O visitante ilustre



Foto: Betânia Pe.    
            Aquele seria o dia mais feliz na vida da família Alves. Tonho Cupim, após anos e muitas horas de viagem, retornara a sua terra natal no sertão pernambucano, Betânia. Uma pequena e bucólica cidade no alto sertão, na microrregião do sertão do Moxotó. Os Alves estavam em polvorosa por receber o ilustre parente há anos ausente, após carreira bem-sucedida como funcionário do Banco do Brasil, exercendo o cargo de gerente geral de agência de Maravilha AL.

            O visitante, porém, na correria e ansiedade do dia a dia do trabalho esquecera de fazer a barba e cortar os cabelos de pixaim, apresentando-se meio desarrumado, parecendo um daqueles hippies “paz e amor” dos inesquecíveis anos 60. Entretanto, sempre bem-humorado, logo tratou de tirar por menos aquela aparente feiura incidental.
          A sua chegada triunfal a pequena cidade foi um marco somente comparada a recepção de grandes autoridades com banda de música e foguetório. Muitas comemorações e incansáveis visitas no curto espaço de tempo, ora aqui, ora ali.

          Os anfitriões não deram trégua ao visitante na incansável jornada de compromissos. Queriam recepção com pompa e circunstância, mas o visitante não estava preparado para enfrentar programação tão extensa. Cansado, com razão, esquecera o horário de retorno no único ônibus que fazia o trajeto diariamente.

      Quando se deu conta do imprevisto, não se desesperou. Tratou de pedir auxílio aos parentes para arrumar um jeito de voltar incólume e a tempo. O que não se esperava é que não havia transporte regular naquele dia, restando apelar para o jeitinho brasileiro.

          Imediatamente a matriarca da preclara estirpe agiu rápido. Acionou seus contatos, não medindo esforço para demonstrar sua importância na localidade e, após longa jornada de negociação e conchavos, veio a solução: garantiu-lhe vaga de carona na única ambulância da cidade que iria fazer uma viagem de emergência, naquela tarde, para levar paciente de urgência a cidade mais próxima.

   Quem já observou uma ambulância internamente, adaptada de carros de passeio, pode comprovar o incômodo que é viajar na pequena cadeira que serve de apoio, normalmente para enfermeiro ou médico que provisoriamente assiste o paciente.

    A celebridade, não titubeou, aceitando de imediato a bem-vinda carona. Até porque, naquela altura dos acontecimentos, o ilustre visitante vislumbrou como a única opção de chegar ao seu itinerário sem maiores percalços.

         O visitante é um sujeito meio grandão, acomodou-se com certa dificuldade na pequena cadeira ao lado da paciente deitada na maca e ambos seguiram estrada afora.

 O viajante sorrateiro percebeu que aquela senhora adoentada o olhava com piedade, confortando-o, embora nada pudesse fazer, pois a sua situação era pior do que a daquele homem de aparência doentia e descuidada, reforçada pela expressão de tristeza pelos incontáveis solavancos nas estradas malcuidadas.

Acabrunhado, o viajante insólito permaneceu calado e sem disposição para conversas no percurso da viagem.  Quase perto do fim do itinerário, a paciente vencendo a timidez e o silêncio incomum, resolveu interromper a mudez, satisfazendo a curiosidade e, ao mesmo tempo, demonstrando solidariedade ao ilustre cidadão. Quando, de repente, perguntou rápido para não se arrepender:

           - O sinhô tá operado, né?
           Retrucou, Tonho Cupim, rapidamente: 
           - Não senhora! É porque eu sou feio mesmo!
            Restaram risadas e descontração, enfim!


Foto: Igreja Matriz de Santo Antônio, Betânia Pe
Foto: Altar da Igreja Matriz de Santo Antônio, Betânia Pe.
Igreja onde o protagonista se batizou em 1948


















Publicação em novembro de 2009, revisado em novembro de 2019

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