A
minha rua era igual a tantas outras. Todo ano, no mês de dezembro, ficava mais
bonita com a chegada das festividades natalinas. Até a velha algaroba estremecia seus galhos e raízes, pois o abrigo da sua sombra tão valorizada durante
todo o ano, era razão inferior considerando a exclusividade da missão-protagonista
que estava porvir.
Na
nossa casa, cedo aprendemos a lidar com a praticidade da energia elétrica e sua
utilidade no dia a dia da casa, sem se descuidar da segurança, claro! Então,
fazer gambiarra para iluminar um novo ambiente, troca de lâmpadas e acessórios
era algo corriqueiro que os homens aprenderam a lidar precocemente. Comigo não
foi diferente, quando todos os irmãos saíram para cuidar de suas vidas e das
exigências do mundo adulto.
Das
minhas lembranças mais antigas, algumas jamais se desvencilharam de mim. E, dentre
elas; o encanto das luzes e das cores natalinas! Naquele tempo ainda não havia
as novidades tecnológicas de hoje em dia. Porém, meu pai enquanto viveu, fazia
questão que todo ano fosse instalado rosário de lâmpadas coloridas,
com pisca-pisca, na velha algaroba da frente de casa, tudo feito manualmente
com o que a gente tinha disponível. Comprava-se, apenas, o dispositivo
elétrico; pisca-pisca!
Era um compromisso de honra que jamais poderia
faltar. E assim, todos os filhos se
mobilizavam e se revezavam para cumprir sua exigência. Era um arauto dos
costumes cristãos.
Foto: Universo particular Acervo: autor |
Ano
após ano, quando chegava o mês de novembro, ele já anunciava a providência e
escolhia um dos filhos para preparar a fiação e luzes que foram guardadas do ano
anterior para reinstalação na árvore no dia 30 de novembro. Esta data
marca o início do tempo do advento para a Igreja Católica, até a Festa de Reis,
no dia 06 de janeiro. Após a data, solicitava a retirada dos apetrechos.
A
algaroba gabava-se de ser a árvore mais imponente e vistosa de toda a avenida.
Ao anoitecer, tornava-se majestosa e esplendorosa sinalizando que a chegada do Deus Menino estava próxima. Os vizinhos apareciam eufóricos às portas a contemplar e
exaltar a beleza das cores. Enfeitiçados pela magia natalina, meninos eufóricos corriam e saltavam pra lá e pra cá dominados pelo encanto dos vagalumes elétricos.
No teatro da vida minha
rua era palco de espetáculo de luz e cor. Os atores se fantasiavam de si mesmos
e sempre cabia quem mais chegasse. Os sonhos eram ladrilhados com o brilho
cintilante das cores na cerração dos grandes medos dentro da noite atroz.
Conta-se
que ao final de 1880 o inventor das lâmpadas, Thomas Edison, pendurou diversas
lâmpadas incandescentes ao redor do seu laboratório no bairro Menlo Park, Nova Jersey, Estados Unidos, para
chamar a atenção de quem passava por ali. Dois anos depois, Edward Johnson,
colega de Edison, fez a primeira árvore de Natal com luzinhas em Manhattan. A
evolução das luzes de Natal é semelhante à da lâmpada, com algumas variações
incrivelmente ornamentadas.
A tradição, entretanto,
não começou meramente por uma jogada de marketing, já que dezembro é o mês mais
escuro do ano no hemisfério norte. Portanto, as luzes eram uma promessa do
retorno do sol. As luzes de Natal sofreram grandes mudanças ao longo dos anos,
e hoje é possível encontrar uma diversidade de formatos, tamanhos e cores.
Mesmo meu pai tendo
falecido há décadas, continuamos cumprindo e renovando o ritual, seja de um
jeito, seja de outro! Por força das circunstâncias, tivemos que mudar de endereço.
Tempos depois a árvore que ofereceu tanta sombra aos transeuntes e foi cenário de tanto brilho e cor anunciando o Divino, fora cortada sob o pretexto de que não mais servia
e as folhas caídas sujavam a rua.
Os moradores raramente
conversam nas calçadas. E os meninos? Bem, os meninos de hoje ficam trancados
em casa pois não é seguro irem ao portão à noite. A interação espontânea ganhou
ares de temeridade, sendo substituída pela diversão solitária dos jogos
eletrônicos do smartphone.
Diz o poeta Camões; “
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades...”
Tudo isso poderia ser
algo banal na vida de qualquer menino do meu tempo não fosse o fato de que meu
pai era totalmente cego e nunca chegou a ver, com os seus olhos, as luzes e as
cores natalinas que ele tanto valorizava.
Dezembro, 2019
Excelente leitura! Tenho certeza q iremos ler a cada postagem , algo q nos enche de alegria...Sucesso...
ResponderExcluirUm texto que nos transporta para tempos menos complexos e mais humanizados. Muito bom!
ResponderExcluirJá sou leitor assíduo dos seus textos, João. Esse é mais um canal que teremos para navegar com a qualidade de suas publicações. Parabéns.
ResponderExcluirParabéns pelo belo texto, João Neto!
ResponderExcluirMuito bom João.
ResponderExcluirVencer numa época de muita escassez e ainda sem a visão. .
Uma criatura diferenciada
João Neto, um músico, poeta, belo conto, cujas linhas estreitam o passado e o presente, este último tão obscuro, isso porque os avanços tecnológicos desmancham as pessoas, afastando-as umas das outras. Mas, esse é o João que temos que apluadir.
ResponderExcluirMariana Karla
ResponderExcluirInfelizmente não mais observamos e valorizamos as coisas simples e belas da vida. Deixamos que a necessidade do sistema se tornasse a nossa necessidade, com tanta supervalorização da tecnologia e bem material.