Recebi um recado para me apresentar aqui no banco para falar com o senhor sobre umas dívidas que tenho por cá. Pronto; sou eu! Estou às suas ordens.
Tonho Cupim, comunicativo e espirituoso, perguntou baixinho:
- O amigo é mesmo aboiador?
- Ele respondeu: - Sou, sim senhor!
Tonho interveio:
- Dar para fazer um versinho
agora?
Tito respondeu:
- Dá sim! Qual é sua graça? Indagou!
Tonho respondeu: Antônio Sobrinho.
Tonho Cupim, pensou que ele fosse fazer um verso e cantar baixinho. O vaqueiro concentrou-se como se estivesse conduzindo sua boiada enfileirada rumo aos campos de pastagens. Aspirou. Encheu o peito de melancolia! Esticou as cordas vocais e disparou aquele som plangente e monótono com toda força e volume de bom cantador.
O som foi tão forte que reverberou nos quatro cantos do salão e invadiu a rua através das frestas das janelas e portas. A surpresa foi tão grande que paralisou os presentes que ficaram pasmados, sem ação:
“Eu sou Tito aboiador,
cabra macho do
sertão.
mandaram me
chamar
eu tô aqui não
fujo não!”
Tonho Cupim, enrubesceu e ficou sem saber como agir. Tentou interrompê-lo, pedindo para que cantasse baixo. Agoniado e claramente nervoso, retrucou:
- Homi, por Nossa Senhora, cante baixinho,
faça isso não!
- O sinhô num pediu!? Comecei, tenho
que terminar! Não se para um aboiador desse jeito! A rima não pode ficar no
meio do caminho, de pé quebrado...
atendendo seu chamado
Pra fazer a
prorrogação
por que tô mesmo é quebrado
ao bancário Tonho Sobrinho
que é um cara arretado, eeeeeeehhhhhh.
Ficamos estupefatos, imobilizados, sem
ação! Aquele momento jamais será esquecido. Foi único. O gerente Edson,
mineiro, ficou irado. Passou o resto do dia sisudo e de poucas conversas. As testemunhas, ao contrário, ganharam o dia. Aquele episódio permaneceu nas rodas de conversa durante um bom tempo, rendendo boas risadas.
Foto: vaqueiro nordestino |
Publicação em fevereiro de 2007, revisado em março de 2020
Eita, João! Fazer como o seu xará, João do mato, li de "forgo" só. Muito, muito bom, maravilhoso o texto e a estória, que enriquece a história dessa nossa gente sertaneja e brava!!!
ResponderExcluirObrigado Goretti.
ExcluirFico rindo só em imaginar a cena, como se estivesse in loco . Essas figuras do interior são de uma riqueza folclórica ímpar. Viva nosso Nordeste e que bom que tem pessoas como você, João, para deixar vivo e bem contados esses registros.
ResponderExcluirFernando, foi uma situação muito engraçada e inesquecível. A tentativa de Tonho de interromper o Tito melhorou ainda mais o episódio.
ExcluirJoão Neto mostrou o quadro com fidelidade, carregando nas tintas com graça e elegância. Afinal, quem conta um conto aumenta um ponto. Mostrei a crônica a Isabel, minha consorte (nossa que dúvida! A mulher que comigo casou deve ser chamada de consorte ou com azar?), Também presente ao show do Tito. Ele concorda com sua revisão, João de Liô.
ResponderExcluirVá rememorando as coisas de "Pòço de las Trinxèras", como dizia nosso inesquecível Raimundo Aquino, que dizia também que naquele tempo "éramos felizes e não sabíamos".
Abraço fraterno
Antônio Sobrinho
Esse cidadão é o Antônio. Personagem do fato.
ExcluirCoisas do meu Sertão...Só faltou você dizer que a ladeira da Serra, era tão ladeirada, que se o fiscal fosse à cavalo e o cavalo caísse...Adeus fiscal...kkl
ResponderExcluirParabéns
Iam todos para o beleléu. Obrigado pelo comentário.
ExcluirSe Seu Antônio Sobrinho tivesse se apresentado pela alcunha de Tonho Kupim, é bem provável que o aboio fosse outro.
ResponderExcluirO aboiador lembraria que o sertanejo, antes de tudo um forte, é madeira que cupim não rói.
"Sertanejo é madeira de dar em doido que a vida enverga mas não consegue quebrar não..." Versos da canção "avoante" do pernambucano Accioly Neto(1950-2000). Autor de grande sucessos, tais como "Espumas ao vento" e "Lembrança de de um beijo", dentre outras. Obrigado.
ExcluirÓtimo texto, João Neto! Nos faz recordar que já vivenciamos tantas outras histórias semelhantes por esse BB Brasil afora.
ResponderExcluirIsso mesmo Oliveira. Obrigado.
ExcluirParabéns, João, mas uma história, muito hilariante, dentre tantas do nosso sertão, contada por quem viu o acontecido de forma que leva nosso imaginário a fazer parte dela. Êêêê, boiada!
ResponderExcluirA riqueza cultural do sertanejo é fora de série. Obrigado!
ExcluirDe acordo com o artigo 1º da Lei 2.100 de 15 de julho do ano de 1958, A Imponente Serra do Poço cujo nome vem da cidade edificada a seus pés, é território por inteira de Poço das Trincheiras, removendo o antigo equívoco territorial.
ResponderExcluir"Art. 1° Fica elevado a categoria de município o atual Distrito de Poço das Trincheiras, de acordo com os seguintes limites:
Ao Norte, com o Estado de Pernambuco;
Ao Sul, a partir da estrada do Morcego até a fazenda Raspador, daí, em reta até o Serrote Malhador, seguindo em reta ao ponto de duzentas braças para o Sul, medidas a partir da estrada ao povoado Várzea de D. Joana; partindo daí em linha reta, até o morro da Santa, daí pela estrada velha até faltar duzentos metros para o rio Capiá.
A Leste, do cruzamento da linha divisória do Estado de Pernambuco com a estrada da Camuxinga, seguindo por está, até o ponto que, em linha reta, passe pelo sangradouro da Lagoa da Serra do Poço ao Serrote do Tamanduá, continuando na mesma reta até a estrada do Morcego.
A Oeste, com a divisa do atual Distrito Judiciário."
Mostrando que o limite territorial está margeando seus pés na região do sítio Camuxinga dos Teodósios e do sítio Agua Fria.
Correto.
ExcluirCorreção feita.
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